OS 40 MÁRTIRES DO BRASIL
O martírio se deu em 15 de Junho de 1570. A Memória, em 17 de Junho, ontem, foi omitida por coincidir com o 16º Domingo do Tempo Comum.
Portugal acabava de descobrir o imenso Brasil. Numa natureza luxuriante, encontrou povos nômades e colhedores, entregues à superstição, a guerras tribais, à antropofagia. Desde seus primórdios, a evangelização aí se desdobrou em humanização e promoção social. Ela devia proteger os índios contra os abusos de uma colonização mercantil e também contra a heresia, importada dos marinheiros huguenotes.
Desde 1549, o padre Manoel da Nóbrega e cinco outros jesuítas trabalham no Brasil com crescente sucesso. Em quinze anos, criaram, após cuidadosas aproximações e em meio a mil perigos, uma sólida cristandade de mil batizados e a mesma quantidade de catecúmenos.
Em 1565, o Padre Geral Francisco de Borja decide enviar ao Brasil um visitador, com o título de procurador geral das índias e do Brasil, a fim de confirmar e sustentar os missionários jesuítas em seus trabalhos. Este homem, de 37 anos, se chama Inácio de Azevedo.
Nascido em 1528, na cidade do Porto, Inácio entra na Companhia aos 22 anos, após um grande retiro de quarenta dias. Ele sonha com as missões longínquas: Angola e Congo, Índia e Japão… Entretanto, suas qualidades de chefe – é um Azevedo de alta nobreza – são prontamente requisitadas para o serviço nos colégios de seu país: Coimbra, Lisboa. Às suas tarefas de direção, somam-se os ministérios caros aos primeiros jesuítas: nos hospitais, nas prisões, junto aos camponeses pobres.
Em 1556, por ocasião da morte de Santo Inácio, quando o provincial se dirige a Roma, nomeia Azevedo vice-provincial. Ele tem somente 28 anos e ainda não é padre! Empreendeu rapidamente, a cavalo, a visita a sua Província, encorajando e fortalecendo seus irmãos em suas vocações e em seus trabalhos. Depois disso se torna, em Coimbra, um simples estudante de teologia.
Ordenado padre, funda o colégio de Braga, onde acumula as tarefas de reitor, porteiro, doméstico e ajudante de cozinha. Sua humildade conquista todos os corações.
Em 1565, quando morre Laínez, Inácio de Azevedo representa em Roma a Província de Portugal. Francisco de Borja, conhecedor de homens, fica impressionado por seu zelo e sua capacidade. Ele o encarrega de visitar, em seu nome e com toda a sua autoridade, a missão do Brasil.
Inácio executa a missão com sabedoria e discrição. Durante três anos, vive com seus irmãos do Brasil, partilhando suas fadigas, seus problemas, sua esperança. No final de sua estada, ele os deixa somente duas instruções: jamais entrar sozinho na cabana de um índio e fazer todos os anos um retiro de oito dias.
De volta a Roma, Inácio é encarregado por Francisco de Borja de recrutar e formar missionários para o Brasil. Em algumas semanas, encontra-se à frente de um contingente formado por 73 jesuítas, espanhóis e portugueses, e de uma boa vintena de leigos que partilham com eles o zelo pela missão.
Uma vez chegado a Lisboa, o pequeno grupo é expulso da cidade devido a uma epidemia de peste. Fora de questão o embarque, o porto está bloqueado. Inácio leva seu grupo para a outra margem do Tejo, para a casa de campo do colégio de Lisboa. Durante cinco meses, os prepara intensamente para a entrega de suas vidas ao Senhor e à missão. Todas as manhãs são consagradas à oração, à missa, a uma instrução espiritual. A tarde é dedicada aos trabalhos manuais, às visitas apostólicas e a pedir esmolas. À noite, vai-se em peregrinação a diversos santuários da região. Neste clima de grande fervor, os soldados de Cristo se preparam para o combate decisivo.
Enfim, o dia da partida é confirmado. No dia 5 de junho de 1570, Inácio embarca, com 39 companheiros, no Santiago. Os outros, cerca de trinta, são distribuídos nas outras embarcações.
Inácio obtém, a bordo de sua caravela, um espaço e um regime de vida bem distantes do estilo de um cruzeiro de luxo! Uma divisória de madeira separa seus homens dos outros passageiros. Eles têm um altar para a missa, celas para a oração, uma sala para as conferências e as assembleias litúrgicas. Todavia, a tripulação recebe todos os dias uma instrução espiritual de Inácio. Os passageiros são servidos à mesa e … catequizados pelos jovens jesuítas.
Após oito dias, a esquadra de sete navios chega à ilha da Madeira. O Vice-rei, Vasconcelos, decide permanecer ali durante seis meses, a fim de evitar as calmarias do mar da Guiné. Mas o capitão do Santiago, por razões comerciais, está decidido a partir, impaciente que está para chegar às Canárias. Sabe-se que Jacques Sourie, um corsário calvinista, pratica a pirataria nestes mares com cinco embarcações de guerra. Sabe-se também que deseja a morte aos jesuítas, após a dura derrota e a expulsão de uma missão dos huguenotes do Brasil.
Partir sem escolta é jogar-se na boca do lobo. Ficar com Vice-rei significa atrasar em um ano a missão. O que fazer? Inácio mergulha em suas orações, implorando a luz de Deus para tomar a decisão. Finalmente, contra toda prudência humana, escolhe o risco de uma morte quase certa. Ele deixa seus homens livres para permanecer na Madeira. Quatro jovens jesuítas preferem se separar dele. Eles são prontamente substituídos por quatro passageiros dos navios que restam.
Antes de deixar a Madeira com o Santiago, Inácio nomeia um vice-provincial e lhe remete todos os poderes, todos os seus documentos.
No dia 15 de julho de 1570, ao amanhecer, o vigia do Santiago anuncia, no horizonte, cinco embarcações que se aproximam rapidamente: os corsários!
O Santiago possui apenas cinco soldados. Nenhum jesuíta aceita pegar em armas, mas todos se preparam para socorrer os feridos… e morrer. A abordagem é terrível. Rechaçado três vezes, com grandes perdas, Sourie pede ajuda a suas outras embarcações para quebrar a resistência dos portugueses. Atingido por um golpe de sabre, depois crivado de golpes de lança, Inácio é jogado no mar. No fundo do porão seus jovens companheiros esperam a morte. Arrastados sobre a ponte, querem fazê-los cometer a apostasia, humilhá-los… Com coronhadas, quebram-se lhes os membros, antes de afogá-los.
Deve-se o relato desta carnificina ao único sobrevivente: o irmão cozinheiro João Sanchez, que os piratas pouparam para que pudesse servi-los.
Em compensação, o sobrinho do capitão do Santiago, que desejava ardentemente entrar na Companhia, mas que não estava com o hábito, receando ser privado do martírio, tira a vestimenta de um moribundo e a coloca: assim, pode gozar da sorte desejada por seus amigos jesuítas.
Dos quarenta mártires, somente dois eram padres.
Dez noviços e doze escolásticos destinados aos estudos sacerdotais. Dezesseis irmãos que se preparavam para o trabalho de catequistas e para o serviço material da missão do Brasil.
Do ponto de vista humano, a morte de quarenta jesuítas era uma catástrofe. A decisão de Inácio causa espanto, praticamente um suicídio, expor seus homens à cólera dos corsários franceses. Tinha o direito de sacrificar de uma só vez essa legião de jovens missionários? Não foi tomado por um misticismo duvidoso?
Esta é a nossa perplexidade, após quatro séculos, aqui em nosso conforto.
Na realidade, a história mostra que o sacrifício de quarenta jovens mártires não foi em vão. Diante da notícia da morte deles, uma onda de entusiasmo com relação à missão do Brasil agitou a Europa católica. O sangue dos mártires foi semente de cristãos e de apóstolos.
A Igreja reconheceu e confirmou o culto do bem-aventurado Inácio de Azevedo no dia 11 de maio de 1854.
(Fonte: livro Inácio, Francisco e Outros Santos Jesuítas, André Nazé, SJ, Edições Loyola, 2008, pp. 117-120 – Destaques acrescidos)