IMACULADA CONCEIÇÃO: Sua missão de vencedora da serpente infernal
(Domingo na Oitava da Festa da Imaculada Conceição)
“Seduzindo esta (a serpente infernal) a nossos primeiros pais, trouxera a morte a todos os homens. O Senhor por isso lhe predissera: Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela (Gn 3,15). Ora, Maria devia ser a mulher forte, posta no mundo para vencer a Lúcifer. Não convinha certamente, então, que a princípio houvesse sido subjugada e escravizada por ele. Era, pelo contrário, mais razoável que permanecesse livre sempre de toda mácula e de toda sujeição ao inimigo. Esse espírito mau buscou, sem dúvida, infeccionar a alma puríssima da Virgem, como infeccionado já havia com seu veneno a todo o gênero humano. Mas, louvado seja Deus!, o Senhor a preveniu com tanta graça, que ficou livre de toda mancha do pecado. E dessa maneira pôde a Senhora abater e confundir a soberba do inimigo como declara S. Agostinho, ou quem quer que seja o autor do Comentário do Gênesis.
Sobretudo um motivo levou o Eterno Pai a tornar ilesa do pecado de Adão a esta sua Filha. Ei-lo:
A eleição dessa Virgem para Mãe de seu Filho unigênito
Assim fala S. Bernardo à Senhora: Antes de toda criatura fostes destinada na mente de Deus para Mãe do Homem-Deus. Se não por outro motivo, pois ao menos pela honra de seu Filho que é Deus, era necessário que o Pai Eterno a criasse pura de toda mancha. Escreve S. Tomás: Devem ser santas e limpas todas as coisas destinadas para Deus. Por isso Davi, ao traçar o plano do templo de Jerusalém com a magnificência digna do Senhor, exclamou: Não se prepara a morada para algum homem, mas para Deus (1Cr 29,1). Ora, o soberano Criador havia destinado Maria para Mãe de seu próprio Filho. Não devia, então, lhe adornar a alma com todas as mais belas prendas, tornando-a digna habitação de um Deus? Afirma o Beato Dionísio Cartuxo: O divino artífice do universo queria preparar para seu Filho uma digna habitação, e por isso ornou a Maria com as mais encantadoras graças. Dessa verdade assegura-nos a própria Igreja. Na oração depois da Salve Rainha, atesta que Deus preparou o corpo e a alma da Santíssima Virgem, para serem na terra digna habitação de seu Unigênito.
Como é sabido, a primeira glória para os filhos é nascer de pais nobres. “A glória dos filhos (são) os seus pais” (Pr 17,6).
Por isso, na sociedade menos mortifica passar por pobre e pouco formado, do que ser tido por vil de nascença. Pois com sua indústria pode o pobre enriquecer, e o ignorante fazer-se douto com seus estudos. Mas quem nasce vil, dificilmente pode nobilitar-se, ainda que o consiga, está exposto a ver que lhe atirem em rosto a baixeza de sua origem. Deus, entretanto, podia dar a seu Filho uma Mãe nobilíssima e ilibada da culpa original. Como então admitir que lhe tenha dado uma manchada pelo pecado? Como dar a Lúcifer o ensejo de exprobrar ao Filho de Deus a vergonha de ter nascido de uma Mãe que outrora fora escrava sua e inimiga de Deus? Não; o Senhor não lho permitiu. Proveu a honra de seu Filho, fazendo com que Maria fosse sempre imaculada. Assim a fez digna Mãe de tal Filho, como testemunha a Igreja Oriental.
Dom algum jamais concedido a alguma criatura, do qual não fosse enriquecida também a Virgem. É este um axioma comum entre os teólogos. Para confirmá-lo eis as palavras de S. Bernardo: O que a poucos mortais foi concedido, não ficou sonegado à excelsa Virgem; nem sombra de dúvida pode haver nisso. S. Tomás de Vilanova assim depõe: Nenhuma graça foi concedida aos santos, sem que Maria a possuísse desde o começo em sua plenitude. Há, porém, entre a Mãe de Deus e os servos de Deus uma infinita distância, segundo a célebre sentença de S. João Damasceno. Logo, à sua Mãe terá Deus conferido privilégios de graças, em todo sentido maiores de quantos outorgou a seus servos. Forçosamente assim teremos de concluir com S. Tomás. Isto suposto, pergunta S. Anselmo – o grande defensor da Imaculada Conceição: – Faltaria poder à Sabedoria divina para preparar a seu Filho uma morada pura e para preservá-la da mancha do gênero humano? Pois, continua o Santo, Deus, que pôde eximir os anjos do céu da ruína de tantos outros, não teria podido preservar a Mãe de seu Filho, a Rainha dos anjos, da queda comum aos homens? E acrescento eu: Deus, que pôde conceder a Eva a graça do vir ao mundo imaculada, não teria podido concedê-la também a Maria?
Ah! certamente que sim! Deus podia fazê-lo, e assim o fez. Diz, por isso, S. Anselmo: A Virgem, a quem Deus resolveu dar seu Filho Único, tinha de brilhar numa pureza que ofuscasse a de todos os anjos e de todos os homens, e que fosse a maior imaginável possível, abaixo de Deus. Por todos os motivos, era isso conveniente. S. João Damasceno exprime o mesmo pensamento com mais clareza: “O Senhor a conservou tão pura no corpo e na alma, como realmente convinha àquela que iria conceber a Deus em seu seio. Pois santo como ele é, procura morar só entre os santos. Portanto, o Eterno Pai podia dizer a esta filha: Como o lírio entre os espinhos, és tu, minha amiga, entre as filhas (Ct 2,2): Pois, enquanto as outras foram manchadas pelo pecado, tu foste sempre imaculada e cheia de graça”.
_________Santo Afonso M. de Ligório, “Glórias de Maria”, pp. 238-240, Editora Santuário, 30ª reimpressão, 2015.