PRIMÓRDIOS DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

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PRIMÓRDIOS DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

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Coração de Jesus (imagem: Arautos do Evangelho)

A DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO ENTRE OS FILHOS DE SÃO BRUNO

Os monges cistercienses, consagrando-se a uma vida contemplativa, deviam quase necessariamente, através da chaga do costado, descobrir o tesouro escondido: o Sagrado Coração de Jesus e trazer nele as suas delícias.

LODOLPHO DE SAXONIA (1295-1378) em sua vida de Jesus Cristo assim fala do Sagrado Coração: «O Coração de Jesus foi ferido por nós com uma ferida de amor; para que nós em amorosa troca, pudéssemos ter entrada no seu Coração pela porta do costado, e aí unir nosso amor ao seu amor divino, formando como se faz do ferro e do fogo, um só amor. O homem deve oferecer a Deus todos os seus desejos e conformar-se em todas as coisas à sua divina vontade, e isto para permutar e corresponder à ferida de amor, que Ele recebeu na Cruz, quando a espada do seu amor invencível transpassou o seu Coração dulcíssimo. Lembremo-nos então, continua ele, do grande amor que Jesus Cristo nos mostrou na abertura do seu lado, dando-nos por ela ingresso no seu Coração. Apressemo-nos em entrar neste Coração Divino; concentremos todo nosso amor para uni-lo ao Coração de Jesus». (“Vita Christi Salvatoris nostri”. Venetiis 1587. II cap. 64 pg. 1025)

PEDRO DORLAND (1440-1507) imaginou um diálogo entre a Santíssima Virgem e S. Domingos sobre os mistérios da Paixão.

Domingos: as vossas lições, ó Virgem Maria, me infundem uma grande confiança. Vós me ensinastes que tudo quanto vosso filho fez e sofreu, tudo foi inspirado pelo amor, da humanidade e da misericórdia. Foi por bondade, se não me engano, que Jesus Cristo quis que a lança do soldado abrisse o seu costado depois da sua morte. A chaga do costado mostra o amor do seu Coração, porque a lança penetrou até o seu Coração».

Maria: «Vós o vedes com toda clareza: os filhos de Adão não podem lamentar-se de que a porta do céu lhes esteja fechada. Se lhes abriu uma outra porta, que dá entrada a um jardim mais delicioso, mais encantador, e mais fecundo do que o paraíso terrestre. Por esta porta podem entrar no Coração do Salvador e do Coração na sua alma, e da sua alma no abismo da eterna claridade, onde se colhem frutos de uma doçura esquisita, frutos que nunca ficam estragados, mas conservam-se eternamente. Toda vez que sentirdes a tentação, entrai neste asilo do Coração de Jesus e aí ficareis em quanto durar o furor da tempestade».

JOÃO JUSTO LANSPERGE (1489-1539) distingue-se entre os seus irmãos pela ternura do seu amor ao Sagrado Coração de Jesus. Correspondendo ao chamado de Deus, ele veio de Lansberg, sua cidade natal, para Colônia e com vinte anos de idade para continuar os estudos.

Entrou na Ordem de S. Bruno.

Sob a direção do Prior Pedro Blomenvenna, alma ardente de amor de Deus, aprendeu a amar a solidão e o silêncio. Falando de si próprio, mas na terceira pessoa, deixou-nos o seguinte retrato: «Conheci um religioso que durante dez anos, não faltou nunca voluntariamente ao silêncio… Durante esse tempo nunca pediu licença de ir à cela de outro irmão senão uma vez para perguntar como se preparavam certas cores. Não visitava ninguém, nem desejava que o vissem ou o ajudassem, pronto sempre a ajudar os outros quando lhe pedissem auxílio, coisa que acontecia com frequência.

«Se durante a semana tinha alguma coisa a perguntar, se precisava de alguma explicação, de restituir alguma coisa ou levar à cela, esperava o dia de reunião, e para não se esquecer, tomava notas sobre uma pequena pedra de escrever… Para não singularizar-se, não se ausentava logo do recreio; esperava um pouco e retirava-se sem barulho… Em todo esse tempo passava da Igreja para sua cela e nunca pedia para sair».

Em 1520 é eleito mestre de noviços. Seguindo os ensinamentos de seu Prior, fez consistir a sua principal ocupação na leitura do livro intitulado – místico livro – impresso com o sangue preciosíssimo de um Deus, e com os caracteres das chagas do Salvador, dedicado principalmente aos filhos de S. Bruno.

Tinha gostado desta leitura e na chaga do costado que dá entrada no Coração de Jesus e que é a representação externa da ferida do Coração de Jesus, aí tinha achado todo o amor de Jesus.

Assim a devoção ao Sagrado Coração de Jesus torna-se para ele o meio mais eficaz para conduzir as almas à perfeição.

Lansperge recomendava aos seus religiosos que pensassem no Coração Divino de Jesus e o invocassem muitas vezes. «Quando vos levantardes, seja o vosso primeiro pensamento, seja a vossa primeira palavra, para invocar o Senhor. Adorai Jesus Cristo, oferecei-vos ao seu Coração tão bom, pedi-lhe que vos guarde, guie e proteja. «Se vós dormis (ele atribui ao Sagrado Coração estas palavras a Nosso Senhor) repousai sobre meu Coração e aplicando os lábios à chaga do meu Coração, aspirai, com a respiração a graça, e com a mesma respiração voltai para mim os secretos movimentos do vosso coração».

«Antes da comida oferecei a Jesus vossos louvores e vossas ações de graças. Fazei esta oferta a seu Coração dulcíssimo recordando o amor com que Ele se ofereceu ao Eterno Pai. Depois da comida recitai um Padre Nosso e Ave Maria para agradecer-lhe por todas as tristezas e angústias que sofreu seu dulcíssimo Coração».

Durante o dia entrai muitas vezes no dulcíssimo Coração de Jesus, oferecei-vos a Ele, esconjurai-o por seu amor que vos acolha, que vos possua e vos governe. Antes do trabalho dizei-lhe: Dulcíssimo Jesus vos ofereço o meu trabalho, em união com vossas fadigas e os vossos suores: quero uni-lo no vosso Coração dulcíssimo e por mediação vossa eu o ofereço ao vosso Pai Eterno, para vossa maior glória».

A um dos seus noviços escrevia isto: «João Justo de Lansberg cisterciense, ao seu caríssimo filho, que habita a cela que fica no ângulo do cemitério; possa a vossa devoção sempre aumentar sempre mais!

«Meu filho, procura venerar o Coração dulcíssimo de Jesus, este Coração inflamado de amor e transbordando de misericórdia: honra-o com constância, beija-o e entra com o pensamento neste Coração aberto para ti. Pede por sua intercessão o que desejas, oferece-lhe todas as tuas ações. É esse o vaso que contém todas as graças celestes, a porta pela qual entramos em Deus e Deus vem a nós.

«Põe a imagem deste Coração Divino no lugar por onde passas frequentemente; te excitará ao amor de Deus e lembrar-te-á de trabalhar por seu amor. Olhando esta imagem, te lembrarás que estás ainda no exílio e na escravidão do pecado; e com gemidos e suspiros e aspirações ardentes levantarás para o Senhor teu Coração; recolhendo-te depois no teu espírito sem rumor de palavras, ou fazendo uso delas, se te forem úteis, clama ao Senhor para obter a purificação do teu coração e a união da tua vontade ao Coração de Jesus e ao seu beneplácito.

«Poderás ainda mais, se a tua devoção interior de leva a isso, beijar esta imagem, isto é, do Coração de Jesus Rei e convencer-te que tens deverás debaixo dos teus lábios e que o beijas, o Coração Divino de Jesus Salvador. Oh, então arderás de desejo de unir-te a Ele e n’Ele submergir-te. Deste Coração receberá o teu a graça, as virtudes e tudo quanto Ele encerra…

… «É esta uma prática utilíssima e devotíssima para honrar o Sagrado Coração de Jesus. Recorre a Ele em todas as tuas necessidades, procura n’Ele refúgio e alcançarás d’Ele com a consolação a sabedoria, a graça e a força. Os homens podem faltar para contigo, podem enganar-te: não te perturbes, porque este Coração fidelíssimo nunca te abandonará nem te enganará jamais».

Neste trecho magnífico temos todos os elementos da devoção ao Sagrado Coração de Jesus; o objeto material, que é o Coração de carne de Nosso Senhor: o objeto espiritual, que é o amor de Jesus Cristo por nós: o objeto final, a pessoa do Redentor, o fim, que é a união com Jesus Cristo pelo amor; as práticas externas e internas e finalmente a homenagem à imagem do Sagrado Coração. Lansperge conhecia os escritos de S. Bernardo e de S. Boaventura; traduziu em latim os livros de Sta. Mathilde e de Sta. Gertrudes e lhe foram familiares os livros de seus Irmãos de hábito; soube colher deles os melhores frutos, vivificá-los com um amor cheio de ternura e forte nascido mesmo da fonte, que mana do Coração de Jesus.

Apóstolo ardente da cara devoção, Lansperge não se limitou a recomendá-la a toda classe de pessoas a quem mandou seus escritos, mas ainda pregou sobre as obrigações que ela impõe aos seus devotos. A alma cristã há de procurar a união com Deus. Esta união realiza-se pelo amor. Por isso quer Lansperge que a alma una-se a Deus por meio do Sagrado Coração de Jesus. «Entra muitas vezes, durante o dia, no dulcíssimo e fidelíssimo Coração de Jesus, escrevia ele a um noviço cisterciense; pede-lhe pelo seu mesmo amor que te receba, que te guarde; que tome posse de ti, que te defenda, encaminhe e transforme para sua maior glória, segundo os desígnios que teve sobre ti desde toda eternidade… Pede-lhe que te torne em tudo conforme a sua santa vontade e que faça de ti um seu perfeito imitador… Escondas teu coração, as tuas faculdades, tuas intenções, os teus afetos na chaga do Coração de Jesus e peças que seja tudo absorvido pelo seu Coração e unido a seu espírito».

Uma prática que Lansperge aconselha é a oferta das nossas orações e das de todos os fieis ao Sagrado Coração de Jesus em união com os seus infinitos méritos. Ele escrevia a uma religiosa estas coisas: «recitai um Padre Nosso em honra da chaga do Coração dulcíssimo de Jesus e oferecei-lhe esta chaga, este sangue e este amor imenso em expiação da vossa tibieza, da vossa negligência e amor próprio. Pedi-lhe que esta chaga derrame em vosso coração uma efusão de amor ardentíssimo, puríssimo, perfeitíssimo, constantíssimo com o qual ameis o Senhor com todo vosso Coração, o bendigais e louveis em todas as coisas. Assim inflamada só n’Ele pensareis, só a Ele buscareis e consagrareis todas as vossas forças, a vossa vida inteira para cumprir a sua vontade e procurar a sua gloria».

Lansperge com seu zelo admirável, tinha favorecido o desenvolvimento da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que era já uma tradição cara na ordem cisterciense, e que depois dele continuou sempre, espalhando-se cada vez mais; basta recordar os nomes de João Torralba, prior da Corte de Deus (♰ 1578), de Antônio de Valmar, prior de Astein (♰ 1550), de Lourenço Wartenberger, prior do Coblenza (♰ 1605), e de Polycarpo de Bivière prior de Bordeaux (♰ 1629). E quando Nosso Senhor falou à Santa religiosa Visitandina e lhe pediu amr e reparação ao seu Divino Coração, os religiosos cistercienses aceitavam voluntariamente os ensinamentos da Santa Claustrada e à antiga devoção de Leopoldo e de Lansperge, que no Sagrado Coração de Jesus descobriram só o amor e a bondade, a partir de então unia-se à ideia de reparação e foram adotadas as suas práticas.

(Fonte: livro, em formato PDF, EU REINAREI A Devoção ao Sagrado Coração de Jesus no seu desenvolvimento histórico, Pe. Fernando Piazza dos Menores dos Enfermos, tradução do Dr. Alberto Saladino Figueira de Aguiar, Escolas Profissionais do Lyceu Sagrado Coração de Jesus, São Paulo/1932, Cap. VII – Tradição Continuada, pp. 93-99, obtido do blog Alexandria Católica – Texto revisto e atualizado e alguns destaques acrescidos)

Sou Todo Teu Maria: “Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo.” (São Luis Maria de Montfort)