SÃO JOSÉ DE ANCHIETA, APÓSTOLO DO BRASIL
Desde a missão de evangelizar, civilizar e instruir os indígenas da Terra de Santa Cruz até a vocação de cruzado — colaborando heroicamente para a expulsão dos hereges que invadiram nossas terras —, Anchieta foi um dos principais forjadores da unidade nacional. Sua festividade é comemorada neste dia 9 de junho.
Beatificado por João Paulo II em junho de 1980, Anchieta foi canonizado no dia 3 de abril de 2014 pelo Papa Francisco. Mas já nos idos de 1736 Clemente XII fizera a proclamação da heroicidade de suas virtudes, tornando-se desde então comum recorrer à intercessão desse Venerável filho espiritual de Santo Inácio de Loyola, que mereceu o cognome de Apóstolo do Brasil. A esse título ele será particularmente atento às preces que nós brasileiros lhe dirigirmos — tanto para as nossas necessidades individuais quanto para as da Terra de Santa Cruz.
A respeito das delongas e dos obstáculos para se chegar à tão esperada canonização de Anchieta, escreve o Pe. Armando Cardoso, S.J: “Seu processo de beatificação, começado cinco anos apenas após sua morte, e interrompido várias vezes por diversas circunstâncias históricas, se estendeu até 1736, em que o Papa Clemente XII deu o ‘Decreto das Virtudes em Grau Heroico Praticadas pelo Venerável Servo de Deus o Padre José de Anchieta, Sacerdote Professo da Companhia de Jesus’. Retomado para exame dos milagres, foi largado por mais de 120 anos por ocasião da perseguição à Companhia de Jesus, sua supressão, restituição e volta ao Brasil (1757-1877)”.
Fundador da cidade de São Paulo, um “Bandeirante da Fé”
Também cognominado “Apóstolo do Novo Mundo” e “São Francisco Xavier da América”, José de Anchieta nasceu há 480 anos, no dia 19 de março de 1534, em São Cristóvão de La Laguna, Tenerife (Arquipélago das Canárias). Descendente de nobres espanhóis, iniciou seus estudos universitários em Coimbra no ano de 1548, e três anos depois ingressou na Companhia de Jesus. Com apenas 19 anos, enquanto noviço jesuíta, embarcou como missionário para o Brasil, aportando na Bahia de Todos os Santos (Salvador) em 13 de julho de 1553, com o governador-geral Duarte da Costa.
Pouco depois, partiu para seu principal destino: São Vicente, no litoral paulista, então sede da capitania de Martim Afonso de Sousa.
Seu zelo pela salvação das almas levou o jovem Anchieta a galgar os 900 metros da escarpada Serra do Mar para chegar ao planalto de Piratininga. Acompanharam-no nesta empreitada 12 jesuítas, que se estabeleceram sobre uma colina entre os rios Tamanduateí e Anhangabaú. Também vinham junto 20 “curumins” — indiozinhos que haviam descido para São Vicente a fim de estudar na escola dos missionários.
Não se trata de narrar aqui toda a empolgante epopeia desse santo missionário, nem os numerosos milagres por ele operados em terras brasílicas. Mas dentre os abundantes fatos épicos de sua vida merece especial destaque um: em 25 de janeiro de 1554, o jovem jesuíta, juntamente com o Pe. Manoel da Nóbrega, fundou a Vila de Piratininga, tendo como ponto de partida o atual Pátio do Colégio, berço da capital paulista. Naquele dia, o ato de fundação da cidade foi a primeira Missa celebrada no rústico e provisório “Colégio São Paulo”. Tal foi o papel do Apóstolo do Brasil, como incansável “Bandeirante da Fé”, na fundação da cidade de São Paulo, que alguns autores afirmam que a atual megalópole bem poderia chamar-se “Cidade de Anchieta”.
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura”
Pela grandeza da obra do recém-canonizado santo, salta aos olhos o quanto é injusta e cruel a crítica que a nova missiologia indigenista — levada a cabo por sacerdotes progressistas alinhados à “Teologia da Libertação” — lança contra Anchieta devido à sua catequese dos índios. Sendo batizados e civilizados, estes só lucraram, tanto espiritual quanto materialmente, pois se viram livres de práticas pagãs, de contínuas batalhas entre tribos, e de muitos vícios, como a bebedeira, o infanticídio, a feitiçaria, o canibalismo etc.
Entretanto, os tais neomissionários pregam o retorno dos silvícolas aos seus antigos vícios, ao primitivismo tribal… Pregação bem oposta à gloriosa missão de Anchieta, que admiravelmente seguiu o divino mandado de Nosso Senhor: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas” (Mc 16,15-17).
“A pedra preciosa é o Padre Anchieta”
O zelo apostólico de Anchieta, “Ad Majorem Dei Gloriam” (fazer tudo para a maior glória de Deus — lema dos Jesuítas), não se restringiu ao planalto paulista. Seu ardor pela conquista das almas e estabelecimento da civilização cristã em nossas terras levou-o a percorrer enormes distâncias e boa parte do litoral brasileiro. Para esse infatigável apostolado junto aos silvícolas, Anchieta redigiu, em menos de dois anos, a Gramática da língua mais usada na costa do Brasil — “a melhor de todas as que se escreveram nos tempos coloniais e a que mais corresponde às exigências científicas modernas”, segundo o Pe. Hélio Abranches Viotti, S.J.
Entre outras obras, Anchieta escreveu os Diálogos da Fé em língua tupi, que passou a ser usado em São Vicente desde 1557. Compôs diversos poemas, canções, sermões e peças teatrais para ensinamento dos índios; redigiu também algumas instruções catequéticas sobre o batismo, a assistência aos silvícolas em perigo de morte e o sacramento da confissão.
Sinteticamente, para se ter uma certa noção do vulto grandioso desse gigante da fé, basta lembrar o que dele afirmou o segundo bispo do Brasil, Dom Pedro Leitão, o qual lhe havia conferido o sacramento da Ordem: “A Companhia de Jesus no Brasil é um anel de ouro e a pedra preciosa dele é o Padre Anchieta”.
Ou ainda o que escreveu o jesuíta Simão de Vasconcelos (1596-1671), um dos primeiros biógrafos de Anchieta: “Um José na castidade, um Abraão na obediência, um Moisés nos segredos do Céu, um Job na paciência, um Elias no zelo e um David na humildade. Um portento de maravilhas e um assombro do mundo”.(4)
Cruzada brasileira contra os invasores do Rio de Janeiro
Além do título de fundador de São Paulo, o Pe. Anchieta mereceu também, juntamente com o Pe. Manoel da Nóbrega, o de co-fundador do Rio de Janeiro. Vejamos.
Nicolas Durand de Villegaignon (1510-1571), e outros invasores franceses protestantes, chegaram à baía de Guanabara em 1555, construíram o Forte de Coligny na ilha de Seregipe (como a chamavam os Tamoios — hoje ilha de Villegaignon) e implantaram ali uma colônia que, muito jactanciosamente, denominaram “França Antártica”. Mas foram expulsos da ilha pela esquadra enviada pelo governador-geral Mem de Sá (1500-1572). Entretanto, os sectários de Lutero retiram-se para terra firme, instigaram os índios Tamoios contra os portugueses e retornaram mais tarde as antigas posições.
Os intrusos, amotinando os Tamoios, desejavam implantar a heresia calvinista na Terra de Santa Cruz. Nóbrega e Anchieta logo perceberam a gravidade do perigo e insistiram junto à Corte de Lisboa para que enviasse novas forças. Ao mesmo tempo, multiplicaram os contatos com os chefes indígenas aliados e incentivaram a fabricação de armas e embarcações, somando esforços junto ao governador-geral, que — como registrou Anchieta em sua obra Feitos de Mem de Sá — “prepara uma esquadra para expulsá-los das terras mal havidas: equipa com armas luzentes muitas naus e as enche de escolhidos soldados”.
O grande missionário e taumaturgo tornou-se o esteio moral em que se apoiavam as esperanças de todos. Foi Anchieta quem, durante o estratégico ano de 1565, soube manter inabalável o espírito combativo contra o herege invasor, sem o qual os intrusos não teriam saído do Rio de Janeiro, ameaçando, assim, dividir a nação brasileira.
Vindo da Bahia em socorro de seu sobrinho Estácio de Sá, o governador-geral, Mem de Sá, derrotou definitivamente os invasores franceses em 20 de janeiro de 1567, dia de São Sebastião. A vitória, entretanto, custou a vida do jovem e bravo Estácio — que veio a falecer santamente um mês após a vitória, em consequência de uma flecha envenenada. Essa vitória contra os inimigos da fé católica foi marco da fundação de São Sebastião do Rio de Janeiro. Fundada pelo fidalgo Mem de Sá, mas para a qual Anchieta tanto havia colaborado, por exemplo, estimulando os indígenas à defesa da cidade, entre os quais se destacou o valente índio Ararigboia (da tribo dos termiminós), batizado com o nome de Martim Afonso.
Essa heroica reação de portugueses e nativos contra os calvinistas franceses poderia ser designada como a primeira cruzada brasileira para a expulsão dos protestantes que pretenderam dominar o Rio de Janeiro e, a partir daí, apoderarem-se da nação.
Cantor e poeta da Santíssima Virgem Maria
A devoção do Pe. Anchieta a Nossa Senhora é dos traços que mais o distinguiam. Uma prova saliente disso se deu durante seu cativeiro entre os índios Tamoios, em Iperoig (Ubatuba), quando compôs o célebre Poema da Virgem (De Beata Virgine Matre Dei Maria), certamente a primeira grande obra literária em honra da Santíssima Virgem escrita em terras da América. Com seu bordão, o indômito missionário jesuíta escreveu sobre a areia da praia, em latim clássico, o poema de quase seis mil versos, no qual ele canta a história da Mãe de Deus desde sua Conceição Imaculada até sua gloriosa Coroação no Céu. Nesse fabuloso poema, além de sua robusta inteligência e cultura, o santo autor se revela um precursor dos dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção.
Após 44 anos de contínuo labor apostólico, o agora canonizado Pe. José de Anchieta — que em vida já era considerado grande santo —, previu o dia de sua morte. Despediu-se na véspera de seus próximos, e no dia 9 de junho de 1597 entregou sua bela alma a Deus, aos 63 anos de idade, na aldeia do Reritiba, hoje cidade de Anchieta (ES). Entre os índios, foi geral a lamentação e tristeza pela morte daquele que lhes dedicara toda a sua existência. Hoje o Brasil inteiro venera esse fulgurante missionário que profeticamente, na acima citada obra, anunciara: “A nação que se ceva agora em carnes humanas, a terra em que sopra o Sul, conhecerá o Teu nome e ao mundo austral advirão os séculos de ouro, quando as gentes brasílicas observarem a Tua doutrina” — a divina doutrina de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o Apóstolo do Brasil viveu e morreu heroicamente.
“Primeiro rebento de santidade de uma grande nação”
A seguir, algumas palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, publicadas em “O Século”, do Rio de Janeiro, em 4-9-1932:
“Se pudéssemos recorrer a uma comparação profana, para dar a ideia da importância de Anchieta em nossa história, diríamos que ele foi para o Brasil o que Licurgo foi para Esparta e Rômulo para Roma. Isto é, um desses heróis fabulosos que se encontram nas origens de algumas grandes nacionalidades, a levantar os primeiros muros, edificar os primeiros edifícios e organizar as primeiras instituições.
“Sua figura, de uma rutilante beleza moral, se ergue nas nascentes da nação brasileira, a construir seu primeiro hospital e seu primeiro grupo escolar, e a redigir, confiando-os às praias do oceano, os primeiros versos compostos em plagas brasileiras.
“O fundador de São Paulo foi, portanto, simultaneamente, nosso primeiro mestre-escola, nosso primeiro fundador de obras pias e o patriarca de nossa literatura, o mais antigo vulto da literatura brasileira, como o chamava Silvio Romero.
“E sobre esta tríplice coroa fulgura ainda o diadema de uma virtude que fez reproduzirem-se em selvas brasileiras os milagres do Poverello de Assis, que, com sua simples presença, amansava feras e atraía os passarinhos, nas florestas densas da Úmbria.”
_______Paulo Roberto Campos. http://blogdafamiliacatolica.blogspot.com.br/ – Jornalista (MTB 83.371/SP), colabora voluntariamente com a Revista “CATOLICISMO” (mensário de Cultura e Atualidades) e com a “ABIM” (Agência Boa Imprensa).
(Fonte: IPCO-Instituto Plinio Corrêa de Oliveira)