MariologiaRito Tradicional

FESTA DA COMPAIXÃO DE NOSSA SENHORA

Sermão da Missa das 7 Dores de Nossa Senhora (ontem).

FESTA DA COMPAIXÃO DE NOSSA SENHORA

MARIA AO PÉ DA CRUZ

 

I. O que Ela sofreu, e como;

2. O que Ela fez

 

INTRODUÇÃO

A Santa Madre Igreja, para honrar os sofrimentos de Maria Santíssima ao pé da cruz, dedicou esta sexta-feira da semana da Paixão (ontem), antes da Semana Santa, e também o dia 15 de setembro. Esses sofrimentos de Maria ao pé da Cruz encerram tantas lições e tais mistérios, que a Igreja quer pôr todos os fiéis na situação de instruir-se, de meditá-los e tirar os proveitos que permitem. Vamos dividir sermão em duas partes, na primeira delas veremos o que Maria sofreu ao pé da Cruz, e como; e na segunda, veremos o que fez.

I – O que Maria sofreu ao pé da Cruz, e como.

Muitos católicos, sem reflexionar, pensam que a vida da Santíssima Virgem foi uma vida fácil, completamente tranquila e sem cruzes, ou seja, cheia de alegrias e consolos. E parece-lhes que sua opinião está perfeitamente fundada na razão: porque sendo o sofrimento o castigo do pecado, Maria não pode senti-lo, posto que ela nunca cometeu nenhum pecado. Mas a verdade é outra.

Nunca, de fato, criatura humana alguma sofreu tanto como Maria, sobretudo desde o dia que  tornou-se mãe. Porque não pôde contar ao seu amado esposo São José o segredo do Rei, ou seja, que Ela foi escolhida para ser Mãe de Deus. O que não deve ter sofrido, quando tendo dado ao mundo seu Filho, que Ela sabia muito bem ser seu Deus, não teve para recliná-lo mais que um berço de palhas, e isto no rigor do inverno! Que pena quando foi preciso fugir para o Egito, para afastar seu amadíssimo Filho do furor sanguinário de Herodes, que queria matá-lo! Que aflição quando perdeu seu Filho no templo na idade de doze anos, e o buscava durante três dias antes de encontrá-lo! Que dor quando teve que separar-se, para cumprir sua missão evangélica, do tranqüilo retiro de Nazaré, onde já não voltaria! Que aflição sempre maior, quando tendo chegado a hora de seu Filho, se dirigiu ao horto das Oliveiras, onde deveria ser traído por um dos seus, detido e levado amarrado de tribunal em tribunal, tratado com maior crueldade pelos soldados e criados, e finalmente condenado à morte por Pilatos! Que aflição quando o encontrou com a cruz às costas, subindo o Calvário, e caindo a cada instante sob o peso da do instrumento de suplício!

Não obstante, todos estes sofrimentos foram pouca coisa em comparação com os que Maria sofreu ao pé da Cruz, desde o momento em que seu amadíssimo Filho foi cravado, até que expirou. A palavra humana não poderia expressá-lo. O profeta Jeremias mesmo não fala deles mais que comparando-os com a imensidade do mar: “A quem te compararei, ó Virgem, filha de Sião?” [1] exclama. “É imensa como mar a tua ruína”. Não que o mar seja a justa medida, diz um celebre comentarista[2], mas porque, como o mar excede incomparavelmente no resto das águas em profundidade e em extensão, assim as dores de Maria ultrapassa a todas as dores. É o que Ela mesma publica ao pé da Cruz, por estas palavras que o mesmo profeta põe em sua boca: “Ó vós todos, que passais pelo caminho: olhai e julgai se existe dor igual à dor que me atormenta.” [3] “Tudo o que se fez sofrer de mais cruel aos mártires é leve em comparação com vossa paixão, ó Bem-aventurada Virgem, exclama Santo Anselmo. E não creio que houvésseis podido, sem morrer, sofrer tão grandes tormentos, se o Espírito de vida, o Espírito de consolo, não os tivésseis fortificado, consolado e assegurado interiormente.”[4]

Muito mais, segundo o sentir de São Bernardino de Sena, “a dor de Maria ao pé da Cruz foi tão grande que, se se dividisse em todos os homens, bastaria para fazer-nos morrer na hora.”

Agora contemplemos e vejamos como Maria sobreleva esta imensa dor. Por acaso ouvimos Ela encher os ares com seus gritos e lamentos, maldizer a seus inimigos, aos juízes, e a seus verdugos, acusar ao céu de injustiça e aos homens de barbárie? A vemos rasgar seus vestidos, golpear o rosto, arraçar-se os cabelos, ou deixar-se levar à desesperação e ao desmaio? Nada disso! O Evangelho nos mostra com calma e de pé perto da cruz. Se seu rosto em sua nobre e doce fisionomia não demonstrasse a dor, se poderia tomá-la como uma simples expectadora do horrível drama que acontecia à sua vista. Que exemplo e que lição para nós! Seguramente, os sofrimentos e as provas não são raras também em nossa vida, ainda que não sejam comparáveis com as da Santíssima Virgem. Contudo, como as sobrelevamos?

2 – O que Maria fez ao pé da cruz

Ao pé da cruz, Maria não sentiu somente indizíveis sofrimentos, e seu papel não foi somente passivo. Cumpriu a obra suprema de sua vida, aquela para a qual havia se tornado Mãe de Deus.

Porque Maria não havia se tornado Mãe de Deus para si mesma, nem o Verbo divino não se havia encarnado em seu seio para ser seu Filho. O objeto principal da encarnação do Filho de deus, como da maternidade divina de Maria, era a redenção do gênero humano, perdido pelo pecado.

Pois do mesmo modo que, para a encarnação do verbo, o consentimento da Santíssima Virgem foi pedido pelo ministério do anjo; da mesma maneira o mistério da redenção não se consumou senão que pelo consentimento e cooperação de Maria. O consentimento e cooperação de Maria eram também muito mais necessários no mistério da redenção que na encarnação.

Na redenção, não é a ela que dá o consentimento, mas se lhe pede consentimento. E se Deus solicitou o consentimento de Maria quando quis dar-lhe um Filho, com maior motivo não lhe pedirá seu consentimento, agora que é seu, e lhe pertence por direito de natureza?

Sendo assim, não é difícil agora compreender o que Maria faz ao pé da cruz. Como concebeu seu Filho, no retiro de Nazaré, em harmonia com Deus; ela o oferece no Calvário, também em união com Deus, para a redenção do gênero humano. É por isso que está à direita ao pé da cruz, como um sacrificador diante do altar onde se imola uma vítima.[5]

Mas qual é o efeito desta oferenda de Jesus por Maria no Calvário? O efeito desta oferenda, unida à que Jesus faz de si mesmo, é pagar a dívida que a humanidade inteira devia a Deus, desde o pecado de Adão, e, esta dívida satisfeita, eleva-nos a todos nós à dignidade de Filhos adotivos de Deus;

Sendo este o resultado da oferenda de Maria, segue-se que é certo dizer que, no Calvário, ela nos fez nascer à vida da graça, sendo, por conseguinte, nossa mãe espiritual e nós verdadeiramente seus filhos.

É o que proclamou nosso Salvador ao morrer, quando disse a Maria, indicando-lhe com o olhar a São João: Mulher, eis aí teu filho; e a São João, indicando-lhe do mesmo modo a Maria: Eis aí tua Mãe. Notemos que Jesus não pronuncia aqui nem o nome de Maria, nem o nome de João. O mistério já está realizado. A mulher que está diante de Jesus tem por filho ao discípulo que Jesus amava; e este tem por mãe à mulher que Jesus lhe mostra. Não é somente a João que Maria tem por filho, mas que a todo discípulo de Jesus; e de igual maneira não é somente João que tem a Maria por mãe, mas todos os que são fiéis a Jesus crucificado. Tal é o sentido que dão a estas palavras do Salvador todos os santos doutores e todos os teólogos.

Eis o que fez Maria ao pé da cruz: oferecer seu divino Filho por nossa salvação, Ela nos deu a vida eterna, e é assim nossa verdadeira mãe na ordem da graça, como as mulheres que nos dão a vida temporal são nossas mães na ordem da natureza.

CONCLUSÃO

Queridos fiéis, ao pé da cruz, Maria sofreu as mais incompreensíveis dores, e as sofreu com uma perfeita submissão à vontade de Deus; ao pé da cruz, Maria nos deu a vida da graça, e por isso foi nossa verdadeira mãe espiritual. Tal é o grande exemplo que nos põe à vista o mistério deste dia, tais são as verdades que nos recorda: Corredentora e Medianeira de todas as graças.

Aproveitemos este dia, e a Semana Santa ou Semana Maior, para agradecer-lhe por tantos benefícios e chorar nossos pecados, que são a causa das dores de seu Filho e sua.

 

 

________

1 Lam. II, 13

2 Hugo de São Vitor

3 Lam. I, 12

4 De excelentia Virg. c. 5

5 Ao pé da cruz, Maria oferece a Jesus em nome da Santa Igreja da qual é, neste mistério, a representação viva e ativa. Antes que Pedro, antes que João, e os apóstolos e pontífices, e todos os que sucederão por proceder de seu sacerdócio, toma Ela oficialmente possessão desta Augusta Vítima, e a apresenta a Deus em nome e para a salvação da humanidade. Deus e Jesus reuniram nela, como numa fonte de onde milhões de rios iam começar a desprender-se, essa graça sacerdotal pela qual, até a última hora do mundo oferecerá Jesus a Deus, e se lhe dará logo em comunhão aos homens. – É o cúmulo da dignidade e o grau supremo da grandeza. Maria parece verdadeiramente aqui perder toda a proporção. Ela entra tão profundamente no centro divino das coisas, que já não aparece mais que , como a viu São João, no centro do firmamento e completamente vestida de sol, isto é, da divindade mesma de Nosso Senhor. Já não está somente de pé na terra; Ela domina toda a criação da qual é claramente rainha e mãe, completamente recolhida e como perdida no que é o Pai, o Senhor e Deus. Mgr. Gay, Confer. às mães cristãs, confer. 42. – Van den Berghe, Maria e o sacerdócio, c. 11.

 

 

(Fonte: Sermão da Missa das 7 Dores de Nossa Senhora, em São Paulo, 3/4/2020 – Dominus Est – Fieis Católicos de Ribeirão Preto – Texto adaptado para o português do Brasil)

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