Santo do Dia

17 DE JANEIRO – DIA DE SANTO ANTÔNIO OU ANTÃO, ABADE

PATRIARCA DOS CENOBITAS

17 DE JANEIRO – DIA DE SANTO ANTÔNIO OU ANTÃO, ABADE

PATRIARCA DOS CENOBITAS

Por volta do tempo em que Paulo, primeiro ermitão, abandonou a família, nasceu em Como, perto de Heracláia, no alto Egito, em 251, outro jovem, cuja vida foi descrita por um dos maiores gênios que jamais viveram, Santo Atanásio. Chamava-se Antônio. Seus pais, egípcios de origem, eram nobres e ricos; cristãos, criaram-no cristãmente e debaixo dos olhos, de tal modo que o menino conhecia apenas a eles e à família. Adolescente já, contentou-se em saber ler e escrever a língua materna, o egípcio, e não quis aprender a literatura grega, para evitar comunicação com os demais jovens. Tal qual o patriarca Jacó, agradava-lhe a vida tranquila em casa, obedecia ao pai e à mãe, ia com eles à igreja, prestava atenção aos sermões e lhes conservava os frutos no coração. Embora seus pais fossem ricos, jamais os importunava com a exigência de nutrição mais delicada, contentando-se com o que lhe proporcionavam.

Com a morte do pai e da mãe, viu-se sozinho com uma irmãzinha. Tinha dezoito ou vinte anos. Incumbiu-se da irmã e da casa. Não se haviam, contudo, passado seis meses ainda, que, indo, segundo o costume, à igreja, e recolhendo-se espiritualmente, refletia, caminhando, como tinham os apóstolos abandonado tudo para seguir Jesus Cristo, e como aqueles dos quais se fala nos Atos vendiam os bens e levavam o produto aos pés dos Apóstolos, e qual a esperança que lhes está reservada no céu. Com tais pensamentos, entrou na igreja no momento exato em que se lia o evangelho no qual diz o Senhor a um rico: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo quanto tens, dá aos pobres, volta e segue-me, e terás um tesouro no céu.” Antônio considerou enviada por Deus a recordação dos santos, e feita para ele a leitura do Evangelho. Mal saiu da igreja, distribuiu aos vizinhos todos os bens do seu patrimônio; quanto aos móveis, vendeu-os e, obtendo importante quantia, deu-a aos pobres, com exceção de uma parte que entregou à irmã. Estando outra vez na igreja, e ouvindo o Senhor dizer no Evangelho: “Não vos inquieteis com o dia de amanhã”, nada mais esperou; saindo, deu aos pobres o que lhe restava e confiou a irmã a algumas virgens cristãs de seu conhecimento, para que a criassem num partenão ou convento de virgens; depois, diante da casa, abraçou a vida ascética, vigiando-se e mantendo grande temperança. Não havia ainda no Egito mosteiros, numerosos posteriormente, e nenhum monge conhecia ainda o grande deserto, esforçando-se cada um deles por se exercer na vida ascética, sozinho, pouco distante da cidade.

Perto do lugar em que vivia Antônio, vivia um ancião que levava vida solitária desde a mocidade; Antônio, ao vê-lo, sentiu-se tocado de louvável estímulo e começou, primeiramente, a viver também fora da cidade. Contudo, quando lhe falavam do fervor de outro, punha-se a procurá-lo, como abelha diligente, e só voltava depois de havê-lo visto e dele recebido conselhos para progredir no caminho da virtude. De tal modo equilibrou o espírito, que nem sequer pensava mais nos bens dos pais, nem no próximo, absorvendo-se inteiramente na perfeição da vida ascética. Trabalhava com as mãos, sabendo que está escrito: que o que não trabalha não deve comer; e, só conservando o de que precisava para viver, dava o resto aos pobres. Orava constantemente, sabendo que é preciso orar sem cessar. Prestava tamanha atenção ao que lia, que nada ficava perdido, pois a tudo retinha, servindo-lhe de livro a poderosa memória.

Por tal maneira de viver, Antônio fazia-se amado de todos; era sinceramente submisso aos homens de fervor a quem visitava, notando em que virtude se sobressaía cada um deles: o humor agradável de um, a assiduidade na oração do outro; a calma imperturbável deste, a humanidade daquele; as vigílias de um, o amor ao estudo de outro; admirava a paciência destes, os jejuns e as austeridades de outros que só tinham por leito a terra; observava a doçura deste, a longanimidade daquele, a piedade de todos por Jesus Cristo e a caridade entre si. Cheio de todas essas imagens, voltava para a sua solidão, onde, revivendo as virtudes que vira separadas em tantas pessoas, se esforçava por uni-las numa única pessoa. Nunca teve discussão com quem quer que fosse da sua idade, a não ser para não parecer segundo nos exercícios da virtude, e isso mesmo o fazia de modo que não entristecesse ninguém. Todos os amigos do bem da localidade o chamavam amado de Deus, e o saudavam, uns com o nome de filho, outros com o nome de pai.

O inimigo do bem, todavia, não logrando suportar tal zelo num jovem, atacou-o mediante várias tentações. A princípio, colocou-lhe diante dos olhos os bens que deixara, o cuidado de sua irmã, a sua nobreza, o desejo da glória, os prazeres da vida. Por outro lado, figurava-lhe as extremas dificuldades no caminho da virtude: a fraqueza do corpo, a duração da vida e uma espessa nuvem de outros pensamentos. Antônio dissipou-os pela fé e pelas preces constantes, mas o demônio o atacou violentamente por meio de pensamentos e fantasmas impuros, com os quais o torturava dia e noite. Antônio superou-os pela fé, orações, jejuns, pela consideração da nobreza que Jesus Cristo nos legou, da espiritualidade da alma e dos castigos do inferno. Finalmente, o demônio, vencido, apresentou-se-lhe sob o aspecto de menino negro, e disse-lhe: “Enganei muitos, derrubei muitos, mas quando te ataquei me vi sem força. – Quem és, perguntou-lhe Antônio, para assim me falares? Sou eu, retrucou o outro com voz de queixa, sou eu que desperto nos jovens impuras excitações; chamo-me espírito de fornicação. Sou eu que tantas vezes te obceco, e que tu sempre repeles.” Antônio deu graças a Deus, e respondeu: “És bem desprezível; tens o espírito negro, e és fraco como criança. Não me importarei mais contigo, pois o Senhor é o meu auxílio, e saberei desprezar o inimigo.”

Longe de se descuidar, depois dessa primeira vitória, Antônio aumentou a austeridade. De tal modo vigiava, que frequentemente passava a noite inteira, sem dormir. Comia apenas uma vez por dia, após o deitar do sol; às vezes, cada dois dias, e muitas cada quatro. A sua nutrição consistia em pão e sal, além de água. Quanto à carne e ao vinho, já vigorava entre os solitários o costume de abster-se deles. Por leito tinha uma esteira; a maioria das vezes, porém, dormia no chão. Nunca se ungia de azeite, dizia que os solitários deviam propor-se por modelo o profeta Elias.

Estava o Egito repleto de sepulcros de enormes dimensões. Escolheu Antônio um dos mais afastados da cidade, e nele se encerrou, após ter suplicado a um dos amigos que, de tempos em tempos, lhe levasse pão. O demônio, acompanhado de um bando de sequazes, o atacou durante a noite, e de tal modo o espancou que o deixou estendido no chão, sem poder falar e sentindo insuportáveis dores. No dia seguinte, como de costume, o amigo foi levar-lhe pão. Abrindo a porta e vendo Antônio estendido como que morto, levou-o à igreja da cidade onde o estirou por terra. Vários dos parentes e vizinhos, julgando-o morto, sentaram-se-lhe ao lado. Pela meia-noite, despertou Antônio e viu-os todos adormecidos, com exceção do amigo. Fez-lhe sinal que se aproximasse, e rogou-lhe o levasse de volta ao sepulcro, sem despertar ninguém. O amigo cedeu. E Antônio, fechando a porta, continua a viver sozinho no sepulcro. Não podendo suster-se, em virtude das pancadas recebidas, orava deitado e desafiava o demônio. Ouviu, então, tamanho barulho que toda a construção estremeceu; os demônios, como se tivessem aberto as quatro paredes do recinto, compareceram sob o aspecto de medonhas feras: leões, ursos, leopardos, touros, lobos, escorpiões, áspides e outras serpentes, cada um deles dando os seus gritos e atirando-se furiosamente contra o santo. Antônio, embora atingido, continuou firme. Finalmente, erguendo os olhos, viu o teto abrir-se, aparentemente, e um raio de luz atingi-lo. Os demônios sumiram-se, as dores do santo cessaram, e a construção se refez. Disse Antônio: “Onde estáveis, Senhor, e por que não viestes desde o começo? Respondeu uma voz: estava aqui mesmo, mas quis contemplar a tua coragem e, pois, que resististe, sempre te auxiliarei e serás famoso em toda a terra.” Antônio levantou-se para orar, e sentindo mais força que antes, logo ao amanhecer partiu para o deserto. Contava cerca de trinta e cinco anos.

Foi procurar o primeiro mestre, o ancião, e rogou-lhe fosse viver no deserto com ele. O outro desculpou-se, por causa da idade, e pelo fato de não ser aquilo ainda um costume. Antônio partiu para a montanha. Pelo caminho, julgou ver um grande prato de prata. Deteve-se e, olhando para o objeto, disse: “Como veio ter ao deserto este prato? O caminho não é batido, e o prato é demasiadamente grande para ter caído sem que o dono o percebesse. Trata-se de um ardil do demônio; mas tu não diminuirás o ardor que me impele. Pereça contigo a tua prata!” Mal terminou de proferir as palavras, sumiu-se o prato.

Antônio, continuando o caminho, notou de súbito uma grande quantidade de ouro, não imaginaria daquela vez, mas real, ou porque lhe mostrasse o inimigo, ou um anjo, para experimentá-lo. Antônio passou por sobre o ouro como se fora fogo e, sem voltar-se, começou a correr para nem sequer reparar no lugar. Chegou, pois, à montanha onde, tendo encontrado, no lado oriental do Nilo, um velho castelo abandonado havia tempo, e repleto de cobras, parou para lá fixar morada. Imediatamente todos os animais fugiram, como se tivessem sido expulsos; o santo fechou a entrada e fez provisão de pão para seis meses, pois na Tebaida se preparava um de tal espécie que conseguia manter-se um ano inteiro. Havia água no interior da fortaleza. Antônio, ficou sozinho no seu mosteiro, sem sair e sem ver ninguém dos que lá chegavam.

Viveu longamente de tal modo, recebendo somente duas vezes por ano o pão que lhe lançavam de cima do teto. Os amigos que iam visitá-lo, obrigados, pelo fato dele não os deixar entrar, a passar fora dias e noites, ouviam do interior o ruído de pessoas que murmuravam, que faziam algazarra e gritavam em tons doridos: “Retira-te do lugar que nos pertence; que vens fazer na solidão? Não resistirás ao nosso ataque.” Julgaram, a princípio, os amigos que se tratasse de homens que, tendo descido por meio de escadas, discutiam com Antônio; mas, observando por uma fresta, e não vendo ninguém, concluíram que eram demônios e, vencidos pelo terror, chamaram Antônio, que não testemunhava menos caridade por eles do que desdém pelos demônios. Iam continuamente vê-lo e, julgando encontrá-lo morto, ouviam-no, pelo contrário, entoar o salmo: “Erga-se Deus, e dissipem-se os seus inimigos; e os que o odeiam que sumam da sua presença!”

Após ter permanecido encerrado por vinte anos, vários, desejando ardorosamente imitá-lo naquela maneira de vida, e querendo os amigos à viva força abater a entrada, saiu como de um santuário no qual se havia consagrado a Deus sorvendo-lhe o espírito, e mostrou-se pela primeira vez fora do castelo aos que a ele acorriam. Os amigos foram tomados de assombro diante daquele corpo que se mantinha no mesmo estado, não emagrecido por tantos jejuns e tantas lutas contra o demônio; era o mesmo que tinham conhecido antes do retiro. Trazia tranquila a alma, nem abatida pela tristeza, nem dissipada pelo júbilo; não se assustou com ver tamanha multidão, nem se alegrou Com os cumprimentos recebidos; mantinha-se igual em tudo, como que governado pela razão, e firme no seu estado natural. Deus, curando, através dele, vários males, livrava diversos possessos, e dava tamanha graça às suas palavras, que Antônio consolava os aflitos e reconciliava os inimigos, dizendo a todos não haver no mundo coisa preferível ao amor de Jesus Cristo. Persuadiu, assim, várias pessoas a abraçar a vida solitária, o que deu origem aos inúmeros mosteiros estabelecidos nas montanhas, e ao povoamento do deserto pelos monges. Uns ficaram ao seu lado, a oriente do Nilo; outros a ocidente, em direção à cidade de Arsinoe.

A obrigação de visitar os discípulos o levou a atravessar um canal repleto de crocodilos. Antônio pôs-se a orar e passou o leito de água sem que nem ele e nem nenhum dos acompanhantes sofresse o menor dano. De regresso ao mosteiro, continuou os mesmos trabalhos. As suas frequentes exortações aumentavam o fervor dos que já tinham abraçado a vida monástica, e levavam outros a abraçá-la; assim, em virtude do encanto das suas palavras, construíram-se vários mosteiros, que ele governava como pai. Um dia, estando todos os discípulos reunidos em seu redor, dirigiu-lhes a palavra em egípcio, exortando-os a não levar em conta os trabalhos passados e descobrindo-lhes os diversos ardis dos demônios e os meios de vencê-los. Citou-lhes, para tanto, vários fatos a ele próprio sucedidos, entre os quais este:

Um dia, bateram à minha porta. Saindo, notei alguém de elevada estatura. Perguntei-lhe quem era, e o desconhecido respondeu: Sou Satã. Que vens fazer aqui? repliquei-lhe. Disse o demônio: Por que me acusam injustamente os monges e os demais cristãos? Por que me amaldiçoam a todo instante? Respondi-lhe: E tu, por que os molestas? Não sou eu quem os molesta, retrucou, são eles próprios. Tornei-me impotente. Não leram, por acaso: as armas do inimigo foram-se para sempre, vós lhe tiraste as cidades? Com efeito, já não tenho lugar, nem armas, nem cidade. Há cristãos em toda parte; o próprio deserto está cheio de monges. Eles que se acautelem, e me não amaldiçoem sem motivo. – Eu, admirando a graça do Senhor, disse: És sempre mentiroso, e nunca dizes a verdade; contudo, neste instante dizes a verdade, malgrado teu. Cristo tornou-te impotente, demoliu-te, despojou-te. – Mal ouviu o nome do Salvador, desapareceu, não podendo suportar os tormentos do fogo que aquele nome lhe fazia sofrer.”

Concluía Antônio de tais exemplos que era preciso não ter medo de Satã nem dos seus. Os solitários ouviram-no com júbilo e admiração, e sentiram-se animados de nova coragem. Havia grande número deles nas montanhas que passavam a vida a cantar, estudar, jejuar, orar, rejubilar-se na esperança dos bens eternos, a se esforçar para poderem dar esmolas, conservando entre si caridade e união. Tratava-se verdadeiramente de uma região habitada pela piedade e pela justiça. Não havia quem prejudicasse quem quer que fosse, ou fosse por alguém prejudicado; não se ouvia a voz do exator. Todos se sentiam possuídos de um único desejo: progredir na virtude. À vista daqueles mosteiros e monges era possível exclamar de novo: como são belos os vossos tabernáculos, ó Jacó! Como são belas as vossas tenda, ó Israel! Como vales sombreados, como um paraíso no rio, como tendas que o próprio Senhor ergueu (Atan. Vita S. Ant.).

A perseguição de Maximino obrigou Santo Antônio a sair do seu mosteiro. Seguiu até Alexandria os mártires que para lá eram conduzidos de toda parte. Dizia: “Vamos também combater ou ver os combatentes.” Por maior que fosse o seu desejo do martírio, não quis entregar-se por vontade própria; servia os confessores nas minas em que trabalhavam e nas prisões. Cuidava bastante de encorajar perante os tribunais os que a eles eram chamados, e, após terem confessado, acompanhava-os até a execução. O juiz, observando a firmeza de Antônio e dos que ele acompanhava, proibiu que qualquer monge comparecesse nos julgamentos ou se demorassem na cidade. Todos os outros se ocultaram naquele dia, mas Antônio desprezou de tal maneira a ordem, que, no dia seguinte, se postou em lugar elevado, tendo antes muito bem lavado o hábito de cima, branco, para que sobressaísse bastante. Apresentou-se assim ao juiz, ao vê-lo passar com o seu séquito, sofreu muito por lhe não imporem o martírio. Deus o reservava para exemplo comum dos cristãos, e particularmente dos ascetas. Depois da morte de São Pedro de Alexandria, já passado o momento culminante da perseguição, regressou para o seu mosteiro, com a resolução de nunca mais sair e de não deixar entrar ninguém. Não o deixaram, porém, tranquilo.

Um comandante de tropas, chamado Martiniano, cuja alma estava possuída pelo demônio, não deixava um dia sequer de lhe bater à porta, gritando-lhe que fosse orar por ela. Antônio, sem abrir, e olhando por cima, disse-lhe: “Ó homem! Por que vindes gritar a mim? Sou um homem como vós. Se credes, orai a Deus, e sereis ouvido.” O outro acreditou Iogo, orou a Cristo e encontrou a filha curada. Muitos outros doentes foram importunar o santo e igualmente ficaram curados. Temendo sucumbir à vanglória ou ser demasiadamente estimado, quis retirar-se para a alta Tebaida, a fim de lá viver desconhecido. Mas uma voz do alto lhe explicou que ainda haveria trabalhos e que, para encontrar descanso, seria obrigado a rumar para o fundo do deserto. “E quem me mostrará o caminho? perguntou ele.” Imediatamente a voz lhe mostrou alguns sarracenos que para lá se dirigiam; Antônio uniu-se a eles e rogou que lhe permitissem acompanhá-los no deserto. Os sarracenos concordaram.

Tendo caminhado com eles três dias e três noites, chegou a uma elevada montanha, em cujo sopé escorria uma água doce, límpida e fresquíssima; em volta, estendia-se uma planície com algumas palmeiras descuidadas. O santo gostou do lugar e, aceitando alguns pães dos companheiros de viagem, lá ficou sozinho. Os sarracenos tornavam a passar por lá, sempre com prazer lhe levando pão. Antônio recebia também algum alívio das palmeiras. A montanha, chamada Colzim ou monte de Santo Antônio, encontra-se a um dia do Mar Vermelho. Quando os irmãos souberam do paradeiro do amigo, não deixaram de lhe enviar pão. Para lhes poupar o trabalho, rogou que lhes mandassem uma pá e um machado, além de um pouco de trigo. Com isso, lavrou um pedacinho de terra em volta da montanha e, depois de regá-lo, o semeou. Recolheu, assim, todos os anos o bastante para fazer o seu próprio pão, contente por não importunar ninguém; plantou até legumes, para oferecê-los aos que por acaso o visitassem. No princípio, os animais da solidão, habituados a beber da fonte, lhe estragavam a semeadura. Agarrando um deles com doçura, disse a todos: “Por que me causais dano, se eu a vós não causo nenhum? Ide-vos e, em nome do Senhor, nunca mais volteis.” Como que terrorizados pela ordem, os animais desapareceram. Antônio ia envelhecendo; assim, pediram-lhe os irmãos licença para levar-lhe todos os meses azeitonas, legumes e azeite. Em troca, dava-lhes o santo cestos feitos por ele próprio. Ouviam frequentes vezes um grande tumulto de vozes e uma espécie de ruído de armas, e viam, de noite, a montanha cheia de animais ferozes, enquanto o santo estava mergulhado na oração. Antônio enfrentou naquela solidão medonhas tentações.

Um dia, tendo-lhe pedido os monges que descesse da montanha para ir visitá-los, partiu com eles, mandando que pusessem no lombo de um camelo pão e água. Todo aquele deserto é árido, e água potável só se encontra na montanha em que ele vivia. Faltou-lhes o líquido no caminho, em virtude de um extremo calor; procuraram-no por toda parte, até que, finalmente, não podendo mais caminhar, se atiraram ao chão, deixando que o camelo andasse à vontade. O santo ancião, penetrado de dor por vê-los em tão grande perigo, afastou-se um pouco, suspirando, e pôs-se a orar de joelhos e mãos estendidas. Imediatamente fez o Senhor sair água do lugar em que o santo se pusera a orar; todos beberam, encheram os odres, procuraram o camelo, encontram-no amarrado a uma pedra, na qual se havia enrolado, por acaso, a corda. Terminou felizmente a jornada. Antônio em Pisper, foi acolhido como pai, e rejubilou-se por comprovar o fervor dos monges e rever a irmã que envelhecera na virgindade e dirigia outras virgens. Depois de alguns dias, regressou à montanha, aonde muitos o iam procurar, para receberem os seus ensinamentos e a cura das enfermidades.

Entre aqueles visitantes, encontraram-se um dia dois filósofos pagãos. Antônio avançou e, falando-lhes por meio de um intérprete, disse-lhes: “Por que, ó filósofos, vos fatigais tanto em procurar um insensato?” Tendo, eles respondido que não o julgavam insensato, e sim pelo contrário sapientíssimo, replicou-lhes o santo: “Se vindes procurar um insensato, o vosso trabalho é inútil; e se me julgais sábio, tornai-vos como eu. Se eu tivesse ido visitar-vos, vos imitaria; sou cristão.” Os dois retiraram-se assombrados. Outros, crendo rir-se do fato de o santo não ter estudado, disse-lhes: “Que vos parece? Que está em primeiro lugar, o bom-senso ou as letras. Qual deles é a causa do outro? É, responderam, o bom-senso, que é o primeiro e que encontrou as letras. Logo, retrucou Antônio, são dispensáveis as letras para quem tem bom-senso.” Retiraram-se, surpreendidos com a sabedoria daquele ignorante, pois não se tornara selvagem por viver na montanha, mas agradável e civil, possuindo as suas palavras um sal todo divino.

Tendo ido outros filósofos perguntar-lhe o motivo da nossa fé em Cristo e da nossa veneração pela cruz, a fim de se divertirem, apiedou-se Antônio da ignorância deles e, após refletir um instante, disse-lhes, pelo seu intérprete: “Que é mais belo, confessar a cruz ou atribuir adultérios e sodomias aos vossos deuses? O que dizemos é sinal de coragem e prova do desprezo da morte; o que dizeis são paixões de ignomínia. Após desenvolver tais ideias e outras com bastante graça e vigor: “Como, disse, rindo-vos da cruz, não admirais a ressurreição? Pois os que de uma escreveram, da outra falaram. Por que, falando sem cessar da cruz, não proferis palavra nem dos mortos que ressuscitam, nem dos cegos que recobram a vista, nem dos paralíticos e dos leprosos que se curam, nem dos inúmeros outros milagres que nos provam Cristo, não somente o homem, senão também o Deus? Pareceis-me assaz injustos para convosco mesmos, por não terdes lido as nossas Escrituras. Lede-as, e vereis que as coisas realizadas por Cristo demonstram que é Deus, vindo a este mundo para a salvação dos homens. Mas dizei-nos igualmente o que vos diz respeito. Que direis dos animais ferozes, se não são coisas brutais e cruéis? Se me responderdes que se trata de mitos, e que, pelas vossas alegorias, fazeis de Proserpina a terra, de Vulcano o fogo, de Juno o ar, de Apolo o sol, de Diana a lua, de Netuno o mar, nem por isso adorais mais a Deus, nem menos servis a criatura e não o criador. Se vos parece bela a criação, deveis ater-vos à admiração e não à deificação, para não transportardes à obra a honra do obreiro. Que respondeis a isso, para que possamos ver se a cruz é digna de riso?”

Não sabendo os filósofos o que replicar, e voltando de um lado a outro, pôs-se Antônio a sorrir e disse-lhes: “Essas coisas são tão claras que, para delas nos convencermos, basta vê-las. Mas quereis demonstrações. Pois bem! Dizei-me, que é qúe nos dará um conhecimento mais certo de Deus? Uma demonstração por palavras, ou a fé que se demonstra pelas obras dele? Responderam que era semelhante fé. Bem respondeis, disse-lhe o santo; ora, vede agora a diferença: apoiamo-nos sobre a fé em Cristo, e vos apoiais em logomaquias sofísticas. Os vossos ídolos caem por terra, e a nossa fé se estende por toda parte. Com todos os vossos silogismos, não persuadis uma alma a passar do cristianismo ao helenismo; e nós, pregando a fé em Cristo, arruinamos toda a vossa superstição, reconhecendo todos que Cristo é Deus e Filho de Deus. Com todas as vossas artes, não lograis impedir a doutrina de Cristo; e nós, apenas com o nome desse Crucificado, pomos em fuga os demônios, que temeis como deuses; onde quer que se faça o sinal da cruz, perde a magia toda a força, e perde o veneno o seu poder de prejudicar. Dizei-me, eu vos rogo, onde estão agora os vossos oráculos? Onde estão os encantos dos egípcios? Onde estão os espetros dos vossos encantadores? Quando foi que essas coisas cessaram e perderam a força, senão quando a cruz de Cristo apareceu? Será ela, então, digna de riso, ou as coisas que ela elimina e cuja fraqueza patenteia?

Atentai para o que não é menos admirável. Nunca foi a vossa religião perseguida; pelo contrário, os homens a honram em todas as cidades, ao passo que se perseguem os cristãos. E, no entanto, a nossa religião não deixa de crescer e florescer à custa da vossa. Apesar das aclamações dos povos, que lhe servem de parapeito, a vossa religião se vai destruindo, ao passo que a fé e a doutrina de Cristo por vós escarnecidas, e muitas vezes perseguidas pelos reis, encheram o universo. Quando jamais se viu resplender a tal ponto o conhecimento de Deus, a prática da temperança, a virgindade, e o desprezo da morte, senão depois do aparecimento da cruz de Cristo? Ninguém duvidará, se olhar para o número de mártires da Igreja que desprezam a morte por amor a Cristo, das virgens que, por amor a Cristo, conservam intacto o corpo. Eis provas suficientes de que a fé cristã é a única religião verdadeira.

Mas, para que tantas palavras? Eis pessoas torturadas por demônios. Curai-as com os vossos silogismos ou outro meio qualquer, ou até com a magia, invocando, os vossos ídolos. Se o não puderdes, cessai de nos combater, e vereis o poder da cruz de Cristo.” Tendo assim falado, invocou Cristo sobre os possessos, marcou-os com o sinal da cruz duas e três vezes. Imediatamente, os homens se levantaram serenados e gratos. Os filósofos ficaram estupefatos com a sabedoria do ancião e o milagre que acabava de realizar. Disse-lhes ele, então: “Por que vos admirais? Não fomos nós quem o fez, senão Cristo, que faz tais coisas pelos que nele acreditam. Acreditai nele, e vereis.” Os filósofos, saudando-o, retiraram-se confessando que tinham tirado grande proveito daquela visita (Atan. Vita S. Ant.).

Mais tarde os arianos, que perseguiam Santo Atanásio, gabavam-se de que Antônio lhes secundava a opinião. Por ocasião da prece dos bispos e de todos os fiéis, o patriarca dos solitários desceu da montanha e, entrando na cidade de Alexandria, excomungou os arianos, dizendo que era a última heresia, a que precederia o Anticristo. Ensinava ao povo que o Filho de Deus não é uma criatura, não é feito de nada, mas eterno, da substância do pai, seu verbo e sua sabedoria. “Não tenhais, pois, afirmava, comunicação nenhuma com os ímpios arianos, sois cristãos: eles, que dizem que o Filho de Deus é uma criatura, em nada diferem dos pagãos, adorando a criatura em lugar do criador.” O povo se rejubilou ao ouvi-lo anatematizar a heresia; multidões acudiram para vê-lo; os próprios pagãos e os seus sacrificadores iam à igreja, dizendo: desejamos ver o homem de Deus, pois todos assim o chamavam, e, pelas suas preces libertou Deus vários possessos e curou vários alienados. Inúmeros pagãos pediam que ao menos os deixassem tocar o santo ancião, persuadidos que estavam de receber algum proveito; e naqueles poucos dias, fizeram-se mais cristãos do que num ano. Alguns, temendo que a multidão o pudesse importunar, pretendiam afastar todos. Ele dizia-lhes, sem se comover: “Não são em número maior que os demônios contra os quais combatemos na montanha.” De regresso, acompanhado de várias pessoas e do próprio Santo Atanásio, ao chegarem à porta da cidade, uma mulher gritou atrás de Antônio: “Esperai, homem de Deus, minha filha está cruelmente atormentada pelo demônio; esperai, eu vos rogo, para que eu própria não morra de tanto correr.” Pediram ao santo que se detivesse, o que ele fez de boa vontade. A mulher aproximou-se. A filha atirou-se ao chão, e Antônio, após orar e invocar Jesus Cristo, logrou o afastamento do demônio e a cura da jovem.

A mãe abençoava o nome de Deus, todos agradeciam ao Santo, Antônio reencetou o caminho com júbilo, voltando à montanha.

O imperador Constantino escreveu-lhe, com os dois filhos, Constâncio e Constante, tratando-o de pai e pedindo-lhe uma resposta. Antônio, sem se comover ao receber as missivas, chamou os monges e disse-lhes: “Não vos assombreis se um imperador vos escreve, porque não passa de simples homem; assombrai-vos, isso sim, de haver Deus escrito uma lei para os homens, e ter falado a nós por intermédio de seu próprio Filho.” Nem quis receber as missivas, dizendo que não saberia responder a elas. Os monges, explicando-lhe que os imperadores eram cristãos, e que poderiam escandalizar-se de tamanho desprezo, permitiu Antônio lhe fossem lidas as missivas e deu as respostas, oferecendo salutares conselhos aos imperadores, que não atribuíssem grande importância às coisas presentes, e pensassem, antes, no juízo futuro, que considerassem ser Jesus Cristo o único rei verdadeiro e eterno e, finalmente, rogando-lhes fossem humanos e cuidassem da justiça e dos pobres.

Contava Antônio noventa anos de idade, quando Deus lhe fez conhecer São Paulo, primeiro ermitão, na maneira que vimos na vida deste último, no décimo-quinto dia deste mês. Outro ponto de grande consolo para Santo Antônio eram as novas que recebia, de vez em quando, de Santo Hilário, seu discípulo na Palestina. Escrevia-lhe e recebia com júbilo as suas cartas. E quando iam visitá-lo doentes do lado da Síria: “Por que, dizia, vos cansastes em vir tão longe, se está perto de vós meu filho Hilário?”

Morreu Antônio em 17 de janeiro de 356, com cento e cinco anos, tão fervoroso, tão exato e, ao mesmo tempo, tão são como na juventude. segundo as suas ordens, dois dos discípulos o enterraram em lugar só deles conhecido. Receava Antônio que lhe embalsamassem o corpo e o guardassem nas casas, de acordo com o velho uso do Egito. Ao morrer, Iegou uma das peles de ovelha a Santo Atanásio, a outra a Serapião, bispo de Tmuis e o cilício aos dois discípulos. Foram estas as suas últimas palavras: “Adeus, meus filhos, Antônio vai-se. Não estará mais convosco.” Alguns meses antes, fora, segundo o costume, ver os monges que viviam na montanha exterior, e dissera-lhes:

É a minha derradeira visita, e muito me engano se nos tornamos a ver nesta vida. É tempo de partir, visto que já tenho cento e cinco anos.” A essas palavras, desataram os monges a chorar e abraçaram o santo ancião, que lhes falava com alegria, como se estivesse abandonando um país estrangeiro para regressar à pátria. Santo Antônio exortou-os a não desanimar nos penosos exercícios, e a viver como se tivessem para morrer a qualquer instante. Recomendou-lhes também que se afastassem dos arianos. “E não vos perturbeis, acrescentou, por verdes à testa deles os juízes; esse poder mortal e imaginário não tardará em passar”.

(Fonte: in, Vida dos Santos, Editora das Américas, Vol. I, Padre Rohrbacher, 1959, pp. 414-433 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)

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