19 DE MARÇO – FESTA DE SÃO JOSÉ, ESPOSO DA VIRGEM MARIA
O SANTO ÚNICO EM SEU OFICIO
São José é um santo único em seu ofício, como é único nos privilégios, com que Deus o enriqueceu.
É o Esposo Virgem da Virgem santa.
É o pai adotivo do Menino Jesus.
É o representante do Padre Eterno.
Quantas glórias condensadas nestes títulos! O Evangelho resume toda a grandeza de José, dizendo que era um homem justo.
Sim, era justo, o mais justo dos homens, como convém a sua dignidade; mas nesta própria dignidade, José não é como os demais Santos: é uma luz que brilha, é uma sombra que suaviza, que esconde o que os olhos humanos não devem ver e que o demônio deve ignorar.
Sob este respeito, a vida de São José é mais que admirável, é a ação de Deus na vida de Jesus.
Estudemos hoje esta ação do Santo Patriarca, não nas virtudes, que o distinguiram. mas em seu ofício inefável:
I – de sombra, que esconde os grandes mistérios.
II – de véu, que desnorteia o inferno.
I – A SOMBRA DIVINA
São José é um santo quase desconhecido.
Durante trinta anos viveu perto, o mais perto possível de Jesus e de Maria, em relações tais, que nada se pode comparar a essa intimidade. Por isto, ele é aos olhos de Deus e dos santos, não somente o maior dos homens, porém, o maior, o mais amante e o mais amável dos santos. E o mundo nem sequer suspeitou estas grandezas enquanto ele estava na terra. No Evangelho há somente uns traços, ou melhor, umas linhas de esboço sobre o papel de S. José e suas excelsas afinidades.
Os demais santos tiveram por missão ser a fragrância de Jesus Cristo, e de fazer resplandecer o seu nome até às extremidades da terra. São José é um santo todo especial, predestinado para um ministério completamente oposto. Cabe a ele esconder a glória do Salvador até ao tempo de sua manifestação, mitigar os seus reflexos luminosos.
Para compreender esta função augusta do humilde José, e ter a ideia exata da grandeza, a que o eleva este papel, é preciso considerar a economia do mistério da Encarnação.
Representai-vos um grande quadro, no qual estejam pintados o Padre, seu Filho único, o Espírito Santo e a Santíssima Virgem, todos quatro resplandecentes de tanta glória e de tantas luzes quantos prodígios operam neste mundo. Mas ao invés do que aconteceu num quadro material, em que a sombra tem sempre por fim realçar as figuras, ou pô-las em relevo, aqui, ao contrário, é preciso uma sombra para temperar e mitigar o demasiado esplendor, a fim de não ofuscar ou cegar os olhos mortais.
E São José tem uma tal virtude de obscuridade que basta para velar a todos, até ao tempo em que Deus quiser manifestá-los.
Vejamos, nos pormenores, esta ação singular de São José.
A Santíssima Virgem, de fato, está como escondida na sombra de São José. Sua virgindade, sua maternidade divina estão como envolvidas no véu de seu casamento com ele.
O Espírito Santo, igualmente, está escondido debaixo da mesma sombra; pois o que nasceu de Maria, diz o Evangelho, é obra do Espírito Santo: Essa obra prima, sua glória, cujos raios divinos o humilde esposo de Maria apaga.
Mas como explicar a penumbra, em que o próprio Jesus fica envolvido?
O Menino Deus fica sepultado nesta obscuridade de modo a passar como filho do Carpinteiro. “Nonne hic est faber et fabri filius?”
Que véu para temperar o esplendor da divindade na pessoa de Jesus!
Enfim, Deus Pai fica escondido por São José, ao ponto de precisar, pode-se dizer, reivindicar ele mesmo seu Filho, no dia do Batismo, por esta palavra celestial: “Tu és meu Filho muito amado em quem pus todas as minhas complacências” (Lucas III, 22).
Tal é o papel único de S. José: papel obscuro, mas tanto mais sublime quanto mais obscuro é.
Sem contradição, é um prodígio maior ver a glória de Deus velada, do que vê-la resplandecente de majestade. Deste modo, a onipotência de Deus mostrou-se num sentido mais maravilhoso na pessoa de São José, de quem ele se serviu como de um véu, para esconder a sua glória, do que em todos os demais santos, de quem se serviu para manifestá-la. Segue-se daí que é preciso honrar este grande santo “como estas trevas augustas” de que fala a Santa Escritura, debaixo das quais a Majestade de Deus quis se esconder no antigo Testamento.
Posuit tenebras latibulum suurn (Salmo XVII, 12 ).
Mas, semelhante às nuvens, das quais o sol só ilumina a parte que não enxergamos, e que são tanto mais luminosas, do lado do céu, quanto mais escuras do lado da terra, assim a glória de José resplandece aos olhos de Deus e dos anjos, em razão de sua obscuridade aos olhos dos mortais.
São José possui glórias inefáveis, quer como esposo de Maria, quer como pai espiritual e legal de Jesus, mas a nossos olhos, nenhuma glória prevalece a esta de ter sido a sombra dos mais adoráveis mistérios de nossa santa religião.
Sob este aspecto, compreende-se melhor o papel de São José e as suas relações íntimas com o céu, com Jesus e Maria. Ele é o chefe da Sagrada Família, para conduzi-la e mantê-la, mas, ao mesmo tempo, é a sombra que Deus lança sobre estes inefáveis e resplandecentes mistérios, para mitigar o seu brilho aos olhos do mundo, permitindo a Jesus e a Maria realizarem a sua grande missão, de Redentor, de Corredentora, sem que a ação deles se manifeste antes do mistério da cruz.
II – O VÉU DIVINO
São José e a Cruz! Duas coisas tão diversas, entretanto tão unidas!
Deus serviu-se de São José para esconder a vinda do Redentor, e serviu-se da Cruz para fazê-lo triunfar. Há na obra da Redenção uma particularidade, que não se nota bastante: é o papel da SS. Virgem na obra da redenção, que se pode chamar: a desforra.
Esta desforra não é senão uma espécie de véu, que Deus estende, para esconder o mistério da Redenção e preparar, em segredo, o triunfo de Jesus Cristo na cruz.
O inferno não pôde deixar de estar inquieto na ocasião do nascimento da Virgem. Qual era esta criatura que escapava, desde a conceição, à marca da dominação diabólica? Não seria a Virgem anunciada pelos profetas?
A serpente astuta fica à espera, vigiando suspeitosa …
Mas Deus frusta seu ardil e suas dúvidas. Ele escolhe a São José, para ser o esposo desta Virgem tão temível. Não, não, exclama então Satanás, não é desta que há de nascer o Redentor, ela é a esposa do carpinteiro José, de um homem sem valor, sem glória, sem fortuna, nem prestígio!
Jesus acaba de nascer.
Os Anjos entoam seu cântico.
Satanás espia.
Não será este o Messias?
Mas José entra na gruta, e quando o Menino estende para o pobre carpinteiro seus bracinhos inocentes e lhe dá o nome de pai, o maldito fica convencido …
Não! não, exclama ele, não é este o Filho da Virgem, é filho do carpinteiro.
Jesus cresce em idade e sabedoria, aos doze anos confunde os Doutores e os sábios de Jerusalém. O demônio pergunta, de novo, de si para si: Mas, de onde veio esta criança com tanta sabedoria, piedade, tanto senso sobrenatural?
Breve ele sossega. Maria e São José vêm procurar o menino no templo e sua mãe lhe diz publicamente : “Meu Filho, teu pai e eu te procurávamos inquietos” – E o povo, admirado, faz esta pergunta : “Não é ele o filho do carpinteiro”?
Não, não, exclama Satanás satisfeito, este filho de Maria não é para se temer, deixemo-lo em paz na obscura oficina.
Deste modo, o inferno ficou enganado. Quando o extraordinário excita sua desconfiança, São José intervém, e lança sobre os acontecimentos o véu de sua obscuridade.
Todas as suspeitas do inferno são desbaratadas, até o dia, em que fazendo resplandecer a sua força, o Redentor exclama, dirigindo-se ao mundo na pessoa de São João: “Ecce Mater tua.”
Eis aqui a vossa Mãe! Isto é, a Virgem, a eterna inimiga do inferno, a Mãe dos vivos!
Neste momento, Aquela que o demônio julgava simplesmente uma mulher piedosa, a viúva do carpinteiro, adianta-se até à cruz, coloca seu pé triunfante sobre a cabeça da serpente, ao mesmo tempo que seu Filho, moribundo, lança à terra este grito: – “Tudo está consumado!”
Neste momento, Lúcifer perturbado, sob a pressão do pé da Imaculada, esforça-se em vão para morder-lhe o calcanhar. Debalde torce-se o monstro, dobra-se sobre si mesmo o pé virginal torna-se cada vez mais pesado, mais esmagador.
Horror e confusão! Estamos vencidos! Brada o inferno inteiro. A viúva do Carpinteiro triunfou sobre todos nós Ela é a Virgem anunciada, e o seu Filho é o Filho de Deus!
Tal é a divina estratégia de Deus, e a parte augusta que nela cabe a São José.
III – CONCLUSÃO
Que Apóstolo vibrante e convencedor teria sido São José! Quem melhor que ele podia falar de Jesus e de Maria, podia transmitir ao mundo as belezas, os encantos do Redentor e da divina Corredentora? E, entretanto, nada, nem uma palavra, nem um gesto que nos deixe, ao menos, entrever os pensamentos e a admiração do Santo Patriarca! Nada porque José era predestinado, não a ser o luzeiro e o Apóstolo do Verbo Encarnado, mas sim o véu e a sombra dos divinos mistérios, operados em redor dele e debaixo de sua direção.
São José foi, deste modo, o digno chefe da Sagrada Família; foi digno esposo de Maria; foi digno Pai espiritual de Jesus; São José foi tudo isso!
Foi mais! Foi o véu que Deus estendeu sobre o Filho único: debaixo do qual quis esconder a beleza ideal e a virgindade sem sombra da Mãe de Deus.
Ó José! como teu papel é pouco compreendido! Tu és, verdadeiramente, o santo desconhecido! Possas tu, ao menos, ser apreciado e querido, conforme o mereces, pelas almas, que desejam amar e servir a Jesus!
(Fonte: in, O Evangelho das Festas Litúrgicas e Dos Santos Mais Populares, Pe. Júlio Maria Lombaerd, Editora O Lutador, 2ª edição/1952 25ª Instrução, pp. 125-130 – Texto revisto e atualizado)