SEGUNDA-FEIRA SANTA – A SANTA FACE
PREPARAÇÃO. A santa Igreja exclama: “Saí, filhas de Sião: vinde ver o vosso rei com o diadema com que a sinagoga o coroou” (Of. Spin. Coron.). Meditaremos: 1º como foi contundida e ensanguentada a face de Jesus na coroação de espinhos; 2º como foi apresentada ao povo judaico no Ecce Homo. – Faremos, a seguir, atos de arrependimento ao considerar o belo semblante de Jesus, desfigurado por nossos pecados. Egredimini et videte Regem in diademate.
1 º A face de Jesus ensanguentada e contundida
Depois que os algozes flagelaram cruelmente a Jesus, não encontrando mais nada a dilacerar em seu corpo, lembraram-se de atormentar a sua sagrada cabeça. Reunindo a tropa dos soldados romanos, revestem de novo a Jesus com um manto de púrpura e, tecendo uma coroa de longos espinhos, cravam-lhe violentamente na cabeça a golpes de martelo, sem pouparem o seu belo semblante. Ó atrocidade humana! Ó bondade do Deus salvador! – Onde estão os traços divinos que refletiam tanta doçura e majestade? Que é feito daqueles olhares potentes, que intimidavam os soberbos fariseus, realentando a coragem dos pequenos e humildes? Seus olhos estão extintos pela dor e seu semblante, coberto de sangue e feridas, ninguém mais o conhece. Vidimus eum et non erat aspectos (Is 53, 2).
Não tardam os atos sacrílegos. Os espinhos, que traspassam a sagrada fronte de Jesus, servem-lhe de coroa, e a clâmide substitui o manto régio. Colocam-lhe a cana na mão direita, à moda de cetro (Mt 27), e os soldados, alternando-se, ajoelham-se diante dele com palavras de escárnio: “Deus te salve, rei dos judeus”. Erguendo-se, cospem-lhe no rosto, dão-lhe bofetadas, arrancam-lhe os cabelos e a barba com grandes gargalhadas. Anjos do céu, onde estais? como consentis que tão indignamente ultrajem o vosso rei? Ah! Compreendo-vos: ele mesmo contém o vosso zelo, porque quer perdoar aos pecadores. A sua caridade entrava o seu poder, para nos constranger a tudo esperarmos dele. Por mais graves que tenham sido os nossos crimes, não igualam a satisfação dada por seu amor. A sua coroa expia o nosso orgulho; os seus espinhos apagam as nossas faltas de pensamentos; os seus olhos divinos reparam a imodéstia dos nossos olhares; o seu rosto coberto de sangue restitui às nossas almas a sua antiga formosura perdida pelo pecado.
Jesus, imprimi a vossa adorável face no meu coração, para que nunca eu vos perca de vista. Que a lembrança da vossa paixão me inspire a coragem de imitar a vossa humildade e paciência: a vossa humildade, que me faça abraçar com tranquilidade o que crucifica o meu amor próprio e o desejo de ser estimado; a vossa paciência, para nunca me queixar das penas, enfermidades e males deste mundo, mas para suportá-las com mansidão e serenidade.
2º A face de Jesus apresentada no Ecce-Homo
Depois de os soldados terem descarregado sobre Jesus toda a sorte de torturas e vilanias, remeteram-no novamente a Pilatos. Este dirigiu-se aos judeus, dizendo: “Apresento-vos o acusado, para que reconheçais que nele não há nada que o faça digno de morte”. – Jesus apareceu revestido dum manto de púrpura, a cabeça coroada de espinhos e o rosto maltratado, coberto de sangue: “Eis aqui o homem”, exclamou Pilatos. E os judeus gritaram “Crucificai-o, crucificai-o”.
Jesus, que dirão esses infelizes, quando vos virem um dia nas nuvens do céu, revestido de glória e majestade? Quando estiverem diante da vossa face resplendente, sob os vossos olhares cintilantes e ouvirem ressoar a vossa voz formidável, que lhes dirá: “Eis aqui o homem que crucificastes!” Que responderão os pecadores, quando lhes exprobrardes o haverem contribuído com seus crimes a cobrir o vosso rosto adorável de escarros, contusões, pó e sangue? – Que diremos nós, Senhor, quando nos acusardes de nos termos tantas vezes envergonhado de vós pelo respeito humano; de termos manchado os nossos olhos, ouvidos, língua e paladar pela sensualidade, imortificação e tantas faltas ultrajantes à vossa majestade e santidade infinitas?
Padre eterno, olhai a face do vosso Filho. Respice in faciem Christi tui (Sl 83, 10). Destes-nos esse Filho como mediador e como tal ele se entregou por nós. Coroado de espinhos para que um dia sejamos coroados de glória, deixou-se desfigurar para adornar as nossas almas, enobrecê-las, santificá-las e torná-Ias dignas da suprema beatitude. Olhai-nos através da face do Redentor, através do seu sangue, chagas e espinhos para que possamos merecer vossas eternas misericórdias. – E vós, Espírito Santo, pela intercessão da divina Mãe, inspirai-me a resolução de contemplar frequentemente a face ensanguentada do meu Salvador. Quando a cólera, a impaciência ou a concupiscência me perturbarem, fazei que prontamente lance os olhos para esse rosto puro e sereno em que se refletem a inocência e a mansidão; e que logo a calma das paixões se restabeleça em minha alma. – Se as dores do espírito e as desolações me lançarem no desânimo, recordai-me os espinhos que atormentaram a sagrada cabeça de Jesus, afim de que a confiança e a resignação me tranquilizem e consolem. Numa palavra, que a face adorável do meu Redentor seja frequentemente o objeto da minha contemplação! que ela se imprima em meu interior e se me torne fonte abundante de santos pensamentos, piedosos sentimentos e devoção eficaz. Et videte Regem in diademate.
(Fonte: in Meditações Para Todos os Dias do Ano, R. P. Bronchain, C.SS.R, traduzidas da 13ª edição francesa pelo R. P. Oscar Chagas, C. SS.R., Tomo Primeiro, Editora Vozes, 1940, pp. 253-256, obra em formato PDF obtida do blog Alexandria Católica. Texto revisto, atualizado e com destaques acrescidos)