20 DE AGOSTO – DIA DE SÃO BERNARDO DE CLARAVAL. CONFESSOR, ABADE E DOUTOR DA IGREJA (1091-1153)
Havia quinze anos que o mosteiro de Cister tinha sido fundado; o fervor dos monges não tinha deixado de aumentar, mas seu número não crescia. O primeiro abade, São Roberto, morrera; o segundo, o bem-aventurado Alberico, morrera também e o terceiro, Santo Estêvão, ainda vivia. Tinha ainda aumentado a austeridade da regra mas o número de religiosos não aumentava; ao contrário, a morte acabava de lhe levar vários outros. Todos admiravam o fervor da comunidade, mas ninguém ousava apresentar-se. Ele temia vê-la extinguir-se, quando em 1113 trinta noviços se prostraram de repente à sua porta, pedindo para serem admitidos. Eram trinta senhores, a maior parte jovens ainda, que renunciavam às famílias, aos bens, a todas as esperanças do mundo para vir sepultar-se na humildade do claustro.
São Bernardo, estava à frente; ele somente tinha conquistado todos. Havia seis meses aquela santa colônia se preparava para se dar assim a Deus. Bernardo, de ilustre origem, de espírito ainda mais distinto que o nascimento, tornando-se noviço, só pensou em morrer para o mundo e para si mesmo. Bernardo, Bernardo, perguntava ele a si mesmo, por que vieste? Sua alma estava de tal modo absorta em Deus, que parecia não perceber o que se passava em torno de si. No fim de um ano, não sabia como era o forro do dormitório, nem se, numa das extremidades da igreja, havia uma só janela ou três. Seu fervor era admirável em todos os exercícios, mas sobretudo no cumprimento das coisas mais comuns. Quando os outros trabalhavam em algo que ele não sabia fazer, compensava-o, cavando a terra, cortando lenha, carregando fardos nas costas. Durante a ceifa o superior tinha-lhe ordenado sentar-se e repousar, por ser muito fraco e pouco hábil; ficou muito aflito e rogou a Deus, com lágrimas, lhe concedesse a graça de ceifar com os companheiros. Obteve imediatamente o que pedira e felicitou-se depois, com um santo júbilo, por ser mais hábil que os outros naquele ofício. O trabalho exterior não lhe interrompia a oração interior, a união e as conversas com Deus.
São Bernardo, rogai por nós, rogai por mim. Vós convertestes tantos outros, convertei-me também. Obtende-me de ser noviço como vós. Obtende-me de ser pelo menos professo como vós fostes noviço. Obtende-me uma parte de vosso espírito de humildade, de obediência, de mortificação. Ó minha alma, façamos pelo menos hoje, como se fossemos São Bernardo.
São Bernardo era o terceiro filho de uma Piedosa mãe que teve sete, seis meninos e uma menina. Desde o nascimento ela os oferecia a Deus e os educava ela mesma, na piedade, com o cuidado mais terno. Bernardo perdeu-a na idade de dezenove anos. Havia terminado os estudos. Apareceu então no mundo, com qualidades próprias para conquistar todos os corações. Percebeu logo os perigos que sua inocência corria. Falsos amigos procuravam levá-lo a divertimentos profanos. Tendo chegado um dia a fixar os olhos sobre uma mulher, por curiosidade, castigou-se imediatamente, mergulhando até o pescoço num tanque gelado, para evitar todos esses perigos, tomou a resolução de abraçar o instituto dos monges de Cister. Seus irmãos opuseram-se-lhe, a princípio; mas ele falou-lhes tão bem, que seguiram todos seu exemplo. No dia marcado para a partida, foram pedir a bênção ao pai. Deixavam com ele apenas o irmãozinho Nivard, que devia ser a sua consolação na velhice. Tendo-o visto, voltando a brincar com outros meninos, o mais velho disse-lhe: Adeus, meu irmãozinho Nivard; tereis sozinho nossos bens e nossas terras. Como? respondeu o irmão: vós tomais o céu para vós e me deixais a terra! A partilha não é igual. E de fato, algum tempo depois, deixou o mundo como eles, e os seguiu.
São Bernardo depois foi abade do novo mosteiro de Claraval; seu pai, então muito idoso, veio também colocar-se sob sua direção, recebeu o habito religioso de suas mãos e pouco depois terminou santamente a vida. A única irmã do santo tinha ficado no mundo, tinha-se casado e vivia segundo o mundo. Corria grande risco de se perder, no meio das riquezas. Um dia foi inspirada a ir visitar São Bernardo, bem como seus irmãos. Chegou com um soberbo cortejo e muito aparato. Mas nenhum deles quis aparecer para a ver. Ainda mais, um deles, tendo-a encontrado à porta, chamou-a de esterqueiro adornado, por causa da magnificência dos adornos. Já evitada precedentemente, derramou ela lágrimas e disse: sou uma pecadora, é verdade, mas foi por essas pessoas que Jesus Cristo morreu; por isso, porque sou pecadora, recorro ao conselho e convívio dos bons. Se meu irmão despreza minha carne, que o servo de Deus não despreze minha alma. Que venha e que ordene; tudo o que determinar, estou disposta a fazer. São Bernardo veio então com todos os irmãos, proibiu-lhe todas as vaidades do século, deu-lhe por modelo o exemplo de sua mãe. Ela cumpriu tudo. Dois anos depois, o marido renunciou ao mundo e ela retirou-se a um mosteiro, onde viveu e morreu digna de seus irmãos.
Eis como os santos amavam os irmãos e irmãs, parentes e amigos; amamos nós também assim os nossos? Somos para eles como São Bernardo, atraindo-os por nossas palavras e nossos exemplos ao caminho da perfeição? Ao contrário, o afeto puramente humano que lhes dedicamos não é uma forte tentação para nós faltar à vocação do céu e nos tornar a expor aos perigos do século? São Bernardo, rogai por eles e por nós!
Na diocese de Langres, no coração de uma vasta floresta, havia um vale deserto e pantanoso, chamado outrora Vale do Absinto, e depois, Claraval, ou vale ilustre, que servia de esconderijo a grande número de ladrões. Em 1115, doze religiosos de Cister chegaram em procissão, cantando salmos e tendo à sua frente São Bernardo, como abade. Com o auxílio do bispo de Châlons e dos habitantes do país, prepararam uma parte e construíram cabanas ou celas. Esse foi o começo do mosteiro de Claraval.
São Bernardo, julgando, os outros por si mesmo, repreendia severamente as menores infrações da regra, o que levou alguns ao desânimo. Reconheceu ele a falta e pôs-se a os exortar com ternura quase materna. Os que tinham antes sido tentados de desânimo, correram então com santa alegria pela estrada da perfeição. Claraval foi um paraíso. Viveram ai até setecentos monges, que voavam ao menor sinal da vontade de Bernardo e lhe obedeciam como a um anjo do céu. Nesse número estava um filho do rei da França, um rei da Sardenha e muitos outros príncipes e senhores. A maior parte eram irmãos conversos, ocupados no trabalho manual ou em pastorear rebanhos. Havia mesmo um que, para expiar uma falta que tinha cometido na guerra, julgando-se indigno de ser admitido entre os religiosos, se havia por feliz guardando, sob os irmãos conversos, os porcos de uma fazenda. Esses os sentimentos de humildade que Deus inspirava aos grandes do século.
Nessa comunidade tão santa, qual era o mais perfeito? São Bernardo no-lo vai dizer. Fazendo, um dia a conferência aos religiosos do coro, que tinham realizado estudos, declarou-lhes publicamente que não hesitava em preteri-los todos a um irmão leigo ausente; aquele irmão, por sua humildade era mais perfeito que todos, embora jamais tivesse estudado as letras e mais instruído que ninguém, na comunidade, na ciência dos santos e no conhecimento de si mesmo; considerava-se sempre um miserável pecador na presença de Deus; via virtudes somente nos outros e em si só descobria fraqueza e imperfeição. O santo abade, tendo-o um dia encontrado banhado em lágrimas, perguntou-lhe a razão. Sou, respondeu o humilde irmão, um grande pecador; meu irmão, com o qual trabalho, pratica todas as virtudes em grau heroico, e eu não tenho um grau sequer da menor virtude. Rogo-vos supliqueis a Deus que me conceda, em sua misericórdia, essas virtudes, que minha indignidade e minha negligência me impedem obter por mim mesmo.
São Bernardo, rogai por nós, rogai por mim. Tenho muito mais necessidade disso que esse bom irmão.
São Bernardo aspirava somente fazer-se esquecer em sua querida solidão. Deus permitiu que fosse amado, honrado, consultado por papas, bispos, imperadores, reis e pelo povo. Por toda parte, onde havia uma questão, chamavam-no para ser o pacificador. Uma disputa tinha surgido entre o arcebispo e os habitantes de Reims: Bernardo reconciliou o pastor com o rebanho. O imperador ficara inimigo de dois príncipes da Alemanha: Bernardo reconciliou o imperador com os príncipes. O duque da Aquitânia perseguia os bispos de seus estados: Bernardo reconciliou o duque com os bispos. Houve um cisma na Igreja porque se escolheram ao mesmo tempo dois papas. Bernardo, consultado pelos bispos da França, para saber qual dos dois se deveria reconhecer, declarou-se pelo papa legitimamente eleito, Inocêncio II, e com seu exemplo, com suas pregações e mesmo com seus milagres, convenceu não somente a França, mas as cidades de Gênova, Milão e outras, onde o cisma tinha prevalecido. Alguns anos depois, elegeu-se papa, sob o nome de Eugênio III, um intigo monge de Claraval, mas então o abade do mosteiro de Roma, Bernardo, de quem ele tinha sido discípulo, escreveu-lhe cinco livros admiráveis sobre os deveres de seu cargo, os perigos que ia correr e os meios de se salvar e de salvar aos outros. Muitas cidades como Gênova e Milão pediam a Bernardo por bispo. Mas ele preferia a tudo a cela em Claraval; sempre a deixava com pesar e voltava sempre com ansiedade e alegria.
Erros surgiram contra a fé. Bernardo foi chamado para os combater. Não somente os refutou mas acabou por converter os que os professavam. Bendigamos a Deus por ter dado semelhante doutor à sua Igreja, peçamos-lhe que dê sempre outros semelhantes a ele, mas sobretudo em nosso tempo, a fim de trazer à Igreja as nações divididas, reconciliar os reis com os povos, reanimar por toda parte a fé e a caridade, ressuscitar comunidades fervorosas, onde, como então, venham santificar-se os homens do século. O que mais devemos imitar nesse santo doutor é a profunda humildade no meio da veneração universal, é o amor pelo retiro e o recolhimento no meio dos homens e das coisas do mundo. Ai! Por pouco que nos louvem, não possuímos vaidade; por pouco que tenhamos a fazer no mundo, nossa piedade, nosso recolhimento aí se perdem. São Bernardo, rogai por nós!
(Fonte: in Vida dos Santos, Editora das Américas, Vol. XV, Padre Rohrbacher, 1959, pp. 66-72 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)