CatolicismoEspiritualidade e Sabedoria Beneditina
OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
DOM PROSPER GUÉRANGER, OSB
OS DONS DO ESPÍRITO SANTO
DOM PROSPER GUÉRANGER, OSB
O dom do Temor
O nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho nos leva a resistir a Deus, a pôr o nosso fim em nós mesmos, em uma palavra, a nos perder. Só a humildade pode nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade? O Espírito Santo, derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa na ideia da majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada somos; na ideia da sua santidade infinita, diante da qual não passamos de indignidade e escória; do julgamento soberanamente equitativo que ele deve exercer sobre nós ao sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à graça, que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.
A salvação do homem se opera, pois, “com temor e tremor”, como ensina o Apóstolo; mas este temor que é um dom do Espírito Santo, não é um sentimento grosseiro que se limitaria a nos lançar no horror da consideração dos castigos eternos. Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo quando nossos pecados já foram há muito tempo perdoados; ele nos impede de esquecer que somos pecadores, que devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos na esperança.
O Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário, se torna a fonte de sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo mais do que um sentimento filial que abomina o pecado por causa do ultraje que este comete a Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade infinita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar, São Paulo nos ensina que o temor, assim purificado, contribui para “o aperfeiçoamento da santificação”. Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu, confessar que é rigoroso consigo mesmo “a fim de não ser reprovado”.
O espírito de independência e de falsa liberdade que reina hoje em dia contribui para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está uma das chagas do nosso tempo. A familiaridade com Deus toma, na maior parte das vezes, o lugar dessa disposição fundamental da vida cristã e, desde então, cessa todo progresso, a ilusão se introduz na alma e os divinos Sacramentos, que no momento de uma volta para Deus tinham operado com tanto poder, tornam-se quase estéreis. É que o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A humildade se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os movimentos desta alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus, pelo próprio fato de não tremer mais diante dele.
Conservai em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor de Deus que nos foi derramado no nosso batismo. Este temor salutar assegurará nossa perseverança no bem, detendo os progressos do espírito de orgulho. Que ele seja como uma trave que atravessa nossa alma de lado a lado e que fique sempre fixada como nossa salvaguarda. Que abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência, nos revelando sem cessar a grandeza e a santidade Daquele que nos criou e que nos deve julgar.
Sabemos, ó Divino Espírito, que esse feliz Temor não abafa o amor; longe disso, afasta os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento. As Potestades celestes veem e amam com ardor o soberano Bem, elas são inebriadas pela eternidade; no entanto tremem diante da terrível majestade, tremunt Potestates. E nós, cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de imperfeições, expostos a mil armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é preciso estimular por um temor forte e ao mesmo tempo filial, nossa vontade que adormece tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por Vossa obra, ó divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos dignastes dar-nos; ensinai-nos a conciliar a paz e a alegria do coração com o Temor de Deus, segundo a advertência do Salmista:
“Serve o Senhor com temor e exulta de felicidade tremendo diante dele”.
(Fonte: opúsculo Os Dons do Espírito Santo, Dom Prosper Guéranger, Abade de Solesmes, Editora Permanência, Niterói-RJ/2007, pp. 7-8. Texto revisto e atualizado)