Reinado do Coração de Jesus
PRIMÓRDIOS DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
PRIMÓRDIOS DA DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
PRIMEIROS GERMENS
❝Pretendeu alguém descobrir no antigo testamento os elementos da devoção ao Sagrado Coração de Jesus, citou algumas passagens que têm com ela uma certa analogia e que vieram a ser usadas mais tarde pela Igreja na liturgia do Sagrado Coração. «Tu feriste o meu Coração, ó irmã minha esposa».(1) «Põe-me como selo sobre o teu coração».(2) «Vem pomba minha na fenda da pedra, na abertura da ferida».(3) «E voltarão o olhar para mim que fui transpassado». (4) «Naquele dia haverá uma fonte aberta para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém».(5)
Os grandes místicos, que entraram pela Chaga do costado entraram no templo santo do Coração de Jesus e descobriram nele os grandes tesouros aí encerrados. Usavam destas passagens voluntariamente para exprimir os afetos do seu coração e exortar outros a entrarem, a amarem o Coração de Jesus. Deste fato e das suas analogias não podemos tirar a conclusão que a nossa devoção fosse indicada, e menos ainda profetizada nos textos referidos acima.(6)
Os primeiros germens, os encontramos na historia evangélica. O Padre Macinai escreve: «Muito se enganaria, quem acreditasse que esta devoção só tenha começado em nossos dias. Houve sempre na Igreja desde os tempos do discípulo amado S. João, almas privilegiadas que ouviram as palpitações daquele Coração adorável e procuraram corresponder a elas do melhor modo possível.(7) E noutra passagem: «A Igreja não ficou 1700 anos sem adorar este Coração, que tanto amou os homens e sem tributar-lhe um culto particular».(8) Porém, logo ele acrescenta que quer referir-se ao objeto formal desta devoção.
O autor do Compêndio Histórico da devoção ao Sagrado Coração de Jesus escreve : «Não é nova na Igreja esta devoção, mas é tão antiga como a Igreja mesmo».(9)
E, na enumeração dos Santos que se distinguiram nesta devoção, antes da Santa de Paray, cita, como primeiro, o discípulo amado.
Estas nascentes, que brotaram das narrações dos Evangelhos, como olhos d’água, que descem da montanha formando uma fonte que corre escondida na sombra da floresta e chega na planície onde engrossa e forma um rio que fecunda províncias inteiras, por mais de dez seculos, não deram quase sinais de vida; mas depois, fecundadas pela meditação de almas santas, nos deram aquele florescimento que admiramos desde o seculo doze até os nossos dias.
«O Novo Testamento, escreve Thomaz, contem ideias gerais da nossa devoção em uma forma rudimentar semelhantes a pedras preparadas para fabricação de um templo; esperam a hora escolhida pelo Divino Arquiteto, que deve levantar o edifício».(10)
O PRIMEIRO CHAMADO
Ninguém melhor do que Jesus podia falar-nos do seu Coração Divino, e manifestar-nos seus suaves atrativos e mais eficazmente convidar as almas a aproveitarem-se dos imensos tesouros de amor nele encerrados. E Jesus, na sua grande misericórdia, se dignou revelar-nos o seu Coração. S. Matheus no Capitulo XI do seu Evangelho, recolheu a divina revelação e no-la transmitiu.
Jesus ressuscitou o filho da Viúva de Naim, deu resposta aos discípulos de S. João, é cercado dos discípulos e das multidões, todos pobre gente ignorante e humilde. Com seu olhar, suavemente compassivo, e que convida cheio de atração, abraça todas aquelas almas humildes. Esse olhar Ele lança sobre o futuro, e descobre outras almas que segui-lo-ão no caminho da humildade e do sacrifício. Vê os necessitados de auxílio e de conforto no presente e no futuro: e ao pensar que a todos indistintamente abria os infinitos tesouros do seu Coração Divino, se enche de consolação e de alegria espiritual, cuja doce efusão comove os nossos corações: «Ó Pai, exclama, Senhor do Céu e da terra, eu vos dou graças porque escondestes estas coisas aos sábios e prudentes e as manifestastes aos pequeninos. Sim, ó Pai, tal foi o teu beneplácito». E as palavras do Divino Mestre se tornam mais sublimes: «Todas as coisas me foram confiadas pelo meu Pai… Vinde a mim vós todos que gemeis debaixo de algum peso, e eu vos aliviarei: tomai o meu jugo sobre vossos ombros, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de Coração. Assim encontrareis a paz de vossa alma, porque o meu jugo é suave, é leve o meu peso». Só Jesus pôde fazer um convite tão terno às almas cansadas pela luta, combatidas continuamente pelas paixões, e quase suplantadas pelos inimigos. Só Ele tem o que pode consolar os seus amigos: verdade que ilumina as inteligências; graça que opera as maiores, as mais prodigiosas transformações. Sobretudo, Ele possui um Coração bom, terno, compassivo, generoso, sempre disposto a derramar benefícios e a comunicar-se.
Mais tarde Ele falará e dirá à humilde Visitandina: Meu Coração está tão cheio de amor pelos homens que, não podendo mais conter as chamas, necessita derramá-las, espalhá-las sobre as almas para enriquecê-las com os preciosos tesouros que vos manifestei. É a segunda revelação do Coração Divino de Jesus: o segundo convite às almas necessitadas.
A PRIMEIRA CONQUISTA
As palavras do Mestre foram recebidas pela multidão, que, vencida pela bondade de Jesus, pelo Coração manso e humilde, não tinha coragem de separar-se d’Ele; foram recolhidas especialmente por uma alma oculta no meio da turba, que, mais do que as outras, sentia a necessidade delas.
S. Lucas, que mais do que os outros evangelistas segue a ordem cronológica, depois de falar da embaixada que S. João mandou a Jesus Cristo pelos seus discípulos, nos faz menção do banquete que teve lugar na casa de Simeão, para o qual foi o Divino Mestre convidado e o aparecimento da Madalena na sala do festim. Em Madalena podemos admirar a primeira alma necessitada de paz que aceita o convite de Jesus e experimenta a misericórdia do seu Divino Coração.
A conversão de Madalena era recente. Como as grandes almas convertidas, ela sente a necessidade do provar com algum sinal extraordinário a sinceridade da conversão. Entra na sala do jantar, quebra o vaso de alabastro derramando o unguento precioso que ele continha sobre os pés do Redentor.
Esta mulher, moça, rica e cheia de inteligência, tem um coração grande e generoso, que sente a necessidade de ser amado; e como tantas outras infelizes como ela, pede às criaturas a satisfação desta necessidade e, arrastada por elas, se perde. É inútil. Isto ela mesma deve reconhecer: o coração não é satisfeito; é possuído da mesma inquietação e, entretanto, continua na sua vida buscando prazeres.
Em um momento de desânimo, Madalena ouve falar de Jesus, dos milagres por Ele operados na vizinha cidade de Cafarnaum e noutros lugares. Ouve contar o milagre de Naim, pouco distante da sua vila. É preciso ver Jesus, diz ela consigo, talvez tenha para mim uma dessas palavras das quais minha alma vive sequiosa. E sabendo que Jesus ainda se achava nas vizinhanças de Naim, corre ao seu encontro. A jovem se confunde no meio das turbas: vê quanto o ensino de Jesus é diverso dos ensinamentos dos doutores da lei. Ouve as palavras com que Jesus convida todas as almas que venham a si: mas especialmente as almas cansadas. E lhes dá a segurança da bondade de seu Coração. Então, diz Madalena, estas palavras são para mim: quem poderá haver mais cansada do que eu? Preciso de paz e de tranquilidade: que as criaturas tantas vezes me prometeram e não são capazes de me dar. E vai repetindo as palavras que tinha ouvido: Vós que viveis sobrecarregados, vinde a mim que eu vos aliviarei: o meu Coração é bom, é doce, misericordioso, Ele dá a paz.
E Madalena contempla o novo Profeta. Seus olhares acostumados a procurar as belezas nas criaturas, se fixam na figura divinamente modesta de Jesus e ficam deslumbrados. A fisionomia nobre do Mestre, a sua fronte pura iluminada pelo reflexo da Divindade, seu olhar sereno e suave, o acolhimento amoroso com que recebe todos os que a Ele recorrem, lhe são uma cara surpresa. Absorvida por esta nova visão, ela ouve o eco das palavras de Jesus… o meu Coração é doce, é humilde… vinde a mim vós todos que estais cansados…
Madalena fica vencida, chega-se ao Divino Mestre para ouvir sua palavra de paz e de perdão. A mulher moça convertida será, no seu fervor e na sua generosidade, o modelo das almas amantes de Jesus Cristo. Não pôde mais esquecer o seu Divino Libertador, não pôde mais afastar-se de Jesus: segui-lo-á nas sua divinas peregrinações, ao Calvário, e será a primeira, que o verá ressuscitado e que ouvirá d’Ele palavras de conforto.
Ó Madalena afortunada, que no caminho do pecado foste encontrar Jesus, manso e humilde de Coração, Jesus que te fez este chamado: Vinde a mim, vinde a meu Coração e acharás a paz!❞
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(1) Ct. 4, 9.
(2) Id. 8, 6.
(3) Id. 2 , 14.
(4) Zc. 12, 10.
(5) Id . 13, 1.
(6) BARUTEIL. Genése du culte, pg. 52.
(7) Le devocioni – Il Cuore pg. 5.
(8) Id. pg. 112.
(9) Comp . Hist. pg. 2.
(10) La Theorie de le dévotion.
__________Continua…
(Fonte: livro, em formato PDF, EU REINAREI A Devoção ao Sagrado Coração de Jesus no seu desenvolvimento histórico, Pe. Fernando Piazza dos Menores dos Enfermos, tradução do Dr. Alberto Saladino Figueira de Aguiar, Escolas Profissionais do Lyceu Sagrado Coração de Jesus, São Paulo/1932, Cap. III – Os Fatos de Evangelho, pp. 49-54, obtido do blog Alexandria Católica – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)