SANTA GERTRUDES MAGNA: UTILIDADE DA LEMBRANÇA DA PAIXÃO DO SENHOR
No domingo Judica* em que se começa a venerar mais especialmente a Paixão do Senhor, quando ela (Sta. Gertrudes) acabava de oferecer-se inteiramente a Deus para sofrer e cumprir em sua alma e em seu corpo tudo quanto agradasse à divina vontade, o Senhor pareceu aceitar essa oferta com inefável gratidão. Depois, sob a influência divina, saudou no mais íntimo de seu coração cada um dos membros santíssimos que, para nossa salvação, suportaram tormentos durante a Paixão.
*Judica. Domingo da Paixão (ontem, segundo o Rito Tradicional).
Quando saudava um membro do Senhor, dele se desprendia imediatamente um esplendor divino que vinha iluminar sua alma e, nesse esplendor, ela recebia a comunicação da inocência que Cristo adquirira para sua Igreja com o sofrimento desse membro. Quando todos os membros sagrados foram penetrados por sua luz e ornados com sua inocência, ela disse:
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Ó meu Senhor, Vós me ensinais a vos glorificar, celebrando vossa santa Paixão, com a inocência com que vossa bondade inteiramente gratuita se dignou enriquecer-me?
O Senhor respondeu:
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Considera sempre em ti mesma com reconhecimento e compaixão a angústia que me imergiu em uma suprema agonia durante a qual Eu, teu Criador e Mestre, prolonguei minha oração[1]. Recorda-te do suor de sangue com que reguei a terra, pela veemência de meus desejos e de meu amor. Enfim, confia-me todas as tuas obras e tudo o que te diz respeito, em união com aquela submissão que me fez dizer a meu Pai: Pai; seja feita a vossa vontade e não a minha[2]. Aceita a prosperidade ou a adversidade, porque é meu divino amor que dispõe todas as coisas para tua salvação. Recebe com reconhecimento a prosperidade que meu amor condescendente concede à tua fraqueza, a fim de que guardes a recordação da eterna felicidade e aprendas a esperá-la. Recebe também a provação, unindo-te ao amor paternal que me levou a enviá-la, a fim de que, por ela, possas adquirir os bens da eternidade.
Então, ela resolveu saudar os membros de Cristo no decorrer da semana, pela oração Salvete delicate membra, etc., e viu que essa resolução agradava ao Senhor. Assim, não hesitemos em imitá-la, para que gozemos uma alegria semelhante.
Na missa, quando se lia a passagem do Evangelho Estás possuído pelo demônio[3], ela ficou profundamente emocionada pela injúria feita ao Senhor e, não podendo suportar que o Bem-Amado de sua alma ouvisse ultrajes tão indignos, empenhou-se em lhe opor a expressão de sua ternura:
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Salve pérola vivificante da nobreza divina, salve flor imortal da dignidade humana, Jesus amabilíssimo, minha suprema e única salvação.
Segundo seu hábito, o Senhor, cheio de bondade, quis retribuir seu gesto e, inclinando-se para ela, acariciou-a e murmurou no ouvido de sua alma estas doces palavras:
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Eu sou teu Criador, teu Redentor, aquele que te ama. Eu a adquiri nas angústias da morte, ao preço de toda a minha santidade.
Nesse momento, todos os santos manifestaram profunda veneração pela inefável condescendência do Senhor para com essa alma e bendisseram Deus com grande alegria.
E seguida, Ele disse:
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No julgamento rigoroso do dia da morte, quando o homem estiver exposto às acusações dos demônios, testemunharei uma ternura semelhante à que acabo de mostrar por ti para com aquele que tiver contraposto às injúrias e ultrajes com que fui oprimido na terra, as doces consolações que teu amor te inspirou. Consolá-lo-ei com essas mesmas palavras: Eu, teu Criador, teu Redentor, etc. E se essas palavras inspiram aos santos de Céu uma grande admiração, quanto mais ficarão aterrorizados e serão postos em fuga os inimigos da alma que tiver merecido de minha bondade divina tal consolação no dia do Juízo.
Esforçemo-nos, pois, com todo afeto de nossa alma e coração, para oferecer ao Senhor provas de amor quando soubermos que Ele recebeu alguma ofensa. Se não o pudermos fazer com tanta afeição quanto a descrita acima, ofereçamos-lhe ao menos a vontade e o desejo de possuir um perfeito amor, o desejo e o amor que conduzam para ele todas as criaturas. Depois, tenhamos confiança, porque a generosa bondade de Deus não despreza os presentes humildes de seus pobres. Ao contrário, aceita-os e devolve-os ao cêntuplo, conforme as riquezas de sua misericórdia e doçura.
[1] São Lucas 22, 43.
[2] Pater, non mea, sed tua voluntas fiat. São Lucas 22, 42.
[3] Daemonium habes.
(Fonte: opúsculo Mensagem do Amor Divino Revelações de Santa Gertrudes, Livro IV, tradutor: Celso da Costa Carvalho Vidigal, Editora ArtPress, São Paulo/2016, pp. 118-121 – Alguns destaques acrescidos)