SÁBADO SANTO – SEPULTAMENTO DE JESUS
PREPARAÇÃO. Para amanhã nos enchermos de uma doce tristeza e duma suave esperança, meditaremos: 1º o sepultamento de Jesus; 2º a sua estada no túmulo. – Faremos, outrossim, atos de arrependimento, que nos purifiquem das nossas manchas, e atos de confiança nos méritos daquele que promete bens eternos para os que os procuram com fervor. Quae sursum sunt quaerite, quae sursum sunt sapite (Col 3, 1-2).
1º Sepultamento de Jesus
Já que coisa alguma é insignificante quando se refere ao Homem-Deus e à salvação, o Espírito Santo narra-nos todas as circunstâncias do sepultamento do Salvador. José de Arimatéa, diz ele, pediu o corpo de Jesus; envolveu-o num lençol branco, colocou-o num sepulcro novo, talhado na rocha, e revolveu uma grande pedra à sua entrada (Mt 27, 38). São João acrescenta que Nicodemos, para embalsamar o corpo, levou cem libras de uma mistura de mirra e de aloés (Jo 19, 39). – Esses pormenores, que provam a morte do Redentor, servem para confirmar a nossa fé no grande mistério da ressurreição.
Ademais são para nós um modelo a seguir na aquisição das virtudes essenciais aos verdadeiros discípulos de Jesus. E, de fato, segundo a expressão de São Paulo, não somos nós sepultados com Jesus Cristo, pelo batismo, em uma morte mística? Essa morte, segundo Santo Tomás, é a conversão do coração, pela qual o homem velho desaparece como em um túmulo.
Como os apóstolos, antes de tudo, procuraram embalsamar o Salvador com um preparado de aromas, assim o dever de uma alma sepultada no túmulo pela penitência é de trabalhar para recolher o perfume das virtudes que a tornarão perfeita. A alvura do lençol de Jesus simboliza a pureza que um coração deve ter para unir-se estreitamente a Deus. A mistura de mirra e aloés indica o meio que conduz à pureza dos santos. Esse meio é a mortificação que nos separa das coisas exteriores, dos bens criados e sobretudo de nós mesmos para unir-nos ao soberano bem. São essas as nossas disposições?
Jesus, quantas vezes me esqueço que estou na escola de um Deus crucificado, de um Deus sepultado três dias, para me ensinar a morrer a mim mesmo e a colocar no túmulo o homem natural, o homem do pecado, que vive em mim. Ah! dignai-vos mostrar-me qual é na minha alma o maior obstáculo à minha santificação. É talvez a vanglória, o desejo das honras, a dificuldade de esquecer uma ofensa, de perdoar uma injúria, uma falta de atenção? Ou antes o amor dos prazeres, da liberdade de ver tudo, sem me esforçar para coisa alguma? Jesus, falai ao meu coração, que está pronto a todo sacrifício para a vossa glória e o meu progresso espiritual.
2º Jesus repousa no túmulo
Quem não se comoverá vendo a pobreza desse grande Deus a quem tudo pertence, e que, não contente de nascer num estábulo abandonado, quer ainda morrer despojado de tudo e, depois da sua morte, seja colocado num túmulo que não é seu? Que lição para nós, que nos atermos às vaidades do mundo e às riquezas perecíveis! – O túmulo e Jesus foi escavado num jardim, para significar, diz Santo Tomás, que o túmulo deve ser para nós o pórtico do céu. Nos jardins celestes não entra o joio das nossas faltas e imperfeições e muito menos as plantas venenosas dos nossos maus hábitos e de nossas paixões imortificadas. Lá só se admitem virtudes cultivadas com cuidado durante a nossa vida mais ou menos longa neste mundo. Fujamos, pois, da tibieza e da negligência no trabalho da nossa santificação.
O sepulcro de Jesus era novo: é num coração puro, renovado pela contrição, oração e amor divino, que devemos recebê-lo na sagrada mesa e em viático na hora derradeira, para sermos enumerados entre os eleitos. – Esse sepulcro talhado no rochedo indica-nos ainda a firmeza e a constância que a verdadeira virtude requer. Para alguém se salvar, não lhe basta ter servido ao Senhor exteriormente, nem durante um certo número de anos; é necessário ainda unir-se a ele de todo o coração e perseverar no seu amor até ao fim. – Depois de colocarem respeitosamente no sepulcro o corpo inanimado de Jesus, os discípulos fecham-no e todos, sem excetuar a Santíssima Virgem, retiram-se, deixando o Redentor no sono da morte. Viva e última lição para nós! Um dia, depois de sepultarem os nossos restos mortais, todos se retirarão, deixando-nos absolutamente sós no lúgubre isolamento do túmulo. Et solum mihi superest sepolcrom!
Jesus sepultado! do sepulcro em que repousais, dignai-vos com vossa graça purificar o meu coração, desapegá-lo do mundo, santificá-lo e adorná-lo de virtudes. Dai-me a coragem de me preparar para a morte todos os dias da minha vida, por um constante exercício de abnegação, que me faça humilhar o meu espírito em vossa presença, submeter o meu juízo e vontade aos que me governam em vosso nome e sujeitar todas as minhas inclinações ao vosso beneplácito. Sob a proteção da vossa aflita Mãe, tomo a resolução de receber-vos doravante em meu coração: 1º embalsamando-vos com o perfume dos santos desejos e piedosos afetos; 2º oferecendo-vos uma consciência pura e alva como o vosso lençol, uma vontade firme no bem como a pedra do vosso sepulcro, e uma alma toda separada do mundo como o vosso corpo encerrado no sepulcro.
(Fonte: in Meditações Para Todos os Dias do Ano, R. P. Bronchain, C.SS.R, traduzidas da 13ª edição francesa pelo R. P. Oscar Chagas, C. SS.R., Tomo Primeiro, Editora Vozes, 1940, pp. 273-275, obra em formato PDF obtida do blog Alexandria Católica. Texto revisto, atualizado e com destaques acrescidos)