OS NOVÍSSIMOS : O QUE SÃO? COMO ENTENDÊ-LOS?
Qual ser humano nunca se fez as perguntas fundamentais: Quem sou eu? De onde vim (qual a minha origem)? Para onde vou(qual o meu destino)? Este mundo e esta vida, aparentemente caóticos têm algum sentido?
Mesmo neste mundo de novidades científicas, tecnológicas e ideológicas incessantes, nesta época em que tantas respostas a questões importantes vêm sendo encontradas, as dúvidas primordiais permanecem em aberto. Com o relativismo reinante, são também muitos os pontos de vista deturpados, que se nos apresentam todos os dias sob o disfarce de “opiniões abalizadas”.
Compreender os Novíssimos é um passo importantíssimo na jornada de todo cristão – e de todo o ser humano – para o seu fim último: Deus. Na Teologia católica, chamam-se Novíssimos justamente as coisas que sucederão às almas no fim de sua vida terrena: a morte, o Juízo, o destino temporário do Purgatório ou o destino eterno: o Céu ou o Inferno. A Igreja desde sempre convidou-nos a meditar sobre tais realidades.
Ensina-nos com prudência a Doutrina católica sobre os acontecimentos finais individuais (a morte, o juízo particular, o Purgatório, o Céu e o Inferno) e coletivos (a ressurreição dos mortos, a segunda vinda de Cristo, O Juízo final).
1. O que há depois da morte?
A palavra morte traz a maioria sentimentos e lembranças de eventos negativos, dolorosos: a dor da separação, a saudade, a desolação em pensar que nunca mais teremos outra oportunidade de fazer àquele falecido o bem que poderíamos ter feito em vida, entre outros.
São Josemaria Escrivá disse que “tudo se conserta, menos a morte… E a morte conserta tudo” (conf. Sulco, 878). Fato é que em nossa experiência cotidiana mais comum, os pensamentos sobre morte e finitude, por natureza, por ignorância e por falta de uma fé verdadeiramente profunda, causam-nos repulsa e nos afastam de qualquer desejo por tal realidade. Natural, porque fomos criados para a vida e não para a morte. À luz da Revelação divina, sabemos que a morte entrou na humanidade como consequência do pecado, evento a partir do qual o homem iniciou uma vida de sofrimento e infelicidades. Por Jesus Cristo, porém, a morte foi enfrentada e completamente derrotada no alto da Cruz, recebendo a partir daí um novo sentido para todos os que creem na sua Ressurreição. Como disse Santa Teresinha: “Eu não morro; entro na vida”.
O Catecismo da Igreja Católica ensina-nos que:
“a morte põe termo à vida do homem enquanto tempo aberto à aceitação ou à rejeição da Graça divina manifestada em Jesus Cristo”; “Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe sua vida em referência a Cristo, quer através de uma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente e para sempre.” (CIC § 1021-1022)
Assim, a morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, do tempo da Graça e da Misericórdia que Deus oferece para que realizemos nossas vidas segundo o seu Projeto, e para que seja decido (por nós mesmos) o nosso destino último.
Logo após a morte, o ser humano entra na Eternidade; logo, sai da temporalidade e fica incapaz de voltar a viver uma nova vida na Terra ou de fazer qualquer opção acerca do seu destino. Ora, o tempo de Deus não é o nosso tempo: a partir da perspectiva da Eternidade, não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno “hoje”; o eterno “agora”.
Aliás, é exatamente essa perspectiva de avanço do mundo temporal para a realidade eterna que explica e torna possível uma questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno, como veremos mais adiante.
Ensina-nos a Sã Doutrina que a alma humana recebe de Deus uma iluminação intensa imediatamente após a sua separação do corpo, que lhe revela plenamente o valor e o sentido real da sua existência terrestre. O homem encontra-se, completamente “desnudado”, com a mais plena verdade de suas intenções e atos, visíveis, inegáveis, diante do Criador, e “recebe, em sua alma imortal, a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida na referência de Cristo, quer através de uma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente e para sempre” (CIC §1022). Por isso é importantíssima a assistência àquelas pessoas que se encontram já próximas do seu destino final, a fim de prepará-las conscientemente para uma última e decisiva opção com relação ao seu destino eterno.
Tal orientação, entretanto e obviamente, diz respeito a todos, sem distinção, inclusive àqueles que gozam da mais perfeita saúde, pois, à exceção dos previamente condenados à morte, nenhum de nós sabe o dia ou a hora em que seremos convidados à Presença do Pai. O que poderia ser mais importante do que nos prepararmos diariamente para esse encontro? Todavia, a esmagadora maioria de nós, mesmo os muito religiosos, preferem agir que se fossem de fato seres imortais que nunca precisarão se confrontar com Deus.
O Purgatório
Os que morrem na Graça e em amizade com Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da salvação eterna, sofrem depois da morte a necessária purificação, a fim de obterem a santidade para entrar na Alegria eterna do Céu. A Igreja chama Purgatório a essa purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados.
Essa doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura: “Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas” (2 Mac 12, 46). Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício Eucarístico, para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as obras de misericórdia, ajudar a quem precisa com esmolas, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos.
Teologicamente pode-se elucubrar sobre haver ou não, no Purgatório, um fogo pavoroso semelhante ao do Inferno, ou se as chamas purificadoras citadas por São Paulo (1Cor 3,15) são uma analogia para descrever a amarga consciência de se ter desperdiçado uma vida inteira esbanjando ou ignorando o Amor de Deus, não dando a Ele tudo que poderíamos dar e procurando apenas o nosso próprio prazer e nossas satisfações egoístas.
É importantíssimo saber que essas almas que padecem podem ser ajudadas pelas orações dos fiéis, pelas obras de misericórdia e, principalmente, pelo Sacrifício Eucarístico. Por isso, a Tradição da Igreja sempre honrou a memória dos mortos, buscando pela Comunhão dos Santos auxiliá-los a alcançarem a Visão beatífica de Deus.
O Céu
Por Céu a Doutrina da Igreja entende a vida perfeita com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria, com os santos Anjos e todos os Bem-aventurados convidados para a “Ceia do Cordeiro” (Mt 22,1-14).
Por sua Morte e Ressurreição, Jesus Cristo “abriu-nos” o Céu. Viver no Céu é “estar com Cristo” (cf. Jo 14, 3; Fl 1, 23; 1 Ts 4,17). Os eleitos vivem “n’Ele”; mas n’Ele conservam, ou melhor, encontram a sua verdadeira identidade, o seu nome próprio (cf. Ap 2, 17) (CIC §1023-1026).
O Céu é um lugar ou estado reservado a todos aqueles que acolheram em plenitude os frutos da redenção realizada em Cristo, e que estão perfeitamente incorporados a Ele. “Os que morrem na Graça e amizade de Deus, perfeitamente purificados, vivem para sempre com Cristo. São para sempre semelhantes a Deus, porque o veem ‘tal como Ele é’, face a face” (Cat 1023).
Algumas teorias teológicas identificam o Céu com uma vida terrena eterna e cheia de realizações e felicidades, porém essa não é a visão mais acertada. É, sem dúvida, possível compreendermos o Paraíso celeste a partir da experiência presente de felicidade em Deus, dos Sacramentos, da Comunhão dos Santos, dos sinais de eternidade que recebemos já nesta vida, porém, a vida eterna prometida pelo Senhor aos seus seguidores excede em muito aos nossos parâmetros humanos de alegria, até mesmo ao cêntuplo prometido ainda neste mundo (Mc 10,28-31).
O Inferno
Apesar de todos os homens terem sido criados por Deus e para Ele, é possível ao ser humano fazer uma livre opção contra o Criador, afastando-se definitivamente da bem-aventurança eterna. Essa condição da alma é o que a Doutrina da Igreja chama Inferno.
Em pecado mortal, os mortos são precipitados aos infernos, onde sofrerão penas, sendo a principal a separação definitiva de Deus, única Felicidade possível à criatura humana. Assim, o homem deve usar responsavelmente a sua liberdade, visando seu destino eterno, respondendo ao apelo eterno de optar pela porta estreita da conversão, pela qual poucos passam. Só a aversão voluntária (isto é, o pecado mortal) a Deus e a persistência nela é que levam a essa condição de condenação, pois Deus não predestina ninguém ao castigo eterno.
A despeito da Doutrina e de todos os esclarecimentos da Igreja, porém, muitos não se conformam com a doutrina do Inferno. “Como poderia o Deus que ‘é Amor’ (conf. 1 Jo 4,16) condenar alguém, por pior que tenha sido, a uma pena eterna, sem fim, uma sucessão de dias e anos do pior sofrimento, sem nenhuma esperança de perdão?”, perguntam-se muitos.
Como dito anteriormente, é a partir da perspectiva da entrada da alma na Eternidade, deixando para sempre o mundo temporal – Eternidade em não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno “hoje”; o eterno “agora” – que se explica e se torna possível a existência do Inferno, essa questão tão difícil para a razão humana.
Pois é justamente por não haver “amanhã” na eternidade que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que elas sofrerão “para sempre” conforme a compreensão que somos capazes de alcançar vivendo em nosso mundo temporal, numa sucessão de dias e noites sem fim, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus –, por sua decisão consciente –, aquelas almas permanecerão nessa mesma condição no infinito “hoje” que é a Eternidade, uma realidade onde não há tempo, não há ontem, hoje ou amanhã; por isso, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não havendo tempo, não há futuro que traga mudança.
Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu, não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num “amanhã” incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.
O limbo: um tópico especial
Aqui nos encontramos diante de uma pequena polêmica. Durante a formulação da doutrina sobre a sorte final dos homens, teólogos importantíssimos –, inclusive o próprio Santo Tomás de Aquino –, deram como verdadeira a possibilidade de haver um estado especial, o qual denominaram “limbo”, como destino definitivo para as crianças que morrem sem o Sacramento do Batismo. Tal opinião foi geralmente aceita por um longo tempo, mas sempre houve também um forte movimento de rejeição a essa hipótese, que parece contrastar irremediavelmente com a doutrina da infinita Misericórdia de Deus.
Não há dogma sobre o tema, porém, hoje geralmente se crê que as criancinhas não ficam privadas da Misericórdia divina e nem da felicidade eterna do Céu, não apenas pela sua condição de seres absolutamente inocentes, sem nenhuma culpa particular, mas principalmente levando-se em conta a grave sentença de Nosso Senhor que parece encerrar a questão: “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a Mim, pois delas é o Reino dos Céus”[1] (Mt 19,14).
De fato, admite Teologia católica que Deus, a partir da Salvação Universal que se dá sempre por meio do Sacrifício de Cristo, age também por vias extra-batismais, por meios que só Ele conhece. Em nossos dias, de milhões de pequeninas almas abortadas sem que tenham nenhuma chance de optar pela salvação eterna, torna-se sem dúvida bastante compreensível e aparentemente razoável crer que Nosso Senhor todo amoroso as salvará e quererá tê-las para sempre junto de Si.
Dom Estêvão Bettencourt, OSB, um dos mais importantes teólogos brasileiros do século XX, destacou em artigo específico[2], dentre as teses teológicas mais aceitas sobre a questão, as seguintes:
a) Na hora da morte, Deus concede aos pequeninos que não possam ser batizados uma iluminação sobrenatural, mediante a qual se tornam capazes de conceber e livremente desejar o batismo. Assim, Deus facultaria às criancinhas a oportunidade de optar pelo Sacramento e adquirir, por conseguinte, a bem-aventurança, caso aceitem a oferta divina.
b) A Igreja, na sua Liturgia, apresenta ao Senhor Onipotente preces pela salvação de todos os homens (cf., por exemplo, as orações do Ofertório da Missa). Ora, tal universalidade de intenções não pode deixar de beneficiar também os pequeninos que faleçam sem Batismo; há de suprir mesmo os efeitos deste Sacramento, merecendo-lhes a visão beatífica.
c) Na impossibilidade de prover ao Batismo de seus filhinhos moribundos, os pais que os ofereçam a Deus com fé e amor, obtém-lhes a graça da salvação eterna.
Várias outras teorias têm sido propostas, dilatando cada vez mais as possibilidades de salvação das crianças; os sérios autores, contudo e como não poderia deixar de ser, professam docilidade a uma eventual declaração da Igreja. O Pe. P. Gumpel, professor de Teologia em Roma, publicou recentemente uma lista de teólogos e institutos de Teologia contemporâneos que de certo modo professam sentenças largas sobre o tema: enunciou quinze nomes franceses, treze alemães, onze flamengos e holandeses, seis ingleses e norte-americanos e três espanhóis. Gumpel verifica, ainda, que as novas teorias se vão difundindo com rapidez e que os mais recentes Catecismos, ao tratar do limbo, mostram-se mais reservados do que os antigos. Todavia nenhum dos autores que defendem nova sentença sobre o assunto, põe em dúvida a absoluta necessidade de se batizarem as crianças logo que possível ou com a urgência sempre recomendada pela Igreja. Não poucos teólogos chegam a distinguir entre a sorte das crianças sem culpa dos pais e a das que por culpa dos pais morrem sem Batismo.
A ressurreição dos mortos
A ressurreição dos mortos é uma das verdades mais características do cristianismo, e ensina que todos os homens – justos e injustos – ressurgirão para uma nova vida. Assumirão seu mesmo corpo com novas propriedades quando Jesus Cristo vier na sua segunda e gloriosa vinda (Parusia), para consumar a história deste mundo.
Quando se dará a Parusia? E, até lá, que farão as almas já separadas dos corpos? Para entendermos essa doutrina, assim como no caso do Inferno, mais uma vez faz-se necessário compreender que, ao morrer, a alma humana sai da temporalidade e entra na Eternidade, em que não há sucessão de dias, noites ou momentos. Torna-se complicado para nós imaginarmos o que seria a Eternidade, pois as nossas categorias de pensamento sempre têm presente o fator tempo. É nesse estado ausente ao tempo que a alma “aguarda” sua ressurreição “na nova carne”.
O Juízo Universal
Somente após a ressurreição de todos os homens, Jesus Cristo, Senhor e Juiz de toda humanidade, efetuará o Juízo Universal, quando será revelado “até às últimas consequências o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida terrena” (CIC §1039).
Tudo o que vimos até aqui deve ser para nós um grande apelo à conversão cotidiana e a maior razão para a nossa esperança nos Novos Céus e na Nova Terra prometidas por Deus, onde “a morte deixará de existir e não haverá mais luto, nem clamor, nem fadiga” (Ap 21,4).
Não se deve descuidar da vida terrena, mas norteá-la pelos valores da vida eterna.
[1]. Tradução da Bíblia de Jerusalém, edição revista e ampliada (Paulus, 2002).
[2]. Revista PERGUNTE E RESPONDEREMOS n.2429.
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Ref.: (da fonte)
• O céu, a morte, o purgatório… O que são os Novíssimos?
https://opusdei.org/pt-br/article/o-ceu-a-morte-o-purgatorio-o-que-sao-os-novissimos/
• Formação: Os Novíssimos
https://www.comshalom.org/os-novissimos/
• Revista PERGUNTE E RESPONDEREMOS n.2429.
(Fonte: revista O Fiel Católico, n. 36, 2/2019, mantida pela Fraternidade Laical São Próspero, grupo católico apostólico romano sediado na cidade de São Bento do Sul (SC), pp. 38-46 – Texto revisado por nós)
OS NOVÍSSIMOS : O QUE SÃO? COMO ENTENDÊ-LOS?
Qual ser humano nunca se fez as perguntas fundamentais: Quem sou eu? De onde vim (qual a minha origem)? Para onde vou(qual o meu destino)? Este mundo e esta vida, aparentemente caóticos têm algum sentido?
Mesmo neste mundo de novidades científicas, tecnológicas e ideológicas incessantes, nesta época em que tantas respostas a questões importantes vêm sendo encontradas, as dúvidas primordiais permanecem em aberto. Com o relativismo reinante, são também muitos os pontos de vista deturpados, que se nos apresentam todos os dias sob o disfarce de “opiniões abalizadas”.
Compreender os Novíssimos é um passo importantíssimo na jornada de todo cristão – e de todo o ser humano – para o seu fim último: Deus. Na Teologia católica, chamam-se Novíssimos justamente as coisas que sucederão às almas no fim de sua vida terrena: a morte, o Juízo, o destino temporário do Purgatório ou o destino eterno: o Céu ou o Inferno. A Igreja desde sempre convidou-nos a meditar sobre tais realidades.
Ensina-nos com prudência a Doutrina católica sobre os acontecimentos finais individuais (a morte, o juízo particular, o Purgatório, o Céu e o Inferno) e coletivos (a ressurreição dos mortos, a segunda vinda de Cristo, O Juízo final).
1. O que há depois da morte?
A palavra morte traz a maioria sentimentos e lembranças de eventos negativos, dolorosos: a dor da separação, a saudade, a desolação em pensar que nunca mais teremos outra oportunidade de fazer àquele falecido o bem que poderíamos ter feito em vida, entre outros.
São Josemaria Escrivá disse que “tudo se conserta, menos a morte… E a morte conserta tudo” (conf. Sulco, 878). Fato é que em nossa experiência cotidiana mais comum, os pensamentos sobre morte e finitude, por natureza, por ignorância e por falta de uma fé verdadeiramente profunda, causam-nos repulsa e nos afastam de qualquer desejo por tal realidade. Natural, porque fomos criados para a vida e não para a morte. À luz da Revelação divina, sabemos que a morte entrou na humanidade como consequência do pecado, evento a partir do qual o homem iniciou uma vida de sofrimento e infelicidades. Por Jesus Cristo, porém, a morte foi enfrentada e completamente derrotada no alto da Cruz, recebendo a partir daí um novo sentido para todos os que creem na sua Ressurreição. Como disse Santa Teresinha: “Eu não morro; entro na vida”.
O Catecismo da Igreja Católica ensina-nos que:
“a morte põe termo à vida do homem enquanto tempo aberto à aceitação ou à rejeição da Graça divina manifestada em Jesus Cristo”; “Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num juízo particular que põe sua vida em referência a Cristo, quer através de uma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente e para sempre.” (CIC § 1021-1022)
Assim, a morte é o fim da peregrinação terrestre do homem, do tempo da Graça e da Misericórdia que Deus oferece para que realizemos nossas vidas segundo o seu Projeto, e para que seja decido (por nós mesmos) o nosso destino último.
Logo após a morte, o ser humano entra na Eternidade; logo, sai da temporalidade e fica incapaz de voltar a viver uma nova vida na Terra ou de fazer qualquer opção acerca do seu destino. Ora, o tempo de Deus não é o nosso tempo: a partir da perspectiva da Eternidade, não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno “hoje”; o eterno “agora”.
Aliás, é exatamente essa perspectiva de avanço do mundo temporal para a realidade eterna que explica e torna possível uma questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno, como veremos mais adiante.
Ensina-nos a Sã Doutrina que a alma humana recebe de Deus uma iluminação intensa imediatamente após a sua separação do corpo, que lhe revela plenamente o valor e o sentido real da sua existência terrestre. O homem encontra-se, completamente “desnudado”, com a mais plena verdade de suas intenções e atos, visíveis, inegáveis, diante do Criador, e “recebe, em sua alma imortal, a retribuição eterna, num juízo particular que põe a sua vida na referência de Cristo, quer através de uma purificação, quer para entrar imediatamente na felicidade do Céu, quer para se condenar imediatamente e para sempre” (CIC §1022). Por isso é importantíssima a assistência àquelas pessoas que se encontram já próximas do seu destino final, a fim de prepará-las conscientemente para uma última e decisiva opção com relação ao seu destino eterno.
Tal orientação, entretanto e obviamente, diz respeito a todos, sem distinção, inclusive àqueles que gozam da mais perfeita saúde, pois, à exceção dos previamente condenados à morte, nenhum de nós sabe o dia ou a hora em que seremos convidados à Presença do Pai. O que poderia ser mais importante do que nos prepararmos diariamente para esse encontro? Todavia, a esmagadora maioria de nós, mesmo os muito religiosos, preferem agir que se fossem de fato seres imortais que nunca precisarão se confrontar com Deus.
O Purgatório
Os que morrem na Graça e em amizade com Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da salvação eterna, sofrem depois da morte a necessária purificação, a fim de obterem a santidade para entrar na Alegria eterna do Céu. A Igreja chama Purgatório a essa purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados.
Essa doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Sagrada Escritura: “Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas” (2 Mac 12, 46). Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício Eucarístico, para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também as obras de misericórdia, ajudar a quem precisa com esmolas, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos.
Teologicamente pode-se elucubrar sobre haver ou não, no Purgatório, um fogo pavoroso semelhante ao do Inferno, ou se as chamas purificadoras citadas por São Paulo (1Cor 3,15) são uma analogia para descrever a amarga consciência de se ter desperdiçado uma vida inteira esbanjando ou ignorando o Amor de Deus, não dando a Ele tudo que poderíamos dar e procurando apenas o nosso próprio prazer e nossas satisfações egoístas.
É importantíssimo saber que essas almas que padecem podem ser ajudadas pelas orações dos fiéis, pelas obras de misericórdia e, principalmente, pelo Sacrifício Eucarístico. Por isso, a Tradição da Igreja sempre honrou a memória dos mortos, buscando pela Comunhão dos Santos auxiliá-los a alcançarem a Visão beatífica de Deus.
O Céu
Por Céu a Doutrina da Igreja entende a vida perfeita com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria, com os santos Anjos e todos os Bem-aventurados convidados para a “Ceia do Cordeiro” (Mt 22,1-14).
Por sua Morte e Ressurreição, Jesus Cristo “abriu-nos” o Céu. Viver no Céu é “estar com Cristo” (cf. Jo 14, 3; Fl 1, 23; 1 Ts 4,17). Os eleitos vivem “n’Ele”; mas n’Ele conservam, ou melhor, encontram a sua verdadeira identidade, o seu nome próprio (cf. Ap 2, 17) (CIC §1023-1026).
O Céu é um lugar ou estado reservado a todos aqueles que acolheram em plenitude os frutos da redenção realizada em Cristo, e que estão perfeitamente incorporados a Ele. “Os que morrem na Graça e amizade de Deus, perfeitamente purificados, vivem para sempre com Cristo. São para sempre semelhantes a Deus, porque o veem ‘tal como Ele é’, face a face” (Cat 1023).
Algumas teorias teológicas identificam o Céu com uma vida terrena eterna e cheia de realizações e felicidades, porém essa não é a visão mais acertada. É, sem dúvida, possível compreendermos o Paraíso celeste a partir da experiência presente de felicidade em Deus, dos Sacramentos, da Comunhão dos Santos, dos sinais de eternidade que recebemos já nesta vida, porém, a vida eterna prometida pelo Senhor aos seus seguidores excede em muito aos nossos parâmetros humanos de alegria, até mesmo ao cêntuplo prometido ainda neste mundo (Mc 10,28-31).
O Inferno
Apesar de todos os homens terem sido criados por Deus e para Ele, é possível ao ser humano fazer uma livre opção contra o Criador, afastando-se definitivamente da bem-aventurança eterna. Essa condição da alma é o que a Doutrina da Igreja chama Inferno.
Em pecado mortal, os mortos são precipitados aos infernos, onde sofrerão penas, sendo a principal a separação definitiva de Deus, única Felicidade possível à criatura humana. Assim, o homem deve usar responsavelmente a sua liberdade, visando seu destino eterno, respondendo ao apelo eterno de optar pela porta estreita da conversão, pela qual poucos passam. Só a aversão voluntária (isto é, o pecado mortal) a Deus e a persistência nela é que levam a essa condição de condenação, pois Deus não predestina ninguém ao castigo eterno.
A despeito da Doutrina e de todos os esclarecimentos da Igreja, porém, muitos não se conformam com a doutrina do Inferno. “Como poderia o Deus que ‘é Amor’ (conf. 1 Jo 4,16) condenar alguém, por pior que tenha sido, a uma pena eterna, sem fim, uma sucessão de dias e anos do pior sofrimento, sem nenhuma esperança de perdão?”, perguntam-se muitos.
Como dito anteriormente, é a partir da perspectiva da entrada da alma na Eternidade, deixando para sempre o mundo temporal – Eternidade em não existe ontem nem amanhã, mas apenas o eterno “hoje”; o eterno “agora” – que se explica e se torna possível a existência do Inferno, essa questão tão difícil para a razão humana.
Pois é justamente por não haver “amanhã” na eternidade que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que elas sofrerão “para sempre” conforme a compreensão que somos capazes de alcançar vivendo em nosso mundo temporal, numa sucessão de dias e noites sem fim, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus –, por sua decisão consciente –, aquelas almas permanecerão nessa mesma condição no infinito “hoje” que é a Eternidade, uma realidade onde não há tempo, não há ontem, hoje ou amanhã; por isso, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não havendo tempo, não há futuro que traga mudança.
Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu, não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num “amanhã” incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.
O limbo: um tópico especial
Aqui nos encontramos diante de uma pequena polêmica. Durante a formulação da doutrina sobre a sorte final dos homens, teólogos importantíssimos –, inclusive o próprio Santo Tomás de Aquino –, deram como verdadeira a possibilidade de haver um estado especial, o qual denominaram “limbo”, como destino definitivo para as crianças que morrem sem o Sacramento do Batismo. Tal opinião foi geralmente aceita por um longo tempo, mas sempre houve também um forte movimento de rejeição a essa hipótese, que parece contrastar irremediavelmente com a doutrina da infinita Misericórdia de Deus.
Não há dogma sobre o tema, porém, hoje geralmente se crê que as criancinhas não ficam privadas da Misericórdia divina e nem da felicidade eterna do Céu, não apenas pela sua condição de seres absolutamente inocentes, sem nenhuma culpa particular, mas principalmente levando-se em conta a grave sentença de Nosso Senhor que parece encerrar a questão: “Deixai as crianças e não as impeçais de virem a Mim, pois delas é o Reino dos Céus”[1] (Mt 19,14).
De fato, admite Teologia católica que Deus, a partir da Salvação Universal que se dá sempre por meio do Sacrifício de Cristo, age também por vias extra-batismais, por meios que só Ele conhece. Em nossos dias, de milhões de pequeninas almas abortadas sem que tenham nenhuma chance de optar pela salvação eterna, torna-se sem dúvida bastante compreensível e aparentemente razoável crer que Nosso Senhor todo amoroso as salvará e quererá tê-las para sempre junto de Si.
Dom Estêvão Bettencourt, OSB, um dos mais importantes teólogos brasileiros do século XX, destacou em artigo específico[2], dentre as teses teológicas mais aceitas sobre a questão, as seguintes:
a) Na hora da morte, Deus concede aos pequeninos que não possam ser batizados uma iluminação sobrenatural, mediante a qual se tornam capazes de conceber e livremente desejar o batismo. Assim, Deus facultaria às criancinhas a oportunidade de optar pelo Sacramento e adquirir, por conseguinte, a bem-aventurança, caso aceitem a oferta divina.
b) A Igreja, na sua Liturgia, apresenta ao Senhor Onipotente preces pela salvação de todos os homens (cf., por exemplo, as orações do Ofertório da Missa). Ora, tal universalidade de intenções não pode deixar de beneficiar também os pequeninos que faleçam sem Batismo; há de suprir mesmo os efeitos deste Sacramento, merecendo-lhes a visão beatífica.
c) Na impossibilidade de prover ao Batismo de seus filhinhos moribundos, os pais que os ofereçam a Deus com fé e amor, obtém-lhes a graça da salvação eterna.
Várias outras teorias têm sido propostas, dilatando cada vez mais as possibilidades de salvação das crianças; os sérios autores, contudo e como não poderia deixar de ser, professam docilidade a uma eventual declaração da Igreja. O Pe. P. Gumpel, professor de Teologia em Roma, publicou recentemente uma lista de teólogos e institutos de Teologia contemporâneos que de certo modo professam sentenças largas sobre o tema: enunciou quinze nomes franceses, treze alemães, onze flamengos e holandeses, seis ingleses e norte-americanos e três espanhóis. Gumpel verifica, ainda, que as novas teorias se vão difundindo com rapidez e que os mais recentes Catecismos, ao tratar do limbo, mostram-se mais reservados do que os antigos. Todavia nenhum dos autores que defendem nova sentença sobre o assunto, põe em dúvida a absoluta necessidade de se batizarem as crianças logo que possível ou com a urgência sempre recomendada pela Igreja. Não poucos teólogos chegam a distinguir entre a sorte das crianças sem culpa dos pais e a das que por culpa dos pais morrem sem Batismo.
A ressurreição dos mortos
A ressurreição dos mortos é uma das verdades mais características do cristianismo, e ensina que todos os homens – justos e injustos – ressurgirão para uma nova vida. Assumirão seu mesmo corpo com novas propriedades quando Jesus Cristo vier na sua segunda e gloriosa vinda (Parusia), para consumar a história deste mundo.
Quando se dará a Parusia? E, até lá, que farão as almas já separadas dos corpos? Para entendermos essa doutrina, assim como no caso do Inferno, mais uma vez faz-se necessário compreender que, ao morrer, a alma humana sai da temporalidade e entra na Eternidade, em que não há sucessão de dias, noites ou momentos. Torna-se complicado para nós imaginarmos o que seria a Eternidade, pois as nossas categorias de pensamento sempre têm presente o fator tempo. É nesse estado ausente ao tempo que a alma “aguarda” sua ressurreição “na nova carne”.
O Juízo Universal
Somente após a ressurreição de todos os homens, Jesus Cristo, Senhor e Juiz de toda humanidade, efetuará o Juízo Universal, quando será revelado “até às últimas consequências o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida terrena” (CIC §1039).
Tudo o que vimos até aqui deve ser para nós um grande apelo à conversão cotidiana e a maior razão para a nossa esperança nos Novos Céus e na Nova Terra prometidas por Deus, onde “a morte deixará de existir e não haverá mais luto, nem clamor, nem fadiga” (Ap 21,4).
Não se deve descuidar da vida terrena, mas norteá-la pelos valores da vida eterna.
[1]. Tradução da Bíblia de Jerusalém, edição revista e ampliada (Paulus, 2002).
[2]. Revista PERGUNTE E RESPONDEREMOS n.2429.
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Ref.: (da fonte)
• O céu, a morte, o purgatório… O que são os Novíssimos?
https://opusdei.org/pt-br/article/o-ceu-a-morte-o-purgatorio-o-que-sao-os-novissimos/
• Formação: Os Novíssimos
https://www.comshalom.org/os-novissimos/
• Revista PERGUNTE E RESPONDEREMOS n.2429.
(Fonte: revista O Fiel Católico, n. 36, 2/2019, mantida pela Fraternidade Laical São Próspero, grupo católico apostólico romano sediado na cidade de São Bento do Sul (SC), pp. 38-46 – Texto revisado por nós)