FESTA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
AS REVELAÇÕES DO CORAÇÃO DE JESUS
O Evangelista, narrando a morte de Jesus Cristo, salienta uma particularidade, que durante longos anos não foi compreendida em toda a sua extensão, como nós a compreendemos hoje, graças à revelação do Coração de Jesus a Santa Margarida Maria.
Um dos soldados abriu -lhe o lado com uma lança e imediatamente saiu sangue e água. Quando o soldado trespassou o lado da divina Vítima, Jesus havia já exalado o último suspiro.
Ora, de um cadáver, conforme as leis da fisiologia, não pode mais sair nem sangue, nem água, tendo este coagulado, e o próprio coração não conserva mais sangue fluido.
Há, pois, neste fato, uma particularidade misteriosa, milagrosa, que tem a sua significação.
Esta significação é a devoção ao Coração de Jesus, que nasce do seu Coração trespassado pela lança, e que Ele mesmo revelará ao mundo no tempo determinado.
Meditemos a gênese desta devoção, até chegar ao seu pleno triunfo no mundo; vejamos:
I – Os preliminares da revelação.
II – A grande revelação.
I – PRELIMINARES DA REVELAÇÃO
Na Igreja tudo se faz com ordem, peso e medida.
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus passou despercebida nos primeiros séculos, estando os fiéis ocupados em defenderem-se contra os ataques das numerosas heresias que, pretendiam negar a realidade da encarnação, ou negavam a Nosso Senhor o culto supremo de oração, como Ario e outros fizeram.
É, pois, natural que os Santos Padres tenham falado pouco do Coração de Jesus.
Origines, no 2º século, diz estas belas palavras que provam que a tal devoção não era, entretanto, desconhecida:
“É certo que João descansou no Santuário do Coração de Jesus, no meio dos mais íntimos segredos da sua doutrina, e que procurou penetrar nos tesouros da ciência e sabedoria”.
Santo Agostinho disse também: “O soldado abriu para mim o lado do Salvador com a lança, e entrei nele e ali repousei com segurança”.
Chegando a época do triunfo da Igreja no mundo, reinando como soberana, parece que a devoção ao Coração de Jesus podia expandir-se e florescer; mas não, a época não havia chegado ainda.
São Bernardo, na idade média, tem acentos de amor entusiasta para este divino Coração, mas reserva estes acentos para o claustro e não os lança no meio do mundo.
Querem ouvir um destes acentos apaixonados?
“Ó doce Jesus, exclama o santo, eu vos suplico como sendo meu Deus, admitir-me no santuário de vosso Coração. Ele não foi trespassado senão para nos permitir habitar nele, para que a chaga visível nos fizesse conhecer a chaga invisível com que o amor vos feriu. Quem poderá, deixar de amar este Coração trespassado por nós, e permanecer insensível a seu amor?”
São Francisco de Assis, São Domingos, São Boaventura, Santa Catarina de Sena cultivaram a devoção ao Sagrado Coração, mas não a pregaram publicamente.
Escutem São Boaventura: “A porta do paraíso está aberta; a lança do soldado afastou a espada que defendia a sua entrada. Ó alma, considerai vosso Esposo querido: Ele abriu o seu lado, para dar-vos o Coração”.
Santa Catarina de Sena foi favorecida pela aparição do Sagrado Coração.
Um dia Nosso Senhor lhe apareceu numa visão e lhe tirou o seu Coração terrestre, pata entregar-lhe o seu próprio Coração, que trazia na mão, dizendo: “Minha filha, eu tirei o teu coração, e te dou o meu, para que vivas com ele”.
Santa Gertrudes, mais favorecida ainda teve revelações do Coração de Jesus, que não são inferiores às de Santa Margarida. Recolhamos apenas, como prova, a seguinte, feita a Santa por S. João Evangelista.
A Santa perguntou ao Apóstolo, porque não manifestou no Evangelho as ternuras do Coração de Jesus, que havia experimentado, reclinando-se sobre ele na última Ceia.
O Apóstolo respondeu: “Durante os primeiros anos da Igreja, o meu ministério devia limitar-se a dizer sobre o Verbo encarnado, Filho Eterno do Pai, umas palavras fecundas, que a inteligência dos homens pudesse meditar, sem jamais esgotar as suas riquezas; porém, a graça de ouvir as pulsações do Coração de Jesus, está reservada para os últimos tempos.
“Ouvindo esta voz o mundo rejuvenescerá, sairá de seu torpor, e o calor do amor divino o inflamará ainda”.
Apesar destas revelações a compreensão da devoção ficou reservada ao coração de umas almas piedosas, e ninguém recebeu de Nosso Senhor a missão de espalhá-la no mundo.
A hora não havia chegado.
II – A GRANDE REVELAÇÃO
A hora marcada nos desígnios de Deus havia soado, na época em que os sentimentos mais nobres pareciam naufragar num materialismo e num sensualismo degradante.
Nosso Senhor havia reservado este grande meio de salvação, para o tempo que bem parece ser o último e que é o da nossa época atual.
O divino Coração escolheu como confidente das suas comunicações sobrenaturais, uma humilde religiosa da Visitação, Margarida Maria, encarregando-a de fazê-lo conhecido no mundo inteiro.
É preciso citar em inteiro uma destas revelações, tão admiráveis, e tão misericordiosas, que deviam ser escutadas de joelhos:
“Um dia em que estava prostrada diante do SS. Sacramento exposto, escreve a Santa, experimentei um atrativo interior, que concentrou acima de mim todas as faculdades da minha alma e todos os meus sentidos.
“Então apareceu-me Jesus Cristo, meu divino Mestre; estava radiante de glória, e as suas cinco chagas resplandeciam como outros tantos sóis.
“Chamas brotavam da sua santa humanidade, mas sobretudo de seu divino peito que parecia ser uma fornalha.
“No meio deste fogo ardente, ele me mostrou o Coração, cheio de amor, como a fonte donde se irradiavam estas chamas.
“Fez então passar diante de mim as inefáveis maravilhas de seu amor, descobrindo-me o seu poder maravilhoso, que chegava até a fazê-lo amar os homens, sem receber deles outra cousa, senão frieza e ingratidão.
É isso, disse ele, o que mais me atormenta de tudo o que tenho sofrido durante a minha paixão!
“Oh! se pelo menos me retribuíssem amor por amor, como julgaria pouco tudo que tenho feito para eles!
“Se o pudesse, faria para eles muito mais do que tenho; porém, não recebo deles senão toda espécie de frieza e de insultos, em troca do ardor com que lhes faço o bem!
“Numa outra aparição, Nosso Senhor mostrou à confidente, o seu Coração, encimado de uma cruz, envolto em espinhos e cercado de chamas, capazes de consumir o mundo inteiro.
“Pediu que a primeira Sexta-feira que segue a oitava do SS. Sacramento, fosse reservada à celebração de uma festa, destinada a honrar o seu Coração e a reparar os atos indignos cometidos contra ele no SS. Sacramento.”
* * *
Tal foi a missão confiada a Santa Margarida Maria.
Ela recebeu ordem sem ter os meios de executá-la. Nosso Senhor quis encarregar-se de tudo.
A confidente devia fazer conhecer e espalhar a devoção ao Coração de Jesus no mundo inteiro sem deixar de obedecer a suas superioras.
Estas superioras, seus confessores e toda a sua comunidade levantaram-se contra ela e combateram as suas revelações tratando-a de visionária.
Após longas e cruciantes provações, Deus mandou-lhe um santo religioso, Pe. de la Colombière, que examinou o espírito que conduzia a humilde religiosa e declarou abertamente que era o espírito de Deus. Ele mesmo quis ser o primeiro adorador do Coração de Jesus e consagrou-se a Ele solenemente em 21 de junho de 1675.
A devoção tomou então impulso veemente. A Visitação de Moulins tomou a iniciativa em 1678, sendo seguido por Paray-le-Monial, em 1685.
Em 1688 o Arcebispo de Besançon inaugurou a festa em sua Arquidiocese, seguido de várias outras Dioceses.
A Santa Sé confirmou a criação da nova festa e S.S. Clemente XIII, em 1765 publicou o decreto, dando ao culto do Coração de Jesus a sanção apostólica.
Daí em diante a devoção percorreu o mundo fixando-se em todas as Dioceses, e até em todas as paróquias, formando hoje em dia, a devoção mais popular e mais extensa de todas as devoções na Igreja.
III – CONCLUSÃO
Eis como a devoção ao Sagrado Coração de Jesus desceu do peito aberto do divino Redentor, brotou de seu Coração ferido, sob a forma de sangue e de água. De sangue, para significar o seu valor; e água, para manifestar o seu fim.
O sangue é o elemento da expiação.
A água é o elemento da purificação.
Expiar os crimes dos homens e purificá-los no amor de Jesus, tal é bem a dupla finalidade desta devoção.
Como disse o divino Mestre a Santa Gertrudes, e como repetiu a Santa Margarida:
“É o último esfôrço de meu amor aos homens e a última invenção deste amor. Desgraçados daqueles que não o aproveitarem!”
Vê-se claramente que é o último recurso predito por Nosso Senhor e que, não aproveitando esta última invenção de seu amor misericordioso, o mundo corre para um abismo irremediável.
Correspondamos pois a este convite e de hoje em diante, mais ainda do que no passado, consagremo-nos ao Coração de Jesus, façamo-lo reinar em nosso vida, em nossa pátria, praticando os exercícios por Ele pedidos, que são entre outros: a Hora Santa, a Comunhão da primeira Sexta-Feira do mês, a entronização da sua imagem em nossa família.
(Fonte: in, O Evangelho das Festas Litúrgicas e Dos Santos Mais Populares, Pe. Júlio Maria Lombaerd, Editora O Lutador, 2ª edição/1952, 41ª Instrução, pp. 229-234 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)