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15 DE AGOSTO – SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

15 DE AGOSTO – SOLENIDADE DA ASSUNÇÃO DE NOSSA SENHORA

Assunção da Virgem Maria. Obra de Alonso López de Herrera.

“Pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma de fé por Deus revelado que a Imaculada Mãe de Deus sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrena, foi elevada à glória celeste em alma e corpo.”
(Pio XII, Munificentissimus Deus, 1950)

O DOGMA DA ASSUNÇÃO professa que Maria Santíssima está em corpo e alma na glória do Céu, diferentemente dos demais santos, cujos corpos aguardam a glorificação, que receberão no Dia do Juízo. Todo cristão católico crê nesta verdade de fé.

Reconhecendo esta doutrina como verdadeira e de adesão necessária no dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII preferiu não se pronunciar sobre outra questão relacionada: passou a Mãe do Senhor pela morte e ressurreição, antes de entrar na Bem-aventurança celeste? Ou foi elevada da vida mortal diretamente ao triunfo eterno? Diante do silêncio prudente e intencional do Magistério da Igreja sobre o assunto, fica ao arbítrio de cada fiel crer ou não na morte e ressurreição de Maria.

Os documentos mais antigos, entretanto, professam a morte e a ressurreição da Mãe de Deus. Não teria a Virgem Santíssima permanecido isenta da sorte que o próprio Deus feito homem provou pregado à Cruz. Todavia, seu corpo não sofreu corrupção no sepulcro: quis Nosso Senhor conservar a integridade da carne daquela de quem tomou sua própria carne para a salvação do mundo. Desse modo, foi Maria assunta aos Céus imediatamente após o fim de sua vida terrena. Assim pensa hoje a maioria dos teólogos.

Outra interpretação afirma que Nossa Senhora foi dispensada mesmo do tributo à morte, de tal modo era ela imaculada ou alheia ao pecado e às suas consequências (das quais a morte física é uma das principais).

A sentença que atribui a morte a Maria, todavia, parece mais fiel tanto à Tradição como a certos princípios teológicos fundamentais (se até Nosso Senhor Jesus Cristo morreu, dando à morte sentido redentor, é bem mais provável que Maria também tenha morrido, até por estar tão intimamente associada à obra de Cristo).

Antes de analisarmos os fundamentos da fé na Assunção de Maria, será oportuno propor uma observação referente às fontes da fé cristã.

Assunção de Nossa Senhora – Proclamação do dogma por Pio XII, em 1950.

1. Revelação e Tradição

1.1. O católico tem consciência de que a Revelação se fez primariamente de viva voz, pela pregação de Cristo; só por motivos esporádicos (necessidades imediatas de comunidades de cristãos do séc. I), alguns aspectos das verdades da fé foram consignados em cartas e opúsculos, cuja coleção se chamou «Novo Testamento». Resta, portanto, fora destes escritos, ou seja, na Tradição oral, um cabedal de proposições autenticamente reveladas, as quais constituem objeto de fé católica[1].

Um dos critérios para se avaliar a autenticidade de uma tradição é sua antiguidade, ou melhor, a origem da mesma nos tempos dos Apóstolos; consequentemente, as afirmações de doutrina e de moral transmitidas pelas gerações cristãs desde o séc. I e hoje em dia oficialmente reconhecidas pelo Magistério da Igreja são parte integrante do Patrimônio Revelado. Ora, justamente entre essas afirmações se enumera a da Assunção.

Na verdade, a Virgem Mãe de Deus deve ter terminado os seus dias na Terra após a redação dos escritos do Novo Testamento, a não ser talvez os de São João. A quanto parece, todos os hagiógrafos, exceto o quarto Evangelista, deixaram esta vida antes de Maria. É o que se costuma concluir do fato, geralmente admitido pelos estudiosos, de que São João só se transferiu para a Ásia Menor após a invasão romana da Palestina (66-70); sua estada na Judeia até essa época é elucidada por Maria ter permanecido em vida até tal data (ou por mais tempo) e São João lhe houver prestado a assistência filial que Cristo, ao morrer, lhe recomendara (cf. Jo 19, 27).

Postal da Assunção de Nossa Senhora (reprodução da internet)

Vários autores antigos referem que a Mãe do Senhor ficou na terra até avançada idade, ao passo que São Pedro e São Paulo parecem ter sofrido o martírio no ano de 67 e São Tiago o Menor em 62 (as datas da morte dos outros Apóstolos são incertas; apenas se pode assegurar que São João sobreviveu a todos, morrendo por volta do ano 100).

1.2. “Por que a Bíblia não fala sobre isso?”

O simples fato de que Maria ainda não havia deixado ainda este mundo quando os hagiógrafos redigiram a grande maioria – ou a totalidade – dos escritos do Novo Testamento explica o silêncio das Escrituras a respeito da Assunção corporal da Virgem. Ademais, sabe-se que nenhum dos autores sagrados intencionou escrever uma biografia de Maria Santíssima: esta é mencionada no Novo Testamento unicamente em vista do Senhor Jesus, ou seja, preenchendo as atribuições de “esposa do Espírito Santo” e mãe do Salvador, como o Tabernáculo da nova e eterna Aliança entre Deus e os homens que é. Evidentemente, isto não é pouco, ainda que a fé cristã e católica sempre tenha sido e permanecerá, enquanto tal, cristocêntrica.

O relativamente pouco que se diz a respeito de Maria em extensão (quantidade de palavras) é de tal magnitude que, de certa forma, dispensa maiores comentários. Ora, o Evangelho revela que o próprio Espírito Santo, pela boca de Isabel, proclamou Maria a “Mãe do Senhor”, com sentido direto e literal de Mãe de Deus (Lc 1,43). Que mais seria preciso dizer? A qual Profeta ou Apóstolo foi jamais concedida tamanha honra e dignidade entre as criaturas de Deus?

1.3. A documentação histórica comprova a Tradição

Nas Sagradas Escrituras, São Paulo Apóstolo exorta com vivacidade:

“Portanto, irmãos, permanecei firmes e guardai as tradições que vos ensinamos, oralmente (Tradição oral) ou por escrito (Epístolas = Bíblia Sagrada).”
(2Ts 2,15)

Mais adiante, no mesmo livro, novamente o texto sagrado confirma a mesma verdade de fé:

“Em Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, apartai-vos de todo irmão que não anda segundo a Tradição que de nós recebeu.”(2Ts 3,6)

Como se vê, a própria Bíblia Sagrada equipara o ensinamento oral ao escrito. Parece mesmo antepô-lo, já que o Apóstolo cita primeiro o valor da Tradição e faz questão de advertir que aquele que não a observa deve ser evitado. Recomenda fidelidade integral a ambos. Por conseguinte, para que algo pertença ao Depósito da Fé revelada, não é necessário que tenha passado explicitamente para as páginas da Bíblia Sagrada.

Semelhante afirmação se encontra sob a pena de diversos antigos autores cristãos. Assim ensina São João Crisóstomo (+407), ao comentar o trecho paulino citado atrás:

“Por conseguinte, é claro que os Apóstolos não nos entregaram tudo por via da Escritura, mas muitas proposições ficaram fora desta, merecendo igualmente a nossa fé. Por isto devemos considerar digna de fé a Tradição da Igreja. É Tradição; não queiras pesquisar ulteriormente.” (In II Thes h. 4 n.2)

Com a sua frase final, o santo Doutor diz que o ensinamento transmitido de viva voz desde os tempos dos Apóstolos tem autoridade por si mesmo, dispensando-nos de procurar por outro fundamento.

São Basílio (+379), por sua vez, professa:

“Dentre os dogmas conservados na Igreja, recebemos alguns por via de ensinamento escrito; outros foram a nós transmitidos pelo mistério da Tradição apostólica. Uns e outros gozam da mesma autoridade para serem por nós venerados” (De Spiritu Sancto 27,66).

1.4. Os dogmas não são “inventados”, mas confirmados

À luz do que foi exposto, verifica-se que uma “definição de dogma” (tal como a de Pio XII em relação à Assunção corporal de Maria) não significa a “criação de um novo dogma”: não se criam novos dogmas, pois a Revelação se encerrou com a morte do último Apóstolo. Uma definição dogmática vem a ser apenas a afirmação solene e extraordinária de alguma proposição já contida no Depósito da Fé professada por toda a Cristandade.

O motivo pelo qual o Magistério da Igreja, de quando em quando (sem plano preconcebido), procede a uma definição solene, é geralmente um surto de erro ou controvérsias em torno de algum ponto dogmático. A fim de remover mais eficazmente o perigo de deturpação da fé, a Santa Igreja afirma então, de maneira extraordinária, pela voz de seu Cabeça visível ou de um concilio ecumênico, a sentença da verdade; tal intervenção, porém, constitui sempre regime de exceção.

Isto se deu também no caso da definição da Assunção corporal de Maria, que já era objeto da fé comum dos cristãos. Em 1950, foi apenas definida solenemente, a fim de lembrar ao mundo o destino transcendente e o valor religioso do corpo humano numa época em que este é vilipendiado pela imoralidade dos costumes e pelas armas de guerra[2].

Em conclusão, verifica-se que a definição proferida por Pio XII em 1950 não foi algo de decisivo na história do dogma da Assunção, pois este já era comumente professado pelo povo de Deus. Para que fosse legitimamente professado, vê-se que não é necessário haja sido explicitamente consignado na Sagrada Escritura, mas basta que seja Tradição de origem apostólica.

É na base destes princípios que se coloca e resolve a questão dos fundamentos revelados do dogma da exaltação de Maria aos Céus. Qualquer outra posição do problema é falsa, pois não leva em conta os trâmites pelos quais Deus houve por bem revelar-se aos homens (fê-lo essencialmente por via oral, embora acidental e parcialmente também por via escrita).

Sendo assim, indagaremos abaixo em que sentido se pode falar da origem apostólica da Tradição referente à Assunção de Maria. A seguir, procuraremos averiguar o que as Sagradas

Escrituras afirmam em consonância com tal Tradição.

2. A Tradição dos escritores cristãos

2.1. Não há uma série de textos assuncionistas que retroceda de época em época até a era apostólica; os quatro primeiros séculos pouca coisa oferecem que mereça consideração neste particular. Sendo assim, de tal período destacaremos apenas o seguinte testemunho de Sto. Epifânio (+403), bispo de Cipro:

“Sondem as Escrituras. Nelas não encontrarão o relato da morte de Maria, nem a resposta às questões ‘se ela morreu ou não morreu’, ‘se ela foi sepultada ou não’… A Escritura guardou a respeito do fim de Maria um silêncio completo por causa da magnitude do prodígio, a fim de não provocar excessiva surpresa no espírito dos homens. Quanto a mim, não ouso falar desse prodígio; guardo-o em minha mente, e calo-me. Não digo que Maria tenha permanecido imortal, mas também não afirmo haja morrido.

Se a Virgem santíssima morreu e foi sepultada, seu desenlace foi glorioso; a morte a encontrou pura, coroada pela virgindade. Se lhe tiraram violentamente a vida, em complemento ao que está escrito: ‘Uma espada traspassará a tua alma’ (Lc 2,35), ela refulge entre os mártires, e seu corpo santo é proclamado bem-aventurado. Por ela, com efeito, a Luz se levantou sobre as trevas do mundo. Também pode ter ela permanecido em vida, pois a Deus nada é impossível. Na verdade, ninguém sabe qual foi o fim da vida terrestre da Virgem» (Haer. 78. 11. 24).”

Este texto não deixa de ser significativo: atesta como entre os cristãos do séc. IV três opiniões eram professadas com referência ao fim de Maria: morte natural, martírio ou preservação da morte. O próprio Sto. Epifânio não ousava afirmar que a Mãe de Deus houvesse morrido, muito menos que houvesse conhecido a corrupção do sepulcro. Este santo bispo, que conhecia bem a Palestina e a Cidade Santa, não conseguira colher notícia certa sobre a morte e o lugar de sepultamento da Virgem Santíssima, e isto já no quarto quinto. Poucos anos após a produção deste documento, porém, – por volta do ano 550, – começou-se a apontar o local do túmulo de Maria em Jerusalém.

2.2. Concílio de Éfeso

Em 431, na cidade de Éfeso (Ásia Menor), realizou-se o 3o Concílio Ecumênico, o qual, para incutir que em Cristo só havia uma Pessoa (a Pessoa Divina), declarou ser Maria Santíssima a Theotokos (Mãe de Deus).

O concilio de Éfeso suscitou considerável incremento à linha mariana da Teologia e do culto à Santa Mãe de Deus. Daí por diante, no Oriente e no Ocidente foram-se multiplicando os testemunhos de escritores cristãos e a Liturgia a respeito da exaltação de Maria aos Céus. Esta, sem grande demora, veio a ser comumente professada pela Cristandade.

2.3. Explicitação da doutrina imutável

Note-se agora um fato importante: os bispos e fiéis, ao afirmarem após o Concilio de Éfeso o dogma da Assunção, procuravam justificá-lo, ou seja, baseá-lo sobre certos princípios dogmáticos. Ora, quem analisa esses princípios verifica que já eram reconhecidos pela Igreja antiga, de tal modo que a proposição da Assunção se apresenta qual mera explicitação de um depósito doutrinário sempre possuído pelos cristãos: a profissão de fé na Assunção não vem a ser mais que uma das facetas do desenvolvimento de um “embrião”, ou daquele grão de mostarda com o qual Cristo compara o santo Evangelho (cf. Mt 13, 31s).

Em outros termos, diremos: afirmando outras proposições de fé, os cristãos dos primeiros séculos já afirmavam implicitamente a exaltação corporal de Maria Santíssima aos Céus. E quais seriam esses princípios básicos para a Teologia da Assunção? Podem-se reduzir aos três seguintes:

A) O principio da restauração. Maria e Eva se contrapõem na história sagrada: aquela restaura o que esta perdeu. Eva, pelo pecado, acarretou a morte para o gênero humano; Maria, por conseguinte, deve ter obtido (por Dom de Cristo) a vitória sobre a morte que se caracteriza por reduzir o corpo à poeira (cf. Gên 3,19);

B) O principio da Maternidade Divina. Maria e Jesus, na qualidade de Mãe e Filho, possuíam uma só carne, até porque não houve participação de homem na Concepção de Nosso Senhor. Não convinha, portanto, que a carne de Maria sofresse a dissolução no seio da terra, da qual fora isenta a carne do próprio Filho de Deus. Além disto, a comunhão entre Maria e Jesus era tão íntima que convinha concedesse Cristo à sua mãe a Redenção consumada antes de a dar às demais criaturas. Ora, a Redenção consumada implica a restauração do próprio corpo humano;

C) O principio da virgindade milagrosa. A virgindade, conforme os antigos, significa vitória sobre a corrupção da carne; vitória que no seu grau perfeito exclui a própria deterioração do corpo no sepulcro.

Os três princípios acima já eram formalmente enunciados pelos escritores e teólogos dos quatro primeiros séculos. Assim, no séc. II, por S. Justino (+165, aproximadamente) e Sto. Ireneu (+202, aproximadamente); no séc. III, por Tertuliano (+ depois de 220), Orígenes (+253/4), S. Gregório Taumaturgo (+270, aprox.); nos séc. IV e V, por Sto. Ambrósio (+397), Sto. Epifânio (+403), S. Jerônimo (+420), Sto. Agostinho (+430).

Esta observação, – insistimos, – permite concluir que o dogma da Assunção, em seus fundamentos, sempre pertenceu ao depósito da Revelação.

2.4. Definição solene

Aconteceu que em meados do séc. XVIII os fiéis começaram a pedir à Santa Sé a definição solene desta verdade de fé. O primeiro a fazê-lo foi Pe. Shguanin (+1769), servita. As petições se foram tornando cada vez mais numerosas e significativas, até que Pio XII, atendendo aos desejos de 113 Cardeais, 2523 Patriarcas, Arcebispos e Bispos, 82000 sacerdotes e religiosos e de mais de oito milhões de fiéis, resolveu, a 1º de maio de 1946, escrever a todos os bispos uma carta circular em que lhes pedia o parecer sobre a “definibilidade” (possibilidade teológica de se definir) da Assunção de Maria. Finalmente, diante dos votos favoráveis da hierarquia e dos fiéis, após minuciosos estudos de história do dogma empreendidos por teólogos do mundo inteiro, e principalmente após haver invocado a assistência do Espírito Santo, Pio XII houve por bem declarar solenemente que pertence ao Depósito da Fé cristã o fato de que a Virgem Santa, “ao terminar o currículo desta vida, foi em corpo e alma elevada à glória celeste”.

Postal antigo da proclamação do Dogma (reprodução da internet)

É, em última análise, a voz do Magistério (ordinário e extraordinário) da Igreja que funda a certeza do dogma da Assunção ou que garante a autenticidade da Tradição oral referente a este assunto. O Espírito Santo é a alma do Corpo Místico de Cristo ou da Santa Igreja; não permitiria que esta se enganasse unanimemente durante quinze séculos, professando a exaltação final de Maria, nem terá deixado que, confirmando tão antigo e respeitável testemunho do povo cristão, o Santo Padre Papa Pio XII tenha ensinado e imposto à fé da Cristandade uma proposição errônea.

Cristo não teria enviado o Espírito Santo sobre os Apóstolos nem lhes teria prometido a sua própria Assistência até o fim dos séculos (cf. Mt 28,20) se não fosse justamente a fim de que a hierarquia da Igreja soubesse devidamente discernir verdade e erro nas afirmações sucessivas do povo cristão através da História.

É, portanto, a voz oficial da Igreja, depositária do ensinamento oral de Cristo e dos Apóstolos, que o dogma da Assunção de Maria supra a sobriedade da Revelação escrita.

Por fim e não obstante, torna-se oportuno averiguar até que ponto o fato da exaltação corporal da Mãe do Senhor possa estar insinuado pela Escritura.

3. O testemunho bíblico

Os textos da Bíblia, interpretados unicamente segundo os critérios da linguística, não sugeririam conclusão segura a respeito da exaltação de Maria aos Céus. Guiado, porém, pela fé na Revelação total (a qual é expressa pelo Magistério da Igreja), o leitor autenticamente cristão pode descobrir na Sagrada Escritura os germens desse dogma, os quais ele de outro modo talvez não percebesse.

Segue a análise das quatro passagens bíblicas que mais costumam ser explanadas no tratado da Assunção: Gen 3,15; Lc 1,28; 1 Cor 15,20-23 e Apc 12,1s.

A) Gn 3,15: Disse o Senhor Deus à Serpente, após o pecado de Adão e Eva:

“Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar.”

No sentido pleno, a descendência da mulher aqui mencionada é o Redentor, Jesus Cristo, o único dentre os filhos de mulher que obteve perfeita vitória sobre o demônio (em Cristo, aliás, todo o gênero humano se achava recapitulado, como em um novo Adão). Por conseguinte, a mulher referida em Gênesis 3 vem a ser, no sentido pleno, Maria Santíssima, a mãe do Redentor (também Maria, na qualidade de nova Eva, – por ter sido a ‘Porta do Céu’, pela qual vem Deus ao mundo em corpo, alma e divindade, – recapitulava em si toda a humanidade).

Pois bem; o texto promete ao Redentor e à mulher a vitória sobre a serpente, isto é, sobre o demônio. O triunfo sobre o Maligno compreende, de acordo com a doutrina de São Paulo (Rom 4,25; 5,12-21; 6,23; 8,19-23; 1 Cor 15,3.24s.54s), a vitória sobre o pecado e suas consequências, entre as quais está a morte. Por conseguinte, se Maria, por Desígnio da Providência, teve que passar pela morte, seu corpo terá permanecido isento da corrupção do sepulcro, pois esta nunca é honrosa e fecunda (ao passo que a morte é por vezes honrosa e fecunda).

O corpo virginal de Maria, do qual o Redentor tomou carne e sangue, não haverá sido presa dos vermes da terra como se fosse “carne de pecado” (Rm 8,3). Se Maria morreu, deve ter ressuscitado após breve intervalo, e sua ressurreição terá sido logicamente coroada pela exaltação, em alma e corpo, aos Céus. – É este o texto bíblico mais importante para o dogma da Assunção.

B) Lc 1,28: “Ave, cheia de Graça, o Senhor é contigo, bendita és entre as mulheres”, diz o anjo a Maria no momento da Anunciação.

Maria é dita pelo emissário celeste “cheia de Graça”, como se este título fora o seu próprio nome. A Graça de Deus Todo-Poderoso, por conseguinte, encheu-a sem limitação. Isto, entre outras coisas, quer dizer: encheu-a desde o primeiro instante da sua existência, fazendo-a imune de qualquer pecado e, por conseguinte, imune do domínio da morte, já que a morte domina os homens em consequência do pecado. Deste modo a Virgem Imaculada deve ter sido vitoriosa sobre a morte no fim de sua vida terrestre.

C) 1 Cor 16,20-23: “Eis que Cristo ressuscitou dentre os mortos, primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte, e é por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão, mas cada um em sua ordem: Cristo como primícias; depois os que forem de Cristo, por ocasião de sua vinda.”
São Paulo, no texto acima, recorrendo a uma imagem agrícola, distingue duas categorias de justos que ressuscitam: as primícias (Cristo, já ressuscitado) e o restante da messe (os cristãos, que ressurgirão no fim dos tempos). Cristo constitui as “primícias” porque é principio da vida nova (em oposição a Adão, que foi principio de morte). Algo de análogo se pode dizer de Maria, pois a Virgem Santíssima por graça de Cristo se tornou, ao seu modo, principio de vida (em oposição a Eva, a qual foi principio de morte para todo o gênero humano). Por conseguinte, à semelhança de Cristo, também Maria deve ter ressuscitado ou vencido plenamente a morte antes dos demais justos.

D) Ap 12,1s: “Grande sinal apareceu no céu: uma mulher revestida do sol, tendo a lua debaixo dos pés, e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava de dores, sentindo as angústias do parto.”

Essa mulher dá à luz um Filho que é o Messias. (pois São João lhe aplica os dizeres do Salmo 2, messiânico). Tal figura feminina, por conseguinte, há de ser Maria, a qual é Mãe do Cristo físico e do Cristo Místico (ou dos membros de Cristo reunidos na Igreja), ainda que possa representar, também e simultaneamente, a Igreja. Qual Mãe do Cristo físico, Ela está no Céu, fisicamente em corpo e alma, como sugere o versículo 1.

Qual mãe do Cristo Místico, porém, ela está misticamente sobre a Terra, sofrendo a hostilidade do demônio. Tal foi a interpretação dada a este texto pelo Santo Padre Pio X na sua encíclica “Ad Diem Illum“; trata-se de opinião particular, que não se apoia em exegese muito rígida do texto sagrado.

 

 

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[1]. Cf. revista “Pergunte e Responderemos” 7/1958, q. 2
[2]. Cf. revista “Pergunte e Responderemos” 23/1959, q. 4

 

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Ref. bibliográfica:
BETTENCOURT. Estevão. Rio de Janeiro: Mosteiro de São Bento, Pergunte e Responderemos n.35, 11/1960.

Nota da Fonte: Adaptado do artigo “A Assunção de Maria aos Céus”, por Dom Estevão Bettencourt – a reprodução deste artigo é livre.

 

 

(Fonte: site O Fiel Católico – alguns destaques acrescidos)

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