Catolicismo
FESTA DE PENTECOSTES
FESTA (SOLENIDADE) DE PENTECOSTES
Vem-nos o nome desta festa, bem como o de Páscoa, do povo hebreu, e a palavra Pentecostes o intervalo de cinquenta dias entre as duas. Foram ambas de instituição divina, a primeira em memória do fim do cativeiro no Egito, a segunda em memória da promulgação da lei antiga no monte Sinai. A Igreja de Jesus Cristo, anunciada no Antigo Testamento, sucedeu à sinagoga judaica, e a lei da nova aliança substituiu a da antiga, desde o dia que hoje celebramos, em que desceu o Divino Espírito Santo visivelmente no cenáculo, e deu à nascente Igreja a lei de graça e amor, da qual depende a salvação do mundo. No meio de trovões e de trombetas, foram entregues a Moisés, escritos em tábuas de pedra, os divinos mandamentos para povo prostrado ao pé do monte abrasado.
No Pentecostes, porém, veio o próprio Espírito Santo no Cenáculo, em formas de línguas de fogo, para gravar em todos os corações a lei do divino amor, santificá-los com sua graça. Sejam nossos sentimentos, diz S. João Crisóstomo, os mesmos que animavam os discípulos do Senhor, e nós também receberemos o Espírito Santo, e em nosso coração gravará a sua lei: o amor de Deus, o amor do próximo por Deus, eis que cifram seus preceitos.
A circuncisão interior, ou repressão dos perversos instintos da natureza, será o sacrifício quotidiano da nossa alma.
Estavam juntos os Discípulos com a Mãe de Deus no lugar acostumado das suas orações, quando, pelas nove horas da manhã, ouviu-se grande estrondo como de vento impetuoso, que abalou toda a casa e retumbou por toda cidade. Eram sinais este rumor e vento, estas impressões sensíveis, da presença da Divindade, como outrora, no Sinai, manifestaram a majestade divina os trovões, os relâmpagos, a montanha envolta em fumos e chamas. Nisso, porém, não ficou a maravilha, senão que, junto com o vento ou tufão, apareceu um globo abrasado, que se partiu logo em várias labaredas ou línguas de fogo, e foram estas colocar-se sobre a cabeça de cada um membro da santa assembleia. Não era fogo aquele real e material como o nosso, mas o sinal exterior e sensível dos efeitos produzidos pelo Espírito Santo no coração dos discípulos aí presentes, e que havia de produzir nos demais fiéis, ao comunicar-lhe seus dons. De fato, mal receberam em si os Apóstolos e Discípulos o Divino Espírito, que logo se sentiram abrasados deste fogo divino, iluminados de luzes sobrenaturais, com que lhes vinha perfeita inteligência dos mais relevantes mistérios, das verdade mais sublimes, animados de extrema coragem e valentia, em tudo mudados em novos homens. Logo depois de chegado o Espírito Santo, S. Pedro fez tão admirável discurso, tão enérgico e tocante, que não sabiam se era homem ou anjo a falar. Não menos de três mil conversões resultaram deste primeiro sermão de S. Pedro.
Cabe aqui notar que, em ponto de línguas, dava-se duplo milagre nos Apóstolos: o primeiro, que falavam a cada qual na sua língua, fosse Grego ou Persa, ou Romano, etc.; o segundo, que todos os entendiam quando falavam a todos em geral, ainda que só usassem então da sua própria língua. Quantas maravilhas se seguiram! Quantos milagres, quantas conversões portentosas, em Jerusalém; quantos prodígios em toda Judéia, na Samaria, no mundo todo, conforme a palavra de Cristo! Eram necessários os milagres para estabelecer a Igreja de Jesus Cristo; e sempre os haverá na mesma Igreja. Quem não vê, porém, que é de todos os milagres o mais estupendo e demonstrativo, o próprio estabelecimento e conservação da Igreja, milagre este sensível e que dura sempre!
Sem armas, sem dinheiro, sem arte, sem meio algum deste mundo, resolvem doze pobres pecadores estabelecer no mundo universo uma nova religião, começando por destruir todas as demais. Pretendem impor à terra toda a adoração de um só Deus em três pessoas distintas, todas as três o mesmo Deus, que é só; e a terra toda há de crer que se fez homem este Deus que morreu na cruz para resgate dos homens; que, ressuscitado no terceiro dia, subiu, depois de quarenta dias, ao céu, donde há de vir no fim dos séculos a julgar-nos todos, e premiará com eterna felicidade os que acreditaram em seus dogmas e executaram seus mandamentos, morrendo assim em sua graça, e punirá com inimagináveis suplícios, por toda eternidade, os que morrerem em pecado mortal. Se tão somente com esses dogmas incompreensíveis apresentassem moral cômoda, sensual, voluptuosa, favorável aos sentidos, como a que reinava no mundo todo, havia tantos séculos, sempre alguns haveria que dissessem: Deixe-nos viver a nosso talante, e creremos quanto quiserem.
Mas a moral que trazem os Apóstolos, na verdade, a mais santa, pura e racionar que imaginar se pôde, e, entretanto, a mais austera, a mais contrária ao amor próprio, a mais infensa aos sentidos, à volúpia. Somos todos, por natureza, soberbos. Ora, exige a nova religião a mais profunda humildade como fundamento do edifício espiritual. Somos naturalmente carnais, levados pelas paixões, escravos do amor próprio e da atração do mal, voluptuosos, interesseiros, vingativos, coléricos; e eis que exige a nova moral contínua mortificação, pureza sem mancha, desinteresse perfeito, caridade que de todos se compadeça, a todos benfazeja, mansidão e paciência que ature e perdoe as mais atrozes injúrias, enfim, exige de nós vida toda santa, sempre crucificada, em luta sempre contra os sentidos, contra o amor próprio, contra todas as paixões. E lá vem uma dúzia de tristes pecadores, ignorantes, sem talento algum, desprezíveis, ínfimos entre todos os homens, lá vêm eles trazer aquilo tudo para propô-lo, inculcar e impor a quem?
A gregos e romanos, a celtas e persas, índios e egípcios, africanos e gauleses, a todos os povos da terra habitada; que risível pretensão, que loucura temerária, que extravagância!
Entretanto, o louco e extravagante cometimento dos Apóstolos em dia de Pentecostes, embora impossível, realizou-se, e com os próprios olhos, vemos este milagre. Sim, aqueles povos todos acreditaram, abraçaram esta santa lei, sujeitaram-se a esta moral tão adversa ao corrupto coração humano, tão contrária à soberba do espírito, aos preconceitos do interesse e da nacionalidade. Expirou o paganismo em meio das fogueiras por ele ateadas contra os cristãos, para abafar o Evangelho. Foi semente de fiéis, o sangue de quinze milhões de mártires.
Hoje, de fato, a cruz brilha até sobre o peito dos bravos soldados. Ora, quem lembrará, quem achará maior milagre? Ele é permanente e durará até o fim do mundo, efeito maravilhoso do Espírito Santo no dia de hoje. Tal foi a virtude do mistério que celebramos, o fruto da festa de Pentecostes. Que muito, pois, que a celebre a Igreja com tanta solenidade e que a chame, com Eusébio, a maior de todas as festas!
Por que desceu o Espírito Santo sobre os Apóstolos como línguas de fogo?
Ere este o símbolo exterior dos seus efeitos nos corações. Assim como o fogo alumia, eleva, purifica, muda em si tudo quanto por ele é abrasado, o mesmo operou o Espírito Santo nos Apóstolos, e o mesmo opera até hoje nos que dignamente o recebem. Entende-se como as línguas de fogo a pregação do Evangelho pelos Apóstolos, que, transformados em novos homens, cheios de luz e coragem, povoaram a terra dos cristãos.
Com que disposições recebemos o Espírito Santo, celebrando dignamente a festa de Pentecostes?
1ª. Desejo ardente de receber o Divino Espírito. 2ª. Sincero desapego dos nossos defeitos. Muito carecemos do Espírito Santo, tempo mais próprio não há que o dia de hoje para chamá-lo; não esqueçamos, porém, que não o receberão as almas carnais e dominadas pelo vício.
Como provaremos que amamos a Deus?
Cumprindo exatamente os seus mandamentos.
Quais são os dons do Espírito Santo?
1º. O dom de sabedoria, com o qual preferimos as coisas do Céu às terrestres, e conhecemos os verdadeiros meios de salvação; 2º. O dom de inteligência, para bem entendermos as verdades da salvação, a doutrina da religião; 3º. O dom de conselho, que nos mostra o que devemos fazer ou evitar, o que devemos aconselhar aos outros; dom muito necessário em tantos passos melindrosos da vida; 4º. O dom de força (fortaleza), que despreza todo temor ou respeito humano para fugir do vício e praticar a virtude, para afrontar os desprezos, os danos temporais, as perseguições, a própria morte antes que renegar a Jesus Cristo por palavra ou obra; 5º. O dom de ciência, para conhecer e evitar as ciladas do mundo, carne e diabo; 6º. O dom de piedade, que nos dá o gosto pelas coisas divinas, e nos torna delicioso a relação e o colóquio com o Criador; 7º. O dom de temor de Deus, temor filial, que nada receia tanto como desagradar-lhe, e nos afasta do pecado como do maior dos males.
Quais são os frutos do Espírito Santo?
Assim os enumera S. Paulo (Gálatas V, 22): caridade, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, longanimidade, brandura, fé, modéstia, temperança, castidade, doze ao todo.
Estas virtudes no cristão, assinalam a presença do Espírito Santo, como se conhece pelos frutos a árvore.
Desde de hoje até o Advento não cessa a Igreja de exortar-nos a que as pratiquemos.
(Fonte: livro Manual do Christão – Goffiné, Frei Leonardo Goffiné, Colégio da Imaculada Conceição, Botafogo/RJ, 10ª edição/1925, Dominga de Pentecostes, pp. 557-563 – Texto revisto e atualizado e alguns destaques acrescidos)