11 DE JULHO – FESTA DE SÃO BENTO
SÃO BENTO DE NÚRSIA, PATRIARCA DOS MONGES DO OCIDENTE
“Glória não só da Itália, mas de toda a Igreja, qual astro esplendoroso irradia sua luz refulgente em meio às trevas da noite”(1).
Dom Prosper Guéranger (1805-1875), restaurador e abade do priorado beneditino de Solesmes, na França, assim exclama a respeito de São Bento: “Com que veneração devemos nos acercar hoje deste homem de quem São Gregório Magno escreve que ‘esteve cheio do espírito de todos os justos!’. […] Estes rasgos sobrenaturais [de São Bento] encontram-se realizados por doce majestade, grave severidade e misericordiosa caridade, que brilham em cada uma das páginas de sua biografia escrita por um de seus discípulos, o Papa São Gregório Magno, que se encarregou de transmitir à posteridade tudo o que Deus havia Se dignado realizar em seu servo Bento”.
Com efeito, continua o abade de Solesmes, foi ele quem “por meio de seus filhos […] levantou as ruínas da sociedade romana, esmagada pelos bárbaros; quem presidiu ao estabelecimento do direito público e privado das nações que surgiram depois da conquista […] quem, enfim, salvou o tesouro das letras e das artes do naufrágio que ia devorá-las para sempre e deixar a raça humana sumida nas trevas” (2).
Sobre essa missão única de São Bento, realizada pessoalmente e através de seus discípulos na formação da Idade Média, a doce primavera da Fé, acrescenta outro beneditino: “O patriarca presidiu ao nascimento da cristandade medieval quando, em um tempo de profundas transformações, os mosteiros beneditinos, onde quer se estabelecessem, constituíram lares de vida cristã, a par de influentes núcleos de civilização e cultura. […] São Bento influiu poderosamente nos novos povos, inoculando-lhes algo de seu amor à ordem e ao trabalho, de seu sentido de vida em comum, de seu espírito de disciplina e colaboração, desse cristianismo autêntico e sobretudo profundo, que constitui as próprias entranhas da instituição beneditina” (3).
As “grandes invasões”
O século em que viveu São Bento foi “uma época difícil, de decadência, de desagregação e de confusão; em pleno período daqueles ingentes movimentos de povos mal chamados ‘as grandes invasões’. A Itália, empobrecida, despovoada e desmoralizada […] estava vendo, desde os princípios daquele nefasto século V, o cúmulo de suas calamidades com as sucessivas invasões de diversos povos bárbaros” (4).
Infelizmente, a situação na Igreja não era menos grave, pois, com a morte do Papa Anastácio II em 498, houve um cisma que durou três anos, durante o qual disputavam o trono pontifício o verdadeiro Papa Símaco e o antipapa Lourenço.
“Varão de vida venerável”
São Gregório Magno assim principia seu livro sobre o Patriarca do Ocidente: “Houve um varão de vida venerável, bento por graça e por nome, dotado desde sua mais tenra infância de uma cordura de ancião. Com efeito, antecipando-se por seus costumes à idade, jamais entregou seu espírito a qualquer prazer, mas, estando ainda na Terra e podendo gozar livremente dos bens temporais, desprezou o mundo com suas flores, como se estivessem murchas” (5).
São Bento nasceu em Núrsia, Itália, provavelmente pelo ano 480 de nossa era. Nada sabemos sobre seus pais, exceto que deveriam ser pessoas abastadas. O Santo tinha uma irmã, Escolástica, também santa, a quem amava ternamente e a cujo lado quis ser enterrado.
Bento era ainda jovem quando Teodorico, o Grande (454-526), rei dos ostrogodos – um dos muitos bárbaros que invadiram a Itália –, tendo dominado Roma, procurou fazê-la reflorescer. Com valiosos colaboradores, restaurou monumentos antigos, erigiu outros novos, e governou com sabedoria, reerguendo assim a decaída nobreza romana e dando a todos um período de paz e tranqüilidade em meio a tantas catástrofes.
Primeiro milagre
Escrevendo sobre Roma em 413, São Jerônimo afirma que ela detinha a palma de todos os vícios. Isso não havia mudado um século depois. Razão pela qual Bento resolveu deixar casa, bens paternos e estudos, a fim de procurar um lugar em que pudesse servir melhor a Deus. Acompanhado de sua governante, que não quis separar-se dele, retirou-se então para Efide, modesta aldeia nas montanhas de Sabina.
Foi aí que ele operou seu primeiro milagre, reconstituindo uma jarra de barro quebrada por sua governante, que lamentava em prantos seu estabanamento por tê-la deixado cair no chão.
Para fugir à popularidade que se seguiu, Bento retirou-se, desta vez só, para as montanhas de Subíaco. Nesse lugar inóspito encontrou um monge de um mosteiro vizinho, Romão, que lhe conferiu o hábito monástico. O mesmo encarregou-se de sua alimentação, fazendo chegar à sua gruta, por meio de uma corda, a provisão diária de pão, que pegava em seu mosteiro.
Nesse isolamento, desconhecido de todos, exceto de Romão, Bento entregou-se à direção do Espírito Santo, que foi o seu verdadeiro guia espiritual e mestre de noviços.
Ele, entretanto, não estava só, pois o pai da mentira aparecia para provar o novo discípulo de Cristo. E tentou-o uma vez tão fortemente contra a virtude da pureza, que Bento se lançou entre urtigas e espinhos para que a dor fizesse calar os ardores da carne. A partir de então, não sentiu jamais as solicitações da luxúria.
O cálice que se parte
A partir do momento em que Bento foi descoberto por caçadores, começaram a surgir seus primeiros discípulos, que levando como ele vida solitária, se reuniram em torno de sua cova. Os monges de um mosteiro vizinho forçaram-no depois a ser seu abade. Mas logo se arrependeram, pois o novo superior os fazia andar estritamente no caminho da observância monástica e do dever. Quiseram então envenená-lo, mas ele, abençoando o cálice em que com o vinho estava a peçonha, o mesmo se partiu. O santo voltou então para sua cova.
Superior de doze mosteiros
Entretanto, os discípulos continuaram a afluir, mas desta vez em tão grande número, que foi preciso dividi-los em grupos de doze monges, em doze mosteiros diferentes, cada um deles regido por um abade sob a supervisão de Bento.
Sob a direção do grande abade, a existência dos primeiros monges beneditinos transcorria pacífica e prosperamente, dedicada por inteiro à oração e ao trabalho. Os milagres, a doutrina, a santidade de Bento lhe atraíam numerosas vocações. Mesmo de Roma afluíam nobres varões, desejosos de se tornarem seus discípulos, enquanto patrícios lhe entregavam seus filhos para que os educasse. Foi o caso dos meninos Mauro e Plácido, posteriormente também elevados à honra dos altares, que ficaram famosos na história de São Bento.
O Mosteiro de Monte Cassino
Novos dissabores fizeram com que Bento resolvesse partir, desta feita para um local entre Roma e Nápoles denominado Cassinum, antiga vila fortificada dos romanos. Ali se instalou com os que o seguiram na fortaleza abandonada, que ele reformou, dando origem à célebre Abadia de Monte Cassino.
Sob a direção do santo, o novo mosteiro floresceu. “Pai bondoso e ao mesmo tempo mestre rigoroso, o homem de Deus os corrige [os monges] e repreende sempre que necessário; nem uma só falta de seus discípulos, seja coletiva, seja pessoal, lhe passa inadvertida. Todos no mosteiro sabem por experiência que têm um abade extraordinário, a quem nada se pode ocultar de quanto pensam no mais recôndito da alma (Diálogos), de quanto fazem fora de casa. […] Já em Subíaco, vários de seus milagres ressaltaram com força o valor da oração, da confiança na Providência, do trabalho, da obediência” (6).
Os últimos anos de São Bento transcorreram no Monte Cassino. “A morte, ou melhor, o trânsito de São Bento – como é descrito por São Gregório Magno – tem a majestade, a elegância e a placidez de uma cerimônia litúrgica” (7). Ela ocorreu provavelmente no dia 21 de março de 547.
A Regra de São Bento
Para Bossuet, o erudito bispo e teólogo do século XVII, a Regra de São Bento é “uma suma de cristianismo, um douto compêndio de toda a doutrina do Evangelho, de todas as instituições dos Santos Padres, de todos os conselhos de perfeição. Nela sobressaem eminentemente a prudência e a simplicidade, a humildade e o valor, a severidade e a mansidão, a liberdade e a dependência; nela a correção desdobra todo o seu vigor, a condescendência todo o seu atrativo, a autoridade a sua robustez, a sujeição a sua tranqüilidade, o silêncio a sua gravidade, a palavra as sua graça, a força o seu exercício, e a debilidade o seu sustentáculo” (8).
Figura moral de São Bento
Com o subtítulo “A figura Moral”, Dom Garcia M. Colombas, monge de Montserrat, na sua Introdução à Vida e Regra de São Bento, que estamos seguindo, nos oferece em rápidas pinceladas alguns traços da personalidade do Santo, baseado no que este diz em sua Regra. Citaremos alguns deles.
Gravidade
“Uma das características que chama a atenção ao contemplar a figura moral do Santo é a austeridade, a dureza, a virilidade de seu caráter, marcado pelo selo de seu país de origem. […] O patriarca não é amigo de muito falar, detesta o riso imoderado, proíbe com singular energia as piadas (Regra, 6,8); a cada momento nos descobre seu desgosto diante do olvido da própria responsabilidade, pelas decisões prematuras, ligeireza de espírito. E essa gravidade que exige dos outros, brilha em cada uma de suas frases; ao dispor qualquer detalhe da observância monástica, desde o mais trivial ao mais importante, suas palavras são sempre circunspectas” (9).
Objetividade
“Toda a Regra leva a marca de um espírito que não constrói a priori, segundo um ideal abstrato e um plano rígido, mas que vê a realidade tal qual é, e tenta adaptar-se a ela” (10).
“Temperamento de chefe, e de chefe romano, quer que no mosteiro tudo esteja em ordem, que tudo se cumpra nele com perfeição”.
“Outro aspecto da personalidade moral de São Bento, que começa por ser um dos predicados mais importantes de seu temperamento romano e acaba com um marcado caráter de virtude sobrenatural, é a sua discrição. Misericórdia e justiça, força e doçura, natureza e graça, lei e privilégio, caridade e disciplina, tudo na Regra se acha em perfeito equilíbrio (11).”
Em nada vulgar
“Rebento de uma família rica e distinta, São Bento se mostra em todo momento cheio de nobreza, de finura, de urbanidade. Tanto em seu porte quanto em suas relações sociais, em seu pensamento como na forma de expressá-lo, nada achamos nele que seja vulgar” (12).
São Bento “possuiu do pensador a amplitude e a profundidade do olhar que compreende os problemas da vida e, em seus próprios limites, procura resolvê-los. A Regra nos revela esta inteligência poderosa, muito mais prática que especulativa, cujos dotes essenciais são a clareza e a lógica. […] Outra característica notável da inteligência de São Bento é sua penetração psicológica. O patriarca conhece o homem, suas possibilidades, suas fraquezas, suas reações” (13).
“Pius pater”
“Graças a essas qualidades de coração, São Bento pôde encarnar plenamente o pius pater que deve ser todo abade beneditino. A Regra inteira está impregnada do espírito de paternidade afetuosa e terna, que sabe compreender e adaptar-se, dissimular e alentar” (14).
“A virtude da religião nele é algo mais que uma característica: é o sentimento dominante que informa toda sua maneira de julgar e de agir, que unge inteiramente a figura, a vida e a Regra do patriarca, constituindo sem dúvida o verdadeiro fundo de sua personalidade” (15).
Enfim, São Gregório Magno declara em seus Diálogos: “Se alguém quer conhecer mais profundamente sua vida e seus costumes [de São Bento], poderá encontrar no mesmo ensinamento da Regra todas as ações de seu magistério, porque o santo varão de modo algum pôde ensinar outra coisa senão o que ele mesmo viveu” (16).
_________Plinio Maria Solimeo: catolicismo@terra.com.br
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Notas:
1. Pio XII, Carta encíclica em comemoração do XIV centenário da morte do patriarca de Montecasino, 1947, Apud Dom Garcia M. Colombas, San Benito, Su Vida Y Su Obra, Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1968, Prólogo, p. XIII. Seguimos principalmente essa obra para a elaboração deste artigo, citando o número da página e o local em que se encontra a citação.
2. Dom Próspero Guéranger, El Año Liturgico, Editorial Aldecoa, Burgos, 1956, vol. II, pp. 885-887.
3. Dom Garcia M. Colombas, San Benito, Su Vida, Su Regla. Prologo, Biblioteca de Autores Cristianos, Madri, 1968, p.xiii.
4. Dom Colombas, op.cit., Introducción General, p. 49.
5. Livro II dos “Diálogos”, Introdução, in op.cit. p.173.
6. Dom Colombas, op.cit., p. 62.
7. Id. Ib., p. 65.
8. In Dom Colombas, Introducción General, op.cit., p.143.
9. Op.cit., pp. 67-68.
10. Id.ib., p. 69
11. Id. ib., pp. 70-71.
12. Id.ib., p.73.
13. Id. ib., p. 75.
14. Id.ib., p. 79.
15. Id. ib., p. 81.
16. Diálogos, II, 36, in op. cit. p. 255.
(Fonte: Catolicismo.com.br – O título é nosso)