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A SAGRADA MEDALHA OU CRUZ DE SÃO BENTO

PARTE II (Continuação do post anterior)

A SAGRADA MEDALHA OU CRUZ DE SÃO BENTO

PARTE II

(Por Dom Próspero Guéranger, OSB)

Medalha de São Bento (frente).

A IMAGEM DA CRUZ REPRESENTADA NA MEDALHA

Basta que o cristão considere um pouco a virtude soberana da Cruz de Jesus Cristo, para compreender a dignidade de uma medalha na qual ela vem representada. A Cruz foi, na realidade, o instrumento da redenção do mundo; ela é a árvore da salvação sobre a qual foi expiado o pecado que o homem cometera ao comer o fruto da árvore proibida. São Paulo nos ensina que a sentença na nossa condenação foi pregada na Cruz, sendo ali apagada pelo sangue do Redentor (Col. II, 14). Por fim, a Cruz, que a Igreja saúda como a nossa única esperança, spes única, há de aparecer no último dia sobre as nuvens do céu como troféu da vitória do Homem-Deus.

A representação da Cruz desperta, em nós, todos os sentimentos de gratidão para com Deus, pelo benefício de nossa salvação. Depois do Santíssimo Sacramento, nada há sobre a terra que mais digno seja de nosso respeito do que a Cruz; é por isso que lhe tributamos um culto de adoração, o qual se refere a Nosso Senhor, que regou com seu Sangue divino.

Animados pelos sentimentos da mais pura religião, os cristãos tiveram, desde os primórdios da Igreja, profundíssima veneração para com a imagem da Cruz; e os santos Padres não cessavam de louvar aquele augusto sinal. Quando, após três séculos de perseguição, Deus houve por bem conceder paz à sua Igreja, apareceu no céu uma Cruz com estas palavras: “Com este sinal vencerás”; e o imperador Constantino, a quem se destinava aquela visão que lhe prometia a vitória, determinou que seu exército sairia a combate, daí em diante, sempre debaixo de um estandarte que representava a imagem da Cruz com o monograma de Cristo; e tal estandarte foi chamado Lábaro.

A Cruz causa terror aos espíritos malignos, que sempre recuam diante dela, e que, mal a vistam, logo se apressam a largar a presa e fugir. Por fim, tal é, para os cristãos, a importância da Cruz e tal a bênção que ela leva consigo, que desde os tempos apostólicos até nossos dias conservou-se inviolável o costume de fazerem frequentemente sobre si o sinal da Cruz, e os ministros da Igreja sempre o empregaram sobre todos os objetos que o caráter sacerdotal lhes dá o poder de abençoar e santificar.

Assim sendo, nossa medalha, que representa, em primeiro lugar, a imagem da Cruz, está em perfeita harmonia com a piedade cristã, e só por esse motivo já se torna digna do maior respeito.

Medalha de São Bento (reverso).

A IMAGEM DE SÃO BENTO REPRESENTADA NA MEDALHA

A honra de figurar na mesma medalha com a imagem da Santa Cruz foi concedida a São Bento, com a finalidade de bem indicar a eficácia que teve em suas mãos aquele sagrado sinal. São Gregório Magno, que escreveu a vida do santo Patriarca, no-lo representa dissipando com o sinal da Cruz suas próprias tentações, e quebrando com o mesmo sinal, feito sobre uma bebida envenenada, o cálice que a continha, de modo a patentear o perverso desígnio dos que tinham ousado atentar contra sua vida. Se o espírito maligno, para aterrorizar os monges, lhes faz parecer em chamas o mosteiro de Monte Cassino, São Bento logo dissipa esse prodígio diabólico fazendo sobre as chamas fantásticas o mesmo sinal da Paixão do Salvador. Quando seus discípulos andam interiormente agitados pelas sugestões do tentador, indica-lhes como remédio o traçarem sobre o coração a imagem da Cruz.

Em sua Regra, determina que o irmão que acaba de ler diante do altar a obrigação solene de sua profissão, aponha na cédula dos votos o sinal da Cruz, à maneira de selo irrevogável.

Os discípulos de São Bento, cheios de confiança no poder do sagrado sinal, operaram por meio da Cruz inúmeros prodígios. Basta lembrar São Mauro (ou Santo Amaro), fazendo com que um cego visse; São Plácido, curando muitos enfermos; São Richmiro, libertando cativos; São Vulstano, salvando um operário que caía do alto da torre de uma igreja; Santo Odilon, extraindo do olho de um homem ferido uma lasca de madeira que o tinha perfurado; Santo Anselmo de Cantuária, afugentando os espectros horríveis que acossavam um ancião moribundo; Santo Hugo de Cluny, aplacando uma tempestade; São Gregório VII, suspendendo o incêndio de Roma etc: todos esses prodígios e muitíssimos mais, referidos nas Atas dos Santos da Ordem de São Bento, foram operados com o sinal da Cruz.

A glória e a eficácia desse augusto instrumento de nossa salvação foram entusiasmaticamente celebradas pelos gratos filhos do santo Patriarca. Se falarmos no ofício parvo da Santa Cruz, que Santo Udalrico, Bispo de Augsburgo, rezava, e que se celebrava no coro das abadias de São Gall, de Reichenau, de Bursfeld e outras; o Beato Rabano Mauro e São Pedro Damião dedicaram poemas à Santa Cruz; Santo Anselmo de Cantuária compôs em seu louvor admiráveis orações. O venerável Beda, Santo Odilon de Cluny, Ruperto de Deutz, Ecberto de Schonaugen, e muitos outros, deixaram-nos sermões que tratavam da Santa Cruz; Eginhardo escreveu um livro para defender seu culto, que os iconoclastas* contestavam, e Pedro o Venerável defendeu, num tratado especial que compôs, o uso do sinal da Cruz, ridicularizado pelos petrobusianos**.

* Hereges do século VIII, que combatiam o culto das imagens. Foram condenados pelo II Concílio de Nicéia, no ano de 787.

** Seguidores de Pedro de Bruys, heresiarca que foi discípulo de Abelardo e morreu queimado em 1126, em Saint-Gilles, no Languedoc.

Grande número das abadias da Ordem de São Bento foram fundadas sob o título da Santa Cruz. Lembremos apenas o célebre mosteiro construído em Paris pelo bispo São Germano; na diocese de Meaux, o que foi erigido por São Faron; em Poitiers, a abadia da Santa Cruz, fundada por Santa Radegunda; em Bordeaux, a que foi construída em idêntica invocação, por Clóvis II; a de Metten, na Baviera; a de Reichenau, na Suíça; a de Quimperlé, na nossa Bretanha; e, nos Vosges, os cinco bem conhecidos mosteiros que foram construídos de modo a formarem entre si a imagem da Santa Cruz.

O próprio Salvador do mundo parece ter querido, por um especial favor, confiar aos filhos de São Bento considerável parte da Cruz na qual resgatou os homens. Pois à sua custódia foram confiados fragmentos insignes daquele sagrado madeiro. Se se reunissem diante de um cristão todos os pedaços que são conservados nas diversas abadias da Ordem, esse cristão poderia se alegrar, por assim dizer, de ter diante dos olhos o instrumento de sua salvação. Entre os mosteiros favorecidos com tal tesouro, lembremos, na França, Saint-Germain-des-Pés, em Paris; São Diniz; Santa Cruz de Poitiers, Cornery, na Touraine; Gellone etc. Lembremos ainda São Miguel de Murano, em Veneza; Sahagún, na Espanha; Reichenau, na Suíça; na Alemanha, Santo Ulrico e Santa Afra, em Augsburgo; São Miguel, em Hildeshein; São Trudperto, na Floresta Negra; Moelk, na Áustria; a célebre abadia de Gandersheim etc.

A mais gloriosa missão, porém, confiada aos Beneditinos para a glorificação da Santa Cruz, foi a de levarem esse instrumento de salvação a numerosas regiões, por meio da pregação apostólica aos pagãos. Foi o zelo deles que arrancou das trevas da infidelidade a maior parte do Ocidente; é bem sabido quanto deve a Inglaterra a Santo Agostinho de Cantuária, a Alemanha a São Bonifácio, a Bélgica a Santo Amando, a Holanda e Zelândia a São Vilibrordo, a Vestfália a são Suitberto, a Saxônia a São Ludigero, a Baviera a São Corbiniano, a Suécia e a Dinamarca a Santo Anscário, a Áustria a São Volfgango, a Polônia e a Boêmia a Santo Adalberto de Praga, a Prússia a Santo Oto de Bamberg, a Rússia ao segundo São Bonifácio.

Muito resumidamente, são essas as relações que têm com a Santa Cruz as grandes obras relativas à pessoa e ao nome de São Bento. É, por tudo isso, lícito concluir que havia especial conveniência em reunir, numa só medalha, a imagem do santo Patriarca e a da Cruz do Salvador.

Isso ficará ainda maia claro se se considerar o que é narrado nas vidas dos dois grandes discípulos do servo de Deus. São Plácido e São Mauro. Quando eles operavam seus frequentes milagres, tinham costume de fazer intervir, juntamente com a invocação do auxílio do Santa Cruz, o nome de seu santo Fundador, e desse modo consagraram, desde os primórdios, o piedoso costume que a medalha mais tarde exprimiria.

São Plácido acaba de se despedir de São Bento, para ir à Sicília; chegando a Cápua, pedem-lhe a cura do vigário da igreja local. Após longas resistências de sua humildade,. Consente em impor as mãos sobre a cabeça do Sacerdote, que estava afetado por uma doença mortal, e cura-o de repente, pronunciando estas palavras: “Em nome de Jesus Cristo, Senhor nosso, que, pelas orações e pela virtude de nosso Mestre Bento, me tirou são e salvo do meio das águas, recompense Deus a tua fé e te restitua a primitiva saúde”.

Pouco depois, apresenta-se a ele um cego, pedindo por sua vez a cura. Plácido faz-lhe sobre os olhos o sinal da Cruz, acompanhando-o com esta oração: “Mediador de Deus e dos homens, Senhor Jesus Cristo, que descestes do céu à terra para iluminar os que estão nas trevas e nas sombras da morte; que deste ao Bem-Aventurado Bento, nosso Mestre, a virtude de curar todas as moléstias e ferimentos, dignai-vos, por seus merecimentos, dar vista a este cego, a fim de que ele, contemplando a grandeza de vossas obras, Vos tema e Vos adore, como a Soberano Senhor”. Voltando-se em seguida para o cego, acrescentou: “Pelos méritos de nosso santíssimo Padre Bento, e em nome dAquele que criou o sol e a lua para que servissem de ornato ao céu, e que deu ao cego de nascença a vista que a natureza lhe negara, eu te ordeno: levanta-te e sê curado; vai anunciar a todos as maravilhas de nosso Deus”. E o cego imediatamente recobrou a vista.

Poderíamos ainda relatar outros fatos milagrosos da vida de São Plácido, como curas de doentes e expulsões de demônios, nos quais a invocação ou a memória de São Bento, que então ainda era vivo, se conjugava com a utilização do sinal da Cruz. Nesses relatos, até os próprios enfermos reconheciam e proclamavam essa misteriosa correlação.

Tendo se afastado São Mauro do grande Patriarca que lhe ordenava que fosse às Gálias estabelecer sua Regra, logo ali operou, como dissemos, numerosos milagres. Também estes foram operados por meio da Santa Cruz, e o santo Abade tinha o costume de juntar, à virtude divina do instrumento de nossa salvação, a invocação de são Bento. Ele próprio testemunhou quando, tendo arrancado à morte um de seus companheiros de viagem, declarou formalmente às testemunhas do milagre: “Se a Divina Majestade dignou-Se operar este prodígio pelo madeiro de nossa redenção, não é a um homem, mas ao próprio divino Redentor que se deve atribuir a respectiva glória, se bem que ninguém possa pôr em dúvida que esta graça nos foi alcançada, de Jesus Cristo, pelos méritos de nosso santíssimo Padre Bento”.

Os fatos provam, pois, com evidência, que esse modo de recorrer à bondade divina sempre esteve em uso na Ordem Beneditina, desde seus inícios, e com pleno sucesso. Estava ainda São Bento vivo, e já seus discípulos se dirigiam a Deus em seu nome; e se já então o Céu abençoava a confiança em seus merecimentos, por certo deveria aumentar ainda mais o poder de intercessão de um tal servo de Deus, quando fosse exaltado na Glória.

________Continua…

(Fonte: opúsculo A Medalha de São Bento, Dom Próspero Guéranger, OSB, Abade de Solesmes, Editora Artpress, 8ª edição, São Paulo/2017, Caps. I e II, pp. 15-21. O título da postagem é nosso)

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