CatolicismoRito Tradicional
O ANO LITÚRGICO – CICLO DE PÁSCOA
(PÁSCOA – ASCENSÃO – PENTECOSTES) - PARTE III
O ANO LITÚRGICO
CICLO DE PÁSCOA (PÁSCOA – ASCENSÃO – PENTECOSTES)
PARTE III
Continuação do post anterior …(Veja Aqui)
Tempo pascoal
Páscoa é a “Solenidade das solenidades”: nela se comemora o aniversário da ressurreição de Jesus, e e por ela que a Igreja, pondo particularmente a nosso alcance esse mistério, nos faz participar cada vez mais da vida nova do divino Ressuscitado.
“Cristo, nossa Pascoa, diz o Prefácio, foi imolado … Por sua morte destruiu a morte e restaurou a vida por sua ressurreição”1
Tem, portanto, o mistério pascoal duplo aspecto, correspondente a paixão e a ressurreição de Cristo. É simultaneamente mistério de morte e de vida.
Por sua morte expiatória, suprimiu Jesus o obstaculo que se opunha em sua humanidade mortal a que ela estivesse totalmente sob o domínio do Espírito Santo. Esse obstaculo era o pecado, cuja responsabilidade o Filho de Deus, feito homem e isento de toda culpa, tomara sobre si; pecado que teve como instigador do demônio quando tentou a Eva e por ela a Adão, e cujo castigo era a morte.
A vitória de Jesus sobre a Cruz
Sujeitando-se voluntariamente a essa pena de morte e deixando-se em seguida encerrar no túmulo, o Verbo encarnado, cuja alma se separou momentaneamente do corpo, destruiu de certo modo o “velho homem”2. Afrontando ao “Príncipe deste mundo”, despojou-o pagando a Deus nossa dívida em toda justiça, isto e, oferecendo-Lhe, por amor, uma justa expiação por nossos pecados. Toma então a morte, para nós, o caráter de uma libertação, a exemplo do que se deu com Jesus.
“Cristo, a própria inocência, diz a Sequência do domingo de Páscoa, reconcilia os pecadores com o Pai. Morte e vida se encontram em gigantesco duelo. Morto, o Príncipe da vida reina vivo.”
O drama da redenção, que teve um caráter trágico no decurso da Paixão de Jesus no Calvário, termina com estupenda vitoria de Cristo sobre o demônio. Aparentemente vencedor, foi este definitivamente vencido, pois, compensando por sua obediência total a desobediência de Adão, assegurou-se o novo Adão um direito de conquista sobre os homens remidos ao preço sobre as potências do mal todos aqueles que aderirem nos vínculos do amor, nos vínculos do Espírito Santo, ao divino Ressuscitado, como membros a Cabeça.
A parte negativa do mistério da salvação
Essa libertação do império do demônio, do pecado e de suas consequências é a parte negativa da obra da redenção. Realizou-a o Filho de Deus desembaraçando-se, por sua morte, daquilo que nele se opunha, durante toda sua existência terrestre, ao desenvolvimento glorioso do mistério da Encarnação, pois nada menos que de uma humanidade sujeita ao sofrimento e à morte teve ele de se revestir para realizar a redenção. Gracas a isto, repitamo-lo ainda, pôde ele, oferecendo a vida em sacrifício, merecer que nós pudéssemos libertar de tudo o que se opõe à ação da graça em nós, a ação do Espírito de Cristo em nossas almas.
A parte positiva do mistério da salvação
A parte positiva e ponto culminante do mistério pascal é a invasão total da humanidade de Jesus pela vida divina, e sua repercussão em nossos corações.
Ressuscitando dentre os mortos, possui doravante o Filho de Deus uma humanidade imortal porque sob o completo domínio do Espírito Santo. Essencialmente essa humanidade é a mesma que foi pregada na cruz e traspassada pela lança, como Jesus o mostrou a Tomé dizendo-lhe: “Mete aqui teu dedo, eis minhas mãos, aproxima também a tua mão e mete-a no meu lado”3.
Mas essa humanidade ressuscitada tem todas as qualidades dos corpos gloriosos (impassibilidade, agilidade, subtilidade, etc). Assim pode ela sair do túmulo selado e penetrar no Cenáculo onde se encontravam os Apóstolos “Januis clausis”4. E como estes cuidavam tratar-se de um espírito, e se apavoravam, disse-lhes Jesus:
“Por que vos perturbais? Vede minhas mãos e meus pés, sou realmente eu! Apalpai e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho”5.
O corpo do divino Crucificado, embalsamado por José de Arimateia e Nicodemos com uma mistura de mirra e aloés6 e encerrado no túmulo, ressuscitava, portanto, verdadeiramente. Era inteiramente novo o modo de existência de sua humanidade. Totalmente “espiritualizada” devido à ação do Espírito Santo, achava-se ela, doravante, perfeitamente em condições de levar todas as almas a participarem da plenitude de sua vida espiritual. Diga-se a propósito, que Jesus começou a exercer esse poder em favor dos apóstolos no próprio dia da ressurreição. Ao aparecer no Cenáculo, em Jerusalém, declarou-lhes:
“Como o Pai me enviou, assim eu vos envio”. Após estas palavras, soprou sobre eles e lhes disse: “Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; aqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”7.
Competirá aos Apóstolos e a seus sucessores fazer com que os homens se associem à morte e à ressurreição de Cristo. Assim, pela virtude do Espírito de Deus, que sustentou a Jesus na luta contra o demônio no Calvário, e após a morte lhe insuflou uma vida nova, morrerão as almas ao pecado e viverão sobrenaturalmente por Deus. Permanecendo nela, o Espirito de Cristo ser-lhes-á penhor de ressurreição do corpo quando Cristo voltar no fim dos tempos.
Comentando esse mistério, na epístola aos Romanos, escreve S. Paulo, o apóstolo de Jesus ressuscitado:
“Se o Espírito daquele que ressuscitou a Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou a Cristo Jesus dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por seu Espírito que habita em vós”8.
Terceira fase do drama da redenção
Após a ressurreição de Jesus, desenrola-se de modo diferente o drama da redenção. Terminou a história de Cristo segundo a carne, e começa a da Igreja, seu corpo místico. Livre das condições materiais da vida terrestre, vai deixar este mundo o divino Ressuscitado para ser glorificado pelo Pai no Céu, e de lá enviará aos apóstolos e discípulos o Espírito Santo conforme lhes prometera.
Antes, porém, é necessário que estes estejam plenamente seguros do fato da ressurreição do divino Mestre9; que Pedro, como vigário de Cristo, seja investido do cargo de supremo pastor dos cordeiros e das ovelhas do rebanho de Cristo10, e que o colégio apostólico — compreendendo à luz das Escrituras o verdadeiro sentido dos tempos messiânicos11 — prepare-se para a vinda do Espirito Santo e para o desempenho da missão, cujas diretivas Jesus lhes deu “pelo Espirito Santo”12
“Todo o poder me foi dado no céu e na terra. Ide, portanto, e ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-as a observar todos os mandamentos que vos dei”13.
Diz S. Lucas nos Atos dos Apóstolos — cuja leitura ( lectio contínua) começa depois do domingo in albis:
“No meu primeiro livro14, narrei ludo o que Jesus fez e ensinou desde o início até o dia em que, tendo dado preceitos por meio do Espírito Santo aos Apóstolos que tinha escolhido, foi elevado ao céu; também se manifestou vivo, a eles, depois da paixão, com muitas provas de que vivia, aparecendo-lhes por quarenta dias, e falando do reino de Deus. Ora, um dia em que tomava refeição com eles, ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem a realização da promessa do Pai: “Promessa — disse ele — que ouvistes de mim; porque João batizou com água, mas vós sereis batizados no Espírito Santo daqui a poucos dias (…) E com o Espírito Santo que descera sobre vós, recebereis a forca, e me sereis testemunhas em Jerusalém, e em toda a Judeia, e na Samaria, e até os extremos da terra”15.
Papel que o Espírito Santo desempenhará na Igreja
Foi descrito por Jesus, no “Discurso depois da Ceia”, o papel que o Espirito Santo desempenharia na Igreja e no mundo. No evangelho de alguns domingos depois da Páscoa, do domingo depois da Ascensão, e da Vigília assim como da festa de Pentecostes, a liturgia faz-se eco daquelas palavras.
Dirigindo-se aos Apóstolos, Jesus lhes anunciou:
“Rogarei ao Pai e ele vos dará um outro Paráclito para que fique eternamente convosco: o Espírito de verdade a quem o mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece. Mas vós o conhecereis porque habitara convosco, e estará em vós”16.
“Eu vos tenho dito estas coisas enquanto permaneço convosco. Mas o Consolador, o Espírito Santo que vos sera enviado pelo Pai em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que eu vos disse”17.
A pedido de Jesus, será enviado o Espírito Santo pelo Pai, e graças as luzes desse Espírito divino e que os Apóstolos e seus sucessores compreenderão todo o alcance das palavras ditas por Jesus e exaradas nas Escrituras.
“Quando vier o Consolador, que eu vos enviarei do Pai, o Espírito de verdade que procede do Pai, ele dará testemunho de mim. E vós também, dareis testemunho, porque desde o princípio estais comigo”18.
Não só em nome de Cristo, mas também por Cristo e que o enviará o Espírito Santo. Este Espírito, simultaneamente do Pai e do Filho, procede de um e de outro e é como eles a própria Verdade. Sua vinda dará testemunho da divindade de Jesus e de sua missão divina. Serão no mundo mensageiros desse testemunho os Apóstolos que viveram com Cristo e o viram depois da ressurreição. Por eles, o Espírito Santo fara os cristãos viverem da própria vida do divino Ressuscitado, o que aumentara a eficácia do testemunho.
“Convém a vós que eu vá, acrescenta Jesus; se eu não for, não virá a vós o Consolador; se, ao contrário, partir, vo-lo enviarei. E ele, quando vier, confundirá o mundo por causa do pecado, da justiça e do julgamento: do pecado, porque não tem fé em mim; da justiça, porque vou para o Pai e não mais me vereis; do julgamento, porque o Príncipe deste mundo foi condenado”19.
Defensor de Cristo, mostrara o Espírito de Deus pelo testemunho dos Apóstolos quanto é grande o pecado daqueles que, imbuídos do espírito do mundo, recusarão crer em Jesus e condená-lo-ão.
O Espirito Santo mostrara também, sempre por intermédio dos Apóstolos e de seus sucessores, como Deus, pela glorificação de Cristo no céu, fara ressaltar a injustiça dos homens.
O mesmo Defensor confundira igualmente aqueles que, inspirados pelo Príncipe deste mundo, considerarão tal sentença como irrevogável. Por sua morte será Jesus, de fato, vencedor de Satanás e, sob a ação do Espírito, a Igreja manifestara esse triunfo, resistindo vitoriosamente as perseguições.
“Quando vos entregarem — dissera Jesus aos Apóstolos — não cuideis como ou o que haveis da falar, porque não sereis vós que falareis, mas o Espírito de vosso Pai e que falara em vós”20.
“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não as podeis compreender agora. Quando vier, porém, o Espírito de verdade, ele vos introduzirá na verdade completa. Não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e anunciar-vos-á o futuro. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará”21.
“Ele dirá o que tiver ouvido”. Para o Espírito Santo, ouvir significa receber, procedendo eternamente do Pai e do Filho, a natureza divina, igual a de ambos, e possuir, portanto, a ciência infinita pela qual Deus conhece todas as coisas presentes e futuras. Jesus, que procede do Pai, revelou ao mundo o que do Pai ouviu”22. Do mesmo modo, o Espírito que procede do Pai e do Filho conduz as almas ao conhecimento das verdades divinas que o Pai, ao gerar o Filho, lhe revela, e que ambos comunicam aquele que as Escrituras denominam “Espírito do Pai” e “Espírito do Filho”.
“O Espírito que procede do Pai, diz Jesus, é que me glorificará”23.
“Ele é o Espírito do Filho, explica Sto. Agostinho, porque não fala por si mesmo, mas anuncia o que ouviu da parte do Filho”24.
E Jesus acrescenta:
“Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará”25.
Ascensão
Jesus sobe ao céu e, pelo Espírito Santo, voltará sobre a terra.
Termina S. Lucas seu Evangelho pela narrativa da Ascensão26 e começa os Atos dos Apóstolos indicando que tal acontecimento se deu quarenta dias após a Ressurreição do Senhor27.
Quarenta dias depois da festa da Páscoa, celebra, portanto, a Igreja a festa da Ascensão. O evangelho de S. Marcos cantado neste dia termina pela seguinte frase:
“Depois de lhes haver assim falado, foi o Senhor elevado ao céu e assentou-se à direita de Deus. E eles (os Onze), tendo partido, pregaram por toda a parte, assistidos pelo Senhor”28.
Essa assistência do Senhor faz-nos lembrar a promessa de Jesus:
“Não vos deixarei órfãos: hei de voltar a vos”29.
De fato, aqueles a quem Jesus dissera no discurso da Ceia:
“Filhinhos, bem pouco tempo estarei ainda convosco”30
não ficaram na orfandade. Depois da ressurreição e do regresso ao céu, voltou Jesus a eles por seu Espírito Santo, que e o vínculo de amor pelo qual todos os membros do corpo místico de Cristo se unem à divina Cabeça e participam com ela da filiação divina.
“Naquele dia — explicara-lhes Jesus — conhecereis que estou no Pai, e vós em mim, e eu em vós … Aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele”31.
Na epístola da festa da Ascensão, diz S. Lucas, como acima ficou dito32;
“Tendo transmitido suas instruções, por meio do Espírito Santo, aos Apóstolos que tinha escolhido, foi Jesus elevado ao céu”33.
E mais adiante:
“À vista deles elevou-se da terra e uma nuvem o ocultou aos seus olhos”34.
Não mais submetido às leis da matéria, o corpo do divino Ressuscitado, “corpo espiritual … e celeste”35; elevando-se aos ares, penetrou no reino celeste onde os anjos adoram a divindade. O próprio Jesus dissera:
“Na ressurreição os homens serão como os anjos no céu”36.
Exaltado no céu, onde esta “assentado a direita do Pai” (Credo), “Jesus, Rei da gloria” (Te Deum), dai exerce sua dominação universal:
“Se Cristo morreu e voltou a vida, diz S. Paulo, e para ser o Senhor dos vivos e dos mortos”37.
Explica S. Jeronimo:
“Foi-lhe dado o poder no céu e sobre a terra, a fim de que, reinando já no céu, reinasse também sobre a terra pela fé daqueles que haveriam de crer nele”38.
Plenamente “pascalizado”, por assim dizer, por sua volta ao Pai, Cristo, em seu modo de existência supraterrestre, já não se submete as leis do sangue e da raça. Sublimaram-se suas relações com os homens.
E do alto do céu que ele reina, não sobre o Israel segundo a carne, mas segundo o espírito, isto é, sobre todos aqueles que, judeus ou pagãos, são filhos de Abraão pela fé e pelo amor.
Jesus no céu e a Igreja na terra pedem a vinda do Espírito Santo
Mostrando ao Pai as chagas gloriosas, troféus de sua vitória, Jesus lhe pede que envie o Espírito Santo; e, no dia de Pentecostes, ele mesmo efetuou esse envio em nome do Pai.
“Rogarei ao Pai, dissera aos Apóstolos, e ele vos dará um outro Paráclito”39.
Fazendo-lhe eco na terra, os Apóstolos, com Maria, Mãe de Jesus, “perseveravam unanimemente em oração”. Preparavam-se desse modo a vinda do Espírito Santo40.
O mesmo continua a Igreja fazendo em sua prece litúrgica e sacerdotal, sempre realizada em função do sacerdócio de Cristo, “o Liturgo das coisas santas”41. Demais, falando da eficácia da oração confiante e perseverante, dissera outrora Jesus:
“Se, portanto, vos sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lho pedirem”42.
Nas Vésperas da festa da Ascensão, a Igreja faz a Jesus esta oração:
“Ó rei da glória, que triunfante subistes hoje ao mais alto dos céus … enviai-nos o Espírito de verdade, segundo a promessa do Pai”43.
Pentecostes
A vinda do Espírito Santo sobre a Igreja nascente
A festa de Pentecostes nos traz à lembrança a descida do Espírito Santo sobre Nossa Senhora e sobre os Apóstolos e discípulos reunidos no Cenáculo. Durante uma semana inteira, todos os textos do missal e do breviário descrevem essa vinda, mostram-lhe os maravilhosos efeitos e concorrem piedosamente para manter toda a cristandade sob o domínio do mesmo Espírito, ao serem revividos cada ano nas Igrejas do mundo inteiro.
O mistério de Pentecostes, ao qual a Igreja deve a existência, não cessa, com efeito, de exercer sua influência sobre todas as almas que, de geração em geração e até o fim dos tempos, asseguram ao corpo místico de Cristo seu constante desenvolvimento.
Unidos invisivelmente à divina Cabeça pelos vínculos de amor do Espírito Santo, os membros da Igreja visível constituem, em sua totalidade, magnifico Templo onde permanentemente habita o mesmo Espírito divino. Sua presença se manifesta de continuo pelas obras de santidade que, no decorrer dos seculos, a Igreja não cessa de realizar.
Graças a ação simultaneamente purificadora (gratia sanans) e santificadora ( gratia elevans) do Espírito de Cristo, já se estabeleceu, portanto, o reino de Deus neste mundo. Não nos é possível pesquisar aqui todas as riquezas que a liturgia de Pentecostes e de sua oitava nos fornece. Limitemo-nos a indicar algumas delas.
A lectio contínua própria do tempo de Pentecostes e a dos Atos dos Apóstolos que precisamente se intitula “o Evangelho do Espírito Santo”.
Diz S. João Crisóstomo:
“Os evangelhos são a história das coisas que Cristo disse e fez; os Atos, das que o outro Paráclito fez e disse”44.
A epístola da missa de Pentecostes, extraída dos Atos dos Apóstolos, traz a narração da vinda triunfal do Espirito Santo, “Senhor e vivificador” (Credo).
“Quando se completaram os dias do Pentecostes, estavam todos os discípulos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído semelhante ao do vento quando sopra impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam. E viam aparecer umas como que línguas de fogo que se repartiam e vieram pousar uma sobre cada um deles. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se expressassem.”45
Não somente fenômenos exteriores (vento, línguas de fogo) atestam o domínio do Espírito de Deus sobre os Apóstolos, mas também, e sobretudo, os efeitos que sua presença produz neles.
Imensa multidão, de diversos países — S. Lucas cita dezesseis — acorrem ao estrondo que acompanhou a vinda do Espírito.
“Reuniu-se a multidão e ficou pasmada porque cada um os ouvia falar em sua própria língua as maravilhas de Deus … E diziam uns para os outros: “Que quer dizer isto?” Outros escarneciam, dizendo: “Estão cheios de vinho doce”46.
Pedro, então, lhes declarou:
“Estes homens não estão embriagados, conforme supondes, porque estamos apenas na terceira hora do dia (nove horas). Mas está se realizando o que foi predito pelo profeta Joel: “Sim, naqueles dias derramarei meu Espírito sobre meus servos e sobre minhas servas e eles profetizarão”47.
Esse acontecimento era, portanto, o cumprimento da profecia que fora inspirada pelo Espírito de Deus a um dos videntes do Antigo Testamento. Sua realização mostrava que haviam chegado os tempos messiânicos.
Por si mesmos constataram os Apóstolos que Jesus ressuscitara verdadeiramente, e haviam mesmo assistido a sua ascensão. Era, porém, necessária à vinda do divino Paráclito para que se lhes manifestasse a gloriosa sessão do Filho do homem a direita do Pai celeste e o régio poder que lá do alto iria ele exercer sobre a terra na Igreja e pela Igreja.
A obra redentora realizada por Cristo foi aceita com agrado pelo Pai, já que o Espírito Santo veio cumular a Igreja nascente das graças que para ela mereceu o divino Salvador por sua morte sobre a cruz. Aguerrido por esse Espírito, que e o de Jesus, pode então o colégio apostólico empreender sua missão de conquista e, no próprio dia de Pentecostes, corajosamente começaram eles a dirigir a palavra ao povo e a pregar o Evangelho.
“A força dos Apóstolos, diz S. Gregório, lhes vem do Espírito Santo. Efetivamente, como teriam eles ousado apresentar-se como adversários das potências do século, se não fossem sustentados e fortalecidos pela assistência do Espírito Santo? Sabemos o que eram os doutores da Igreja antes que sobre eles descesse o Espírito Santo; e vemos a forca que ostentaram depois de sua vinda”48.
“Enquanto no exterior apareciam línguas de fogo, inflamavam-se interiormente os corações dos discípulos; e, como viam a Deus sob o aspecto de fogo, com inefável suavidade tornaram-se ardentes de amor”49.
“É um fogo que procede da luz do Pai, um fogo que enche da caridade do Verbo os corações dos fieis de Cristo. Ao sopro do Espírito Santo, são eles interiormente inundados de alegria: começam a falar diversas línguas e anunciam as maravilhas operadas por Deus”50.
“Os Apóstolos, com grande coragem, davam testemunho da ressurreição de Jesus Cristo nosso Senhor, aleluia, aleluia. Repletos do Espírito Santo, anunciavam intrepidamente a palavra de Deus”51.
No prefácio de Pentecostes, damos graças a Deus por Cristo nosso Senhor,
“que, subindo no mais alto dos céus e assentando-se a direita do Pai, difunde sobre os filhos de adoção o Espírito Santo prometido. Por esse motivo, em transporte de alegria exulta todo o orbe terrestre.”
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1 Cf. Rom. 4, 25.
2 2ª lição, 3 de janeiro — Rom. 6, 6.
3 Evangelho dom. in albis — Jo. 20-27.
4 Evang. dom. in albis — Jo. 20-29.
5 Evang. terça-feira de Páscoa — Lc. 24.38-39.
6 Sexta-feira Santa — Jo. 19, 39-40.
7 Evang. dom. in albis — Jo. 20, 21-23 v. cap. I pág. 15 e cap. V pág. 89.
8 3ª lição, 5 de janeiro — Rom. 8, 11.
9 Evang. de terça e quarta-feira de Páscoa e do dom. in albis.
10 Evang. de 28 de junho.
11 Evang. de segunda e terça-feira de Páscoa.
12 At. 1, 2.
13 Evang. da sexta-feira de Páscoa — Mt. 28, 18-20.
14 Esse livro é o Evangelho de S. Lucas.
15 At. 1, 1-8.
16 Vigília de Pentecostes — Jo. 14, 16-17.
17 Evang. de Pentecostes — Jo. 14, 25-26.
18 Domingo depois da Ascensão — Jo. 15, 26-27.
19 4º dom. depois da Páscoa — Jo. 16, 7-11.
20 Evang. de 30 de junho — Mt. 19-20.
21 Evang. do 4º dom. depois de Pascoa — Jo. 16, 12-14.
22 Jo. 8, 26.
23 Ant. Magn. quinta-feira de Pentecostes.
24 P. L. 38, 1888.
25 Evang. 4º dom. depois de Páscoa — Jo. 16, 14, v. p.
26 Lc. 24, 50-51.
27 At. 1, 2.
28 Ascensão — Mc. 16, 19-20.
29 Evang. Vigília de Pentecostes — Jo. 14, 18.
30 Jo. 13, 33.
31 Evang. Vig. de Pentecostes — Jo. 14. 20-21.
32 Ver c. IV, p. 69.
33 At. 1, 2.
34 At. 1, 9.
35 I Cor. 15, 44 e 49.
36 Mt. 22, 30.
37 Missa votiva para uma boa morte — Rom. 14, 9.
38 1ª lição, sexta-feira de Páscoa.
39 7º respons., Ascensão — Jo. 14, 16.
40 2ª lição, dom. in albis — At. 1, 13-14.
41 Ver c. I, p. 10.
42 Evang. das Rogações — Lc. 11, 13.
43 Antífona de Magnificai — Ascensão.
44 Hom. 1. 5. P. G. 60, 21.
45 At. 2. 1-4
46 Epístola, Pentecostes — At. 2, 6-13.
47 Leitura, quarta-feira de Pentecostes — At. 2, 15-18.
48 5ª lição do Comum dos Apóstolos.
49 1ª lição Pentecostes — Cf. S. João Crisóstomo, 7ª lição de 25 de julho, festa de S. Tiago.
50 Hino de Matinas de Pentecostes.
51 1º responsório, Pentecostes — At. 4, 33.
(Fonte: livro O Espírito de Deus na Santa Liturgia, Dom Gaspar Lefèbvre, OSB, Livraria Editora Flamboyant, 1962, Tradução das Religiosas da Virgem de Petrópolis, excertos do Cap. IV, pp. 62-74 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)