O verdadeiro nome do Brasil

Por que vai mal o Brasil? Porque nos esquecemos de nosso primeiro nome e, consequentemente, de nossa vocação. Somos Terra de Santa Cruz.

O verdadeiro nome do Brasil

A Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles de Lima.

Por que vai mal o Brasil? Porque nos esquecemos de nosso primeiro nome e, consequentemente, de nossa vocação. Somos Terra de Santa Cruz.

Por que vai mal o Brasil? Poderíamos responder essa pergunta de várias formas e a partir de vários pontos de vista. Mas, nesta breve matéria — com a qual queremos que você, brasileiro, tome consciência da altíssima vocação a que fomos chamados — procuraremos olhar simplesmente para a história do nosso descobrimento a partir de um breve relato, do Frei Vicente do Salvador, em sua obra “História do Brasil”, de 1627:

O dia em que o capitão-mor Pedro Álvares Cabral levantou a cruz […] era 3 de maio, quando se celebra a invenção da Santa Cruz, em que Cristo Nosso Redentor morreu por nós, e por esta causa pôs nome à terra que havia descoberto de Santa Cruz, e por este nome foi conhecida muitos anos. Porém, como o demônio com o sinal da cruz perdeu todo o domínio que tinha sobre os homens, receando perder também o muito que tinha sobre os desta terra, trabalhou para que se esquecesse o primeiro nome e lhe ficasse o de Brasil, por causa de um pau assim chamado, de cor abrasada e vermelha e com que se tingem panos, ao invés do daquele divino pau, que deu tinta e virtude a todos os sacramentos da Igreja, e sobre o qual ela foi edificada e ficou tão firme e bem fundada, como sabemos.

Talvez por isso, ainda que ao nome de Brasil tenham ajuntado o de estado, e lhe chamaram estado do Brasil, ficou ele tão pouco estável que, não havendo ainda hoje, quando isto escrevo, 100 anos que se começou a povoar, alguns lugares já vão se despovoando e, mesmo sendo a terra tão grande e fértil, […] nem por isso vai em aumento, antes em diminuição.

Disto dão alguns a culpa aos reis de Portugal, outros aos povoadores. Aos reis, pelo pouco caso que haviam feito deste tão grande estado, que nem o título quiseram dele, pois, intitulando-se senhores da Guiné, por uma caravelinha que lá vai, e vem — como disse o Rei do Congo —, do Brasil não se quiseram intitular; nem depois da morte do rei D. João III, que o mandou povoar e soube estimá-lo, houve outro que dele curasse, senão para colher suas rendas e direitos. Deste mesmo modo se portaram os povoadores, os quais, por mais arraigados que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal […]. Porque tudo querem para lá, e isso não têm só os que de lá vieram, mas ainda os que aqui nasceram: uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem e a deixarem destruída.

Donde nasce também que nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular […]. Nesta terra andam as coisas trocadas, porque toda ela não é república, sendo-o cada casa; e assim é, que estando as casas dos ricos — ainda que seja a custa alheia, pois muitos devem quanto têm — providas de todo o necessário, porque têm escravos, pescadores, caçadores, que lhes trazem a carne e o peixe, pipas de vinho e de azeite […], nas vilas muitas vezes não se acha isto à venda. Pois o que é fontes, pontes, caminhos e outras coisas públicas é uma piedade, porque, atendo-se uns aos outros, nenhum as faz, ainda que bebam água suja, e se molhem ao passar dos rios, ou se orvalhem pelos caminhos, e tudo isto vem de não tratarem do que há de ficar aqui, senão do que hão de levar para o reino.

Estas são as razões por que, como muitos dizem, não permanece o Brasil nem vai em crescimento; e a estas se pode ajuntar a que atrás tocamos de lhe haverem chamado estado do Brasil, tirando-lhe o de Santa Cruz, com que pudera ser estado, e ter estabilidade e firmeza.

Note-se que o relato acima, ao mesmo tempo que destaca a vocação a que fomos chamados, não deixa de expor os problemas humanos que desde o princípio impedem o crescimento de nossa nação. O autor culpa portugueses e nativos de usarem a terra “só para a desfrutarem e a deixarem destruída”. Ela, “mesmo sendo tão grande e fértil”, dom natural de Deus, é assolada pela corrupção dos homens, dos quais nenhum “zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. Examine cada brasileiro se não é exatamente o que se passa em nossos dias…

O motivo de verdadeira glória de um povo reside na sua virtude.

Mas o autor do texto em questão vai além. Sua análise tem como princípio e fim uma dimensão religiosa: a razão por que não temos “estabilidade e firmeza” é que trocamos o nome de Santa Cruz pelo de Brasil. Pode parecer ousada a afirmação do frade, especialmente em nosso tempo, em que os nomes parecem uma coisa meramente técnica, que em nada influencia a essência das coisas. Mas a verdade é que a opção de substituir um pau pelo outro — o madeiro da cruz de Cristo por um pau-brasil — indica a atitude equivocada que muitos de nós mantemos com relação ao nosso país. Os brasileiros tendemos a nos orgulhar dos aspectos meramente naturais de nossa terra, mas nos esquecemos que o motivo de verdadeira glória de um povo reside na sua virtude.

Não foi irrelevante a troca do nome. Trata-se da identidade de nossa nação. E a mudança nos acusa: preferimos nos vangloriar a gloriar-nos do que realmente importa. Essa postura se reflete, infelizmente, em nossa cultura, no modo como lemos nossa própria história — desprezando muitas vezes Portugal e o Evangelho que com ele chegou ao Brasil —, e pode até degringolar em um patriotismo “baixo” e vulgar — que nos retrata como o “país do carnaval”, da sensualidade e de um malfadado “jeitinho”, que tudo aceita, acomoda e tolera.

Diante de tudo isso, seria preciso exclamar: oxalá tivéssemos abandonado a Santa Cruz só no nome! Infelizmente, nossa herança cristã em muitos lugares se perdeu e, onde ainda vive, encontra-se sob terrível ameaça. Hoje também, mais do que no início de nossa história, o demônio trabalha para que nos esqueçamos de quem somos, para que apaguemos de nossa memória a vocação que desde o início nos foi dada por Deus e, assim, à deriva, sejamos presas fáceis do pecado e das ideologias do mundo.

Lutemos contra esse “Alzheimer” cultural e finquemos a Santa Cruz bem forte em nossos corações, nos corações de nossos familiares e nos lares onde crescerão nossos filhos. De nada adiantará sermos dotados de uma “terra tão grande e fértil”, de nada adiantará nossos bosques terem mais flores, se não procurarmos honrar a Deus com nossa vida, se não for a nossa alma o primeiro jardim onde habita a Santíssima Trindade. Recordemos a finalidade sobrenatural de nossa colonização e correspondamos a ela. Disso depende a “estabilidade e firmeza” de nossa pátria.

 

________Pe. Paulo Ricardo, artigo publicado no dia 23.10.2018.

 

NOTA: A Primeira Missa foi celebrada no Brasil no dia 26 de Abril de 1500 (Domingo da Pascoela, na Oitava da Páscoa), por frei Henrique de Coimbra, em Santa Cruz Cabrália, litoral sul da Bahia, sobre o ilhéu da Coroa Vermelha, local que hoje não mais existe devido ao movimento das marés, a ilhota que serviu de base para o nosso primeiro Altar Eucarístico acabou se unindo à terra e formando uma praia ampla, de areias brancas, e o quadro (acima) do pintor catarinense Victor Meirelles de Lima (1832-1903), foi a primeira obra de um artista brasileiro aceita com louvores no badalado Salão de Paris, porém, mostra, a cerimônia acontecendo na própria praia onde estava a assembleia (cf. https://pt.aleteia.org/2016/04/26/26-de-abril-de-1500-e-celebrada-a-primeira-santa-missa-no-brasil/).

 

 

(Fonte: site Padre Paulo Ricardo – Com alguns destaques acrescidos)

Sou Todo Teu Maria: “Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo.” (São Luis Maria de Montfort)