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A REALEZA DE CRISTO
Solenidade de Cristo Rei do Universo
A REALEZA DE CRISTO
(Hoje a Igreja, no Brasil, celebra a Solenidade de Cristo Rei do Universo)
Não há muio tempo, que um douto conferencista na Inglaterra falando sobre este tema: — Quem ganhou a guerra?(1) deu a resposta seguinte: «Militarmente a França: politicamente a Inglaterra; economicamente os Estados Unidos, e moralmente o Papa e só o Papa.»
Sim, foi Bento XV quem fez ouvir a sua voz em todo o mundo durante a guerra e depois dela terminar: agora, ao instituir Pio XI esta nova festa, fê-lo pensando na reconstrução do mundo.
Ao publicar o decreto da instituição desta nova festa, o Papa fez constar, explicitamente, que espera uma «renovação do mundo». Tinha a tristíssima experiência do passado. A guerra mundial terminou com um tratado de paz, para o qual não se pediu a colaboração do Papa.
Funestos «pactos de paz», aqueles em que nem sequer se menciona o nome de Deus! E continuam as reuniões e assembleias em busca da paz, mas ninguém pronuncia o nome de Deus!…
E os resultados estão patentes! Há anos que terminou a Grande Guerra e onde está a paz? Onde está a tranquilidade dos povos? «O cruel tratado de paz é a bancarrota do Cristianismo!» dizem os homens desesperados. Oh! não! É a bancarrota do paganismo moderno. O nosso mal está em que não somos verdadeiramente cristãos. Se a Europa fosse cristã, não teria imposto tal «paz» às nações vencidas…
E eis que do alto do Vaticano o Papa levanta a sua voz para mostrar o verdadeiro caminho. «Não há paz? Não; nem a há, porque a buscais por caminhos errados. Nada quereis saber de Cristo, quando Ele é o centro de toda a história».
— Existe em Roma um instituto sanitário, o Vaticano, cujo ofício é descobrir os bacilos que causam as doenças do mundo. No dia 11 de Dezembro de 1925, o Diretor deste Instituto, que tem a responsabilidade da saúde espiritual de todo o mundo, levantou a sua voz e fez ouvir um grito de alarme por meio de uma encíclica: «Povos da terra, cuidado, uma peste epidêmica grassa por toda a parte. Um contágio universal ameaça todo o mundo: e esta epidemia, este contágio é quererem os homens desterrar a Cristo da vida! Infelizes, se continuais assim, perecereis!»
E o que mais revela quanta razão tem o Santo Padre para lançar esse grito de alarme é que nós não nos assustamos ao ouvir o seu grito de alarme e permanecemos indiferentes. Parece que desde que apareceu a encíclica, não se devia falar de outra coisa nos jornais, nas conversas e em todas as reuniões.
E sucede realmente assim? Onde se fala dela? Em parte alguma.
Isto demonstra claramente a grave doença de que sofre a sociedade. Do posto mais alto chama-se-lhe a atenção para a sua doença mortal: e ela nem sequer se assusta e não move sequer um dedo da mão.
Recordo-me dum caso curioso:
Um dia, um velho professor de medicina levou os seus alunos a uma grande sala de um hospital; estando todos no meio da sala. dirigiu-lhes esta pergunta: «Digam-me os senhores, daqui, de longe, qual é o doente mais grave? … Como? … Não o sabem?… Pois bem, olhem aquele, ali naquele canto, aquele homem coberto de moscas. É ele. Porque se um doente sofre tranquilamente e numa completa apatia, deixando que as moscas lhe poisem sobre a cara, é sinal de que o seu fim se aproxima…»
A doença da sociedade não se pode ocultar por mais tempo, aparecem já as úlceras gangrenosas, mas ninguém reage, ninguém se assusta…
— Mas, onde está o mal? Talvez me pergunte alguém. Perseguem porventura a religião? Levam o crente ao cadafalso ou metem-no na cadeia? Não; isso não se usa hoje; esse era o sistema dos antigos Neros e Dioclecianos. Os bacilos modernos agem de maneira diferente: rarefazem o ar à volta de Cristo e não permitem que na vida pública sejamos católicos.
O mundo é um livro imenso: cada criatura uma frase do mesmo e o autor a Santíssima Trindade. Todo o bom livro gira em torno de um tema fundamental; se quiséssemos resumir numa só palavra a ideia principal do mundo, bastaria escrever este nome — Cristo! Não o vemos ainda com toda a claridade, só o compreenderemos quando aparecer no céu o sinal do Filho do Homem… então veremos face a face que ele é o alfa e o ômega, o princípio e o fim. o centro e a meta. Mas, ainda que agora não o vejamos com toda a claridade, cremo-lo; cremos que, onde falta o sinal do Filho do Homem, ali reina a escuridão, ali se eclipsa o mundo espiritual.
Oh! que eclipse solar atormenta hoje as almas, mesmo as almas cristãs!
«Mas nós confessamos a Cristo», dir-me-ás talvez, amigo leitor. Sim, uns mais outros menos. Mas são tão poucos, os que vivem persuadidos de que Cristo é o principal em todas as coisas! Cristo é Rei em meu coração, é verdade; Cristo é Rei em meu lar, está bem; mas não basta!
Cristo é Rei… também na escola, na imprensa, no Parlamento, na fábrica.
Nosso Senhor Jesus Cristo! Olhemos para o mundo. Onde está a tua Santa Cruz? Vemo-la nas torres das igrejas, em algumas escolas, sobre o leito de alguns cristãos fervorosos. Mas, onde está a tua Cruz na vida pública, onde campeava há séculos? Não a vemos.
Uma noite fria, uma noite sem Cristo envolve as almas. Até para muitos que foram regenerados com as águas do santo batismo, Cristo não é mais do que uma lembrança antiga, fria, nebulosa… «Era e não era. houve no mundo um Cristo…»
Compreendes, pois. caro leitor, qual o objectivo desta nova festividade? Tomar patente esta verdade: sofreis, lutais, correis ao médico: e não conheceis o mal terrível que vos invade, isto é, que o Sol não brilha sobre cabeças.
— Ninguém persegue a religião de Cristo. Seja; mas «não há lugar para Ele» em parte alguma. Como soa aos nossos ouvidos esta frase: «não há lugar para Ele»!… Onde a ouvimos já? Ah sim… na noite de Belém: então também não havia ninguém que perseguisse a Jesus… mas as circunstâncias políticas, sociais e econômicas eram tais que não havia lugar para Ele. Hoje, talvez não se persiga a Cristo, mas… «não há lugar para Ele». Onde se pode falar hoje a Cristo? Só na Igreja. Mas isto não basta. Ele exige quanto temos. Saídos da Igreja, já não temos a impressão de viver entre cristãos. Cristo é Rei, mas despojamo-Io da sua coroa e assim não pode reinar.
(…)
* * *
Esta é a triste situação da sociedade moderna: exilamos o nosso Rei. «Não queremos que Ele reine sobre nós». A política disse: Podemos passar sem Cristo. A vida econômica proclamou: os negócios prescindem da moral. A fábrica perguntou: que quereis fazer de Cristo? Os Bancos disseram: retira-te, nada tens que fazer aqui. Nos laboratórios científicos: A ciência e a fé excluem-se… E, finalmente, desembocamos na situação atual, que parece escrever um grande J N R J: Cristo não existe. O rei morreu!
E então que a voz de Pio XI se faz ouvir de um ao outro confim do mundo:
Aleluia! Jesus Cristo não morreu. Ele aqui está. Cristo vive, Cristo reina! Não queremos um cristianismo diluído! Nós proclamamos que Cristo tem direito absoluto sobre todas as coisas: sobre o indivíduo, sobre a sociedade, sobre o estado, sobre o governo. Tudo está sujeito a Cristo: a própria política, a própria vida econômica, o próprio comércio, a própria arte; a própria família, a criança, o jovem, a mulher, tudo, tudo!
Sim, Cristo é Rei de todos os homens. É o Rei dos Reis! O Presidente dos Presidentes! O Governo dos governos! O Juiz dos Juízes! O Legislador dos Legisladores! O estandarte de Cristo há de drapejar por toda a parte: na escola, na oficina, na redação, na câmara. Viva Cristo Rei!
Há de se renovar o milagre de Caná: Senhor, não temos vinho; bebemos das águas estagnadas do pântano lodoso da vida mundana. Dai-nos outros olhos que tudo vejam de maneira diferente, outro coração e outros desejos… conformes com a vossa lei; e então teremos cristianismo autêntico.
Senhor, estai conosco quando rezamos, para que saibamos rezar como Vós rezastes.
Senhor, estai conosco quando trabalhamos, para que saibamos trabalhar como Vós trabalhastes.
Senhor, estai conosco quando comemos e nos regozijamos, como quando Vos regozijastes com os homens, nas bodas de Caná.
Senhor, estai conosco quando caminhamos pelas ruas, como quando caminháveis com vossos discípulos pelos caminhos da Galileia.
Senhor, estai conosco quando estamos cansados e doentes, como quando curáveis os doentes do povo.
Senhor, sede de novo nosso Rei!
Os antigos senhores da Hungria gritaram com entusiasmo na dieta de Pozsony: «Vitam et sanguinem pro Rege nostro. Maria Teresia — o nosso sangue e a nossa vida pelo nosso Rei. Maria Teresa.»(2) Pois bem, dos lábios de todos os cristãos devem brotar com sentido entusiasmo: Vitam et sanguinem pro Rege nostro — Cristol: «O nosso sangue e a nossa vida por nosso Rei — Cristo!»
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(1) A guerra de 1914-1918 (1ª Guerra Mundial).
(2) O povo Húngaro linha desde há muito o direito de eleger o seu rei. Nas cortes do ano de 1687 renunciou a este direito em favor da casa dos Habsburgos, aceitando a forma de rei hereditário, mas só para o ramo masculino dos descendentes de Leopoldo I. Carlos III. filho de Leopoldo, não teve filho varão; e no ano de 1740 a Hungria aceitou a pragmática sanção, isto é, a lei que estende ao ramo feminino o direito ao trono.
Maria Teresa, filha de Carlos III, foi coroada com a coroa de Santo Estevão, em 25 de Junho de 1741. O titulo que lhe davam os húngaros, não era Regina — Rainha, mas Rex — Rei.
Quando Maria Teresa se viu atacada simultaneamente por sete inimigos que queriam arrancar-lhe algumas províncias e desmembrar o reino, recorreu, como a último baluarte de defesa, ao povo húngaro, e este na dieta de Pozsony soube responder com lealdade, nobreza, heroísmo e desprendimento aos desejos do seu «Rei». As armas húngaras venceram os inimigos. (N. do Trad. Esp.).
☞ NOTA 1: A festa de CRISTO REI foi instituída por Sua Santidade o Papa Pio XI, através da Carta Encíclica Quas Primas, de 11 de Dezembro de 1925, fixando-a no último Domingo de Outubro, conforme ainda assim celebra o Rito Tridentino ou Tradicional.
☞ NOTA 2: O Papa Pio XI também prescreve na referida Encíclica que, a cada ano, se renove, nesse dia, a Consagração do Gênero Humano ao Coração de Jesus, como já havia exortado seu predecessor, o Papa Pio X.
(Fonte: in JESUS CRISTO REI, Mons. Tihamer Tóth, tradução do Pe. João Correia Pinto, SJ, Livraria Apostolado da Imprensa, 1956, excertos do Cap. I – Conceito de Realeza de Cristo, pp. 7-11 e 16-18 – Texto revisto e atualizado, alguns destaques acrescidos)