Ave Crux, Spes Unica!
Ninguém passa por esta vida sem cruzes. A escolha se faz diante de três cruzes: a primeira é a de Cristo; a segunda, a do bom ladrão; e a terceira, a do mau ladrão. A primeira leva à glória e pertence aos inocentes, que, assim, se assemelham bastante a Cristo. A segunda proporciona consolação e pertence aos penitentes, que, por meio da paciência, não perdem nem a resignação, nem a paz. Quem não toma sobre si uma dessas duas carregará certamente a terceira, a do mau ladrão. Sofrerá muito mais e sem merecimentos. Ou pior: essa cruz lhe servirá de escada para descer às profundezas do inferno.
Aqui na terra, toda penitência é breve, passageira e eficaz. No inferno, porém, é longuíssima, duradoura e inútil. Quem não quiser penitenciar-se nesta vida arrepender-se-á inutilmente na outra. A alma justa, uma vez obtida a glória, agradecerá imensamente a penitência praticada na terra. Em troca de pouco sofrimento alcançará felicidade sem fim na outra vida! Contrariamente, a alma condenada amaldiçoará seus prazeres, os falsos amigos e os pecados cometidos. “Insensatos… ficamos enredados nos caminhos da iniquidade e da perdição… e ignoramos o caminho do Senhor”[1]. Teremos um dentre dois destinos. Insensato é quem conhece tais possibilidades pela fé, mas não se preocupa em escolher bem, enquanto está com vida. Na eternidade o arrependimento só vai aumentar-lhe o desespero.
Nosso Senhor somente nos mostra a cruz para que tenhamos o merecimento da boa vontade em aceitá-la por seu amor. Na verdade, é ele que a carrega por amor a nós. As adversidades são sinais de amor, feridas medicinais com as quais Deus corrige a nós, pecadores, e nos prepara para a eternidade. Tenhamos, portanto, sempre fixo nosso olhar nas santas chagas para nos animar a suportar pacientemente as provações e os trabalhos de nossa peregrinação terrestre e a carregar nossa cruz com a esperança de obter a coroa eterna. Se assim não o fizermos, teremos que as contemplar no dia do juízo, para nossa confusão e vergonha: “olharão para aquele que traspassaram”[2].
Coragem, coragem! Através dos olhos da fé, procuremos contemplar as chagas do Deus de misericórdia, que pende da cruz. À luz desta contemplação, que força não obterá nosso coração para combater intrepidamente contra as tentações e suportar tribulações, pobreza e enfermidades? Detenhamo-nos diante das chagas do Crucificado e contemplemos, depois, as cicatrizes do Ressuscitado. Contemplemos sua Santa Cruz. Assim, constataremos o fato de que muitas são as tribulações dos justos, mas Deus finalmente os libertará de todas elas[3] e os presenteará com uma coroa eterna no céu.
O Bom Jesus nos mostra o caminho, vai ao encontro da cruz, caminhando diante dos apóstolos com passo apressado[4], para demonstrar a prontidão de vontade e o fervor de espírito com que padeceria, sem temer os sofrimentos que o aguardavam em Jerusalém. S. Marcos salienta a preocupação de Jesus em caminhar com passos rápidos em direção à humilhante obediência de sua paixão e morte, para que se perceba a força do amor divino. Este é como o fogo, como o estímulo, como o aguilhão que impulsiona com maior fervor em direção à obediência mais penosa para a carne, mas agradável a Deus. Contrariamente, o egoísmo e o amor próprio andam como se tivessem pés de chumbo, quando se trata do exercício árduo das virtudes, mas se apressam e correm, quando se trata do que oferece prazer e honra.
Ó Meu Bom Jesus, como é oposto o vosso espírito ao espírito do Mundo! Este aspira à preeminência sobre todos nas honras e nos prazeres terrenos; o vosso, ao contrário, quer a preeminência nas humilhações e nos sofrimentos; aquele, nas obras de maior glória mundana; o vosso, ao contrário, naquelas de maior ignomínia.
Não é verdade que, se vivemos a amargura dos pecados, das tentações ou de qualquer outra dificuldade, ao colocarmo-nos aos vossos pés, passamos a sentir-nos mais consolados à vista de vossas santas chagas? Que imenso conforto ao ver-vos, Bom Jesus, com os braços abertos, querendo abraçar a todos, ao contemplar vosso Coração aberto que deseja esconder-nos dentro, ao olhar vossa fronte coroada de espinhos inclinada, como que procurando levar-nos ao paraíso!
Imprimistes-nos em vossas santas mãos, através das chagas dos cravos, e nos carregareis convosco para sempre. Desenhastes-nos com vosso sangue, tão profundamente que nem o tempo, nem a eternidade poderá apagar. Ó Bom Jesus, que tenhamos sempre os olhos fitos em vós. Vossas chagas e sangue devem ser nossa esperança. Um Deus, morto por nós e em meio a tantos tormentos e humilhações, tem que ser nossa doce esperança! Ao subir ao céu, continuais a mostrar ao Divino Pai as cicatrizes das chagas para movê-lo à compaixão por nossas fraquezas e redimir-nos. Permanecei conosco, meu Bom Jesus, e fazei-nos permanecer sempre unidos a vós e à vossa santa cruz, nossa única esperança.
__________Extratos dos escritos de S. Gaspar Luiz Bertoni, sacerdote e congregado mariano
[1] Sb 5, 4-7
[2] Jo 19,37
[3] Sl 34,20
[4] Mc 10,32
☞ NOTA (nossa): São Gaspar Bertoni (1777-1853), foi o fundador da Congregação dos Estigmatinos (Congregação dos Sagrados Estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo).
(Fonte: site Salve Maria)