Catolicismo

SÃO PEDRO, PRIMEIRO PAPA DA IGREJA

SÃO PEDRO, PRIMEIRO PAPA DA IGREJA

 

Desde a crucificação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja, que ali nascia aos pés da Cruz, sofre difamações e perseguições dos precursores do Anticristo, que negam que Jesus é o Cristo (cf. I S. Jo 2,22). Difamar e perseguir a Igreja é rejeitá-la enquanto instituição divina, o que implica os mesmos efeitos de rejeitar o próprio Cristo, porquanto Ele disse aos apóstolos: “Quem vos ouve, a mim me ouve; e quem vos rejeita, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (S. Lc 10,16).

As seitas são as grandes empreendedoras das perseguições e difamações à Igreja. Sua influência entre os povos depende diretamente da “liberdade religiosa”, a qual, por sua vez, depende de que não haja a autoridade religiosa do chefe da Igreja. Como poderia haver tal liberdade, se Cristo deu sua autoridade a São Pedro para definir quais são as verdades de fé? Contra essa autoridade as seitas arregimentam em suas fileiras multidões de adeptos, nutridos pelo espírito mundano e naturalista do Anticristo, espírito que está em constante contradição com o Espírito da Igreja. Por isso ensina São Pio X: “A Igreja Católica é tão perseguida, porque assim foi também perseguido o seu Divino Fundador, e porque reprova os vícios, combate as paixões e condena todas as injustiças e todos os erros” [1]. A revolução protestante, inoculadora de tantos erros e vícios na sociedade cristã, foi a primeira rejeição organizada à Igreja, tendo na destruição do papado sua principal motivação. Veremos, porém, que o papado foi instituído por Cristo na pessoa do apóstolo São Pedro, e sua primazia entre os apóstolos é um dado revelado das Escrituras e, portanto, um artigo de fé obrigante a todo cristão.

TU ÉS PEDRO

A primeira e mais recorrente negação do papado está na deturpação da solene declaração de Nosso Senhor a São Pedro: “Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela (S. Mt 16,17-18).

Os deturpadores do Evangelho dizem que Cristo não fundou a Igreja sobre São Pedro, mas sobre Si mesmo. Recorrem ao seguinte estratagema: a pedra de que fala Jesus é Ele mesmo, a pedra angular (cf. At 4,11), enquanto São Pedro é a pedra de tropeço (cf. S. Mt 16,23). Tais afirmações, além de absurdas no nível interpretativo, não se sustentam etimologicamente. Nos textos em grego, verificamos que Nosso Senhor dá um novo nome a Simão, chamando-o Petros (Πέτρος), e, em seguida, afirma que sobre essa petra (πέτρᾳ) edificará Sua Igreja. Ora, se Nosso Senhor se referisse a Si mesmo, deveria constar, ao invés de petra, o termo lithon — como, por exemplo, em I S. Pd 2,6, onde se usa o termo lithon akrogōniaion (λίθον ἀκρογωνιαῖον, pedra angular). Tampouco petra significa pedra de tropeço, que no grego é lithos proskommatos (Λίθος προσκόμματος) (cf. I S. Pd 2,8). Portanto, trata-se de palavras muito diferentes. A palavra grega petra denota rocha [2], que, no contexto, é o terreno firme sobre o qual a Igreja será edificada. Esse terreno firme foi consolidado por São Pedro, quando, sob inspiração do Espírito Santo, fez a profissão de fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!” (S. Mt 16,16). Já as palavras lithon ou lithos denotam uma pedra avulsa, que são empregadas para significar pedra angular ou pedra de tropeço.

A afirmação papal de Pedro fica ainda mais evidente quando consideramos o texto original em aramaico. No grego, é necessário fazer a distinção de gênero, e por isso o nome Petros é o masculino de petra. No aramaico, não há essa distinção, sendo exata a identificação entre o nome próprio Pedro (Céfas, transliteração de Kephas) e o substantivo pedra (kephas).

Resta ainda analisar o trecho no campo interpretativo. Aplicando-se a interpretação protestante, ele seria entendido como: “Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas […] E eu te declaro: tu és uma pedra de tropeço, e sobre esta rocha que sou Eu mesmo, edificarei a minha Igreja […] E eu te darei as chaves do Reino dos céus”. Fica claro que essa interpretação não tem sentido: no mesmo momento em que Jesus diz que Simão é bem-aventurado pela sua profissão de fé e muda seu nome para Pedro, para significar “Simão Pedra”, e ainda lhe dá as chaves do Reino dos Céus e o poder de ligar e desligar o que quiser entre o Céu e a terra, Jesus também diz que Pedro é uma pedra de tropeço (ocasião de pecado), e que não é sobre ele, Pedro, que edificará sua Igreja. Ademais, quando Nosso Senhor admoesta São Pedro dizendo “retira-te de mim, Satanás; tu serves-me de escândalo [pedra de tropeço]”, está se referindo ao próprio Satanás, que, por meio de São Pedro, tenta-O para que não se cumpra o desígnio do Calvário.

EU TE DAREI AS CHAVES DO REINO DOS CÉUS

Após Nosso Senhor declarar solenemente São Pedro como pedra fundante da Igreja, Ele lhe promete as chaves do Reino dos céus: “Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (S. Mt 16,19). Há aí uma omissão importante por parte das seitas. No contexto dos tempos bíblicos, havia nas monarquias judaicas os ministros do rei, e entre eles um ministro que o representava diretamente, podendo falar em seu nome (cf. I Rs 4,6; Is 36,3). Na ausência do rei, esse ministro fazia as vezes de seu senhor como o segundo no comando e carregava, literalmente, as chaves do reino atadas ao seu pescoço: “Porei sobre seus ombros a chave da casa de Davi; se ele abrir, ninguém fechará, se fechar, ninguém abrirá” (Is 22,22). Nota-se aí o impressionante paralelo entre Is. 22,22 e S. Mt. 16,19, pelo qual se compreende que, quando Cristo diz a São Pedro que lhe dará as chaves do Reino dos Céus, não usa de uma metáfora ou de um símbolo, mas da forma mesma que o povo hebreu entendia o reinado. São Pedro é, portanto, o ministro a quem o Rei, após Sua ascensão ao Céu, delegou o poder de falar por Ele e comandar a Igreja militante, Reino de Deus na terra.

ROGUEI POR TI, PARA QUE TUA FÉ NÃO DESFALEÇA

Terminada a Ceia, Nosso Senhor institui o Sacramento da Eucaristia, e, em seguida, surge entre os apóstolos a discussão sobre qual deles seria o maior (cf. S. Lc 22,24). Jesus então explica que o maior entre eles deverá ser o que serve e, não, o que é servido. Nosso Senhor então destaca São Pedro dos demais apóstolos, e diz: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos” (S. Lc 22, 31-32). Como ensina Santo Agostinho, nada do que está nas Escrituras é por acaso. É bastante significativo que Nosso Senhor tenha conferido a São Pedro, e somente a ele, uma fé infalível, logo após os apóstolos especularem sobre quem entre eles era o maior. Mais ainda, Nosso Senhor dá a ele a autoridade de confirmar os irmãos na fé. Isso só seria possível se São Pedro tivesse de fato uma fé isenta de erros, para que, nos momentos de dúvida doutrinal, pudesse confirmar a verdade da fé. A garantia de uma fé infalível é também uma condição lógica do poder das chaves, pois seria impossível ligar os erros terrenos ao Céu.

APASCENTA OS MEUS CORDEIROS

Nosso Senhor, já ressuscitado, manifestou-se a São Pedro no episódio da pesca milagrosa, quando lhe fez uma pergunta também bastante significativa: “Simão, filho de Jonas, amas-me mais do que estes? E ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe: Apascenta os meus cordeiros” (S. Jo 21,15). Vê-se que, novamente, Ele quis destacar o apóstolo como aquele que O amava mais que os outros discípulos. São Pedro, sem hesitar, confirma seu amor três vezes, após três admoestações de Nosso Senhor, redimindo-se das três vezes que O tinha negado na madrugada da crucificação (cf. S. Lc 22,34).

As seitas se utilizam do episódio das três negações de São Pedro como falhas que inviabilizariam o dogma da infalibilidade papal. Essas falhas pessoais, porém, foram fruto da fraqueza humana, do medo de ser apanhado e sofrer os mesmos suplícios que Cristo. O dogma assevera que o Papa é infalível exclusivamente ex cathedra, isto é, em matérias de fé e moral, pela assistência do Espírito Santo — e, não, por mérito próprio, como costumam aludir. Já a pessoa do Papa continua falível, passível das fraquezas e vicissitudes humanas.

Ainda sobre a passagem de S. Jo 21,16, atentemos para a frase: “apascenta os meus cordeiros”. A palavra “apascenta” é traduzida do grego poímaine (ποιμαινε), o imperativo do verbo poimaíno (ποιμαινω), que significa “liderar, guiar ou governar” [2]. Essa mesma palavra é usada em outras passagens para demonstrar a autoridade do governo de Jesus Cristo: “Ele as regerá [ποιμανει] com cetro de ferro” (Ap 2,27) e “aquele que deve reger [ποιμαινειν] todas as nações pagãs com cetro de ferro” (Ap 12,5). Logo, concluímos que Jesus transmite Sua autoridade de governo a Pedro, que deverá pastorear (guiar, governar) seus cordeiros (a Igreja).

O BOM PASTOR DÁ A SUA VIDA PELAS OVELHAS

Jesus Cristo é o bom pastor por excelência. Porém, antes de ascender ao Céu, delegou a função de pastoreio de Seu rebanho a São Pedro, a quem, a partir de então, coube a missão de dar a vida pelas ovelhas (cf. S. Jo 10,11). Paralelamente, foi dado a São Pedro, o primeiro entre os apóstolos, a missão de servir seus irmãos com a própria vida, conforme a lição de Nosso Senhor na Ceia: “Pois qual é o maior: o que está sentado à mesa ou o que serve? Não é aquele que está sentado à mesa? Todavia, eu estou no meio de vós, como aquele que serve. E vós tendes permanecido comigo nas minhas provações” (S. Lc, 22, 27-28). Jesus identifica os que permanecem com Ele nas provações como aqueles que servem, pois que a verdadeira provação do cristão é enquanto age pela caridade.

São Pedro, assim como muitos de seus sucessores, agindo pela caridade, deram a própria vida pelas suas ovelhas, entregando-se ao martírio. Mas há ainda outra forma de martírio que não o de entregar-se a morte: o martírio espiritual de sofrer com resignação as tribulações dos tempos, e dele muitos outros papas também sofreram, como bons pastores do povo de Deus.

 

Fontes:
[1] Catecismo Maior de São Pio X, q.177.
[2] GINGRICH, F. W.; FREDERICK, W. D. Léxico do Novo Testamento: Grego/Português, 1984.

 

 

(Fonte: Revista Benedicta O Apostolado em seu Lar, Vol. 2, Número 3, Março/2021, Editora Irmandade do Carmo, pp. 10-13 – artigo de Marcos Domingues, Parte I)

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