NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA: “UMA PESCA MILAGROSA”

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO APARECIDA: “UMA PESCA MILAGROSA”

 

A história de Nossa Senhora Aparecida é realmente estranha e original. Atualmente, a grande padroeira do nosso Brasil é venerada por todos os bons brasileiros, e sob seu amplo manto azul se abrigam todos aqueles que buscam fé e esperança.

O Estado de São Paulo, progressista e vigoroso, foi o local escolhido pela providência Divina para ser guarita eterna da santa que lança sua luz sobre o Brasil.

O município foi o de Guaratinguetá, onde as colinas ondulantes parecem deitar-se preguiçosamente sob o sol tropical.

Cortando essa região, o rio Paraíba desliza suavemente. Essa região era habitada por algumas famílias que viviam sobretudo da lavoura, e algumas da pesca.

Uma região próspera e cheia de paz. Evidentemente, não haviam grandes cidades nem grandes vilas, quando os fatos começaram a se suceder. Existiam apenas algumas casinhas modestas, de pequenos lavradores que viviam do que colhiam da terra pródiga e fértil. Ou então, pescadores que viviam do que conseguiam nas águas piscosas do rio Paraíba.

Foi nesse lugar naturalmente belo, de vegetação ridente e abundante, que a mão da providência Divina caiu.

São Paulo era ainda capitania, e como tal, era governada por D. Braz Baltazar da Silveira. Foi sem dúvida, segundo consta nas crônicas, um grande governante, lúcido e justo, distribuindo gestos magníficos de imparcialidade e prudência.

Por disposição da Metrópole, esse governador tinha que deixar o importante cargo que ocupava. Embora muito se lamentasse o fato desse bondoso governante deixar o cargo, foi impossível outra solução.

Como depois do dia, sobrevém a noite, esse bondoso governante foi sucedido por outro, menos prendado e sem grandes dotes morais.

E em 1717 foi nomeado para governar a capitania da São Paulo, o capitão general D. Pedro de Almeida Portugal, conde de Assumar.

Arrogante, altivo, autoritário e feroz, esse conde não se preocupava muito com sua reputação de justo. Distribuía favores aos favoritos que o bajulavam e esquecia quase sempre aqueles que realmente mereciam.

Sua fama precedeu-o, e muitos foram os habitantes da São Paulo que rezaram nessa ocasião, para que Deus iluminasse o coração do novo líder.

Em junho de 1717 o conde de Assumar chegou ao Rio de Janeiro, onde não se demorou. Seu objetivo era outro. Tinha que seguir para São Paulo, sede da capitania, de onde teria que reger os destinos da região.

E já em Agosto, refeito do cansaço, empreendeu viagem para São Paulo, via Santos. O orgulhoso fidalgo tinha um olhar desdenhoso para tudo, muito embora considerasse com admiração a exuberância da nova terra do Brasil.

A Pesca Milagrosa da Imagem (Foto: Santuário Nacional)

Em Setembro, no dia 4, tomava posse em São Paulo, da chefia da capitania. O ambiente em São Paulo era muito calmo. O povo era pacato e simples, e vivia sossegadamente do trabalho honesto. Mas o mesmo não acontecia em outras regiões, onde movimentos de revolta surgiam, e exigiam com urgência a presença do governador.

A capitania de São Paulo era muito mais extensa do que o é atualmente o estado de hoje. Envolvia quasi todo território de Minas. E foi nesse território, em Ribeirão do Carmo, que se fez necessária a presença do governador.

Alguns distúrbios quebravam a paz costumeira do Ribeirão do Carmo. E o governador da província achou melhor resolver pessoalmente a questão. Homem violento, cruel e enérgico, sabia que só sua presença bastaria para manter a calma e fazer tudo voltar ao primitivo lugar.
Partiu para Minas, e por onde passava deixava um rastro de rancor e ódio. Seguiu percorrendo as diversas cidades da capitania, dando ordens, realizando comissões e punindo homens revestidos de cargos importantes, mas sem autoridade.

Em 12 de outubro chegavam em Guaratinguetá.

A população pequena alvoroçou-se toda com a chegada do governador. Um misto de medo e admiração tomava conta de todos. O conde de Assumar alojou-se comodamente para repousar da grande jornada que estava realizando pelo interior, e todos, humildemente, queriam servi-lo da melhor forma possível.

Assim que chegou, o maldoso governante, ávido de riquezas, quis saber da renda da pequena cidade. O prefeito, bondosamente tudo informava.

— Do que vive a população?

— Senhor. A população vive do plantio da terra… Alguns vivem da pesca. A pesca aqui é mais desenvolvida do que a agricultura, porque em certas épocas do ano, o rio oferece grande quantidade de peixes.

— E por que esta cidade paga tão pequeno imposto!

A produção é muito pequena e mal dá para a manutenção da população.

— Eu quero ver isso com os meus próprios olhos. Quando é época de pescaria!

— Justamente agora.

— Muito bem. Ordene ao povo que vá lançar as redes e que me traga todo peixe que conseguir pescar.

— Mas senhor…

— Sim. Quero todo o peixe que conseguirem pescar. Quero verificar isso com os meus próprios olhos. Ninguém me engana.
— É que algumas vezes a pesca é deficiente. Nem sempre o rio é generoso.

— Faça o que estou mandando. Não gosto que discutam minhas ordens.

A ordem foi dada pela Câmara. Todo peixe devia ser trazido ao governador da capitania, que desejava ver com seus próprios olhos a produção da terra.

A notícia repercutiu pela pequena povoação. Todos comentavam. O governador queria todo o peixe colhido pelas redes dos pescadores.

Entre os pescadores haviam três que ficariam na história, e cujos nomes estavam destinados a ficarem ligados ao nome da grande Santa.

Eram Domingos M. Garcia, João Alves e Felipe Pedroso.

— E então, disse Domingos? O governador quer todo o peixe do rio. O que será que ele deseja com isso?

— Sei lá, respondeu João Alves. Esse homem não se contenta com nada. Não é como o outro governador, que era compreensivo e bom.

— Penso que vai ficar desapontado, disse Felipe.

— Desapontado, disse João?

— Sim. Escutem só o que estou falando. Ele vai ficar desapontado. O rio não está dando nada. Eu sei que não está. Ainda ontem fui lançar minha rede… e não veio um único peixe.

— Isso é mau, disse Domingos Garcia.

— Não vejo porque, retrucou João.

— Se não conseguirmos peixe, ele não vai gostar e não fará nada por nós. Ele é assim mesmo… Ele pretende até O absurdo. E’ como se pudesse dar ordens ao próprio rio.

— Escute, disse João Alves. Tenho um plano. Vamos juntos lançar nossas redes. Quem sabe se conseguimos alguma coisa?

— Qual nada, retrucou Felipe. Não adianta. O rio não dá mesmo.

— A gente pode começar no porto do José Correia Leite. E depois vai descendo até o porto do Itaguassú. Impossível que não dà nada. Não acredito. Alguma coisa tem que sair das águas.
— Podemos tentar, disse calmamente Domingos. Mas não acredito.

— Não custa nada experimentar, disse João.

— Olhem lá, disse Felipe. Vejam. A turma está voltando de mãos vazias.

— É verdade, disse João olhando uma turma de pescadores que voltava sem peixe algum. Os homens pareciam cansados e caminhavam cabisbaixos. O rio negara-lhes o grande favor. Não lhes oferecia peixe algum… Desolados, voltavam carregando sobre os ombros suas pesadas redes, que gotejavam ainda das águas do Paraíba. Nas mãos os cestos vazios, sem um único peixe. A tristeza caía sobre a pequena vila, que não podia oferecer ao seu governador o que fora pedido. E esse pedido significava muito para a população.

— Não podemos desanimar com isso, disse Felipe. Quem sabe teremos mais sorte amanhã.

— É verdade, disse João. Temos que tentar… Não podemos fazer nada sem primeiro tentar.

— É uma boa ideia essa de ir de um porto ao outro arrastando as redes. Pode muito bem ser possível um milagre… e algum peixe se enroscar nas redes da gente. Vamos sim.

— Primeiro vamos à igreja rezar. Quem sabe se Deus nos ajuda. Tudo é possível.

— Isso mesmo.

A imagem em sua nicho na Basílica Nova

E aqueles três homens rudes foram para a igreja. Entraram e respeitosamente tiraram os chapéus da cabeça. Seus dedos rudes foram molhados na água benta que estava na pia da entrada. Fizeram o Sinal da Cruz e seguiram em respeitoso silêncio até próximo ao altar-mór. Um Cristo Crucificado eternizava sua agonia numa belíssima imagem. Ao lado, a imagem de Nossa Senhora parecia sorrir aos três pescadores, como que mandando uma mensagem de piedade, ternura e compreensão.

Era como se estivesse dizendo àqueles três homens rudes, que havia muita esperança em seu olhar imóvel, sereno e brilhante.

Aquela noite a calma reinou por sobre o lugarejo cansado e triste. Em seu luxuoso alojamento, o conde de Assumar parecia inquieto com o cumprimento da ordem que dera.

Amanheceu o dia. O sol começou a brilhar nas pequeninas ondas que a brisa matinal fazia surgir no dorso macio do rio Paraíba. A natureza parecia em festa. O verde exuberante das matas era delicioso de ser visto.

E as águas mansas do Paraíba começaram a ser cortadas pelas canoas velozes dos pescadores sequiosos de oferecerem ao governador, o produto de sua labuta diária.

No porto de José Correa Leite, João Alves, Domingos M. Garcia e Felipe Pedroso aprontavam suas canoas.

— Estou com um pouco de esperança hoje, disse João Alves.

— Qual nada, retrucou Felipe. Não somos melhores do que os outros

— Qual nada, retrucou Felipe. Não somos melhores do que os outros. Se eles não conseguiram nada, não conseguiremos também. Tolices. Não pense absurdos…

— Em todo caso tentemos primeiro para depois falar, disse Domingos.

Quando Jesus Cristo andou pelo mundo, escolheu para seus apóstolos, pescadores rudes, sem instrução. E foram os iluminados. Entre os humildes, surgiram os grandes, que até hoje são celebrados pela Santa Madre Igreja, recebendo a devoção de milhares de crentes. Parece que também nesse recôndito lugarejo do sertão paulista, a escolha recaiu sobre modestos e humildes pescadores. Eram três. E saíram em suas canoas velozes, descendo do porto de José Correa Leite até o porto de Itaguassú, lançando sempre suas redes, com esperança de encontrar alguma quantidade de peixe. As canoas distanciavam-se umas de outras, e de vez em quando, quando a rede era recolhida, ouvia-se um grito.

— E então?

— Nada ainda.

E continuavam descendo. Algumas vezes, sobre as águas mansas, as canoas pareciam paradas sobre um espelho polido, refletindo placidamente homens, redes e embarcações.

O ruído característico da rede caindo sobre as águas ecoava pelas margens. As pequenas ondas circulares iam se dilatando até tocar a areia, as vegetações e as pedras dos lados do rio.

Em seguida, os braços vigorosos dos pescadores recolhiam as redes, e uma expressão de desolação surgia nas faces.

— Nada.

Estavam na altura do porto de José Correa Leite, João deitou sua rede desanimado. Pouco depois começou a puxá-la e sentiu que havia peso nela.

Gritou para os companheiros.

— Ei… Peguei alguma coisa. Estou sentindo peso na rede.

— Espere que vou até aí ver, disse Domingos.

Dentro em pouco, com fortes remadas os outros pescadores chegaram perto da embarcação de João Alves. A rede saía da água gotejante.

— Vamos ver o que é isso, disse Domingos.

Quando a rede foi aberta, viram decepcionados que nela havia um corpo de imagem, caprichosamente talhada.

— Ora, disse João Alves. Só isso.

— Joga na água de novo, disse Felipe.

— Não. Guarde como lembrança, retrucou Domingos.

— Não vou desanimar atoa, disse João Alves. Lá vai a rede de novo.

E a rede foi atirada novamente. Em pouco tempo, voltava, tão vazia como antes, trazendo apenas, entre as malhas, uma cabeça de imagem.

João Alves apanhou o pequeno objeto assombrado, procurando adivinhar o que era aquilo. Notou assombrado que a cabeça servia perfeitamente no corpo da imagem que havia recolhido das águas.

Os outros dois olhavam assombrados. A Imagem era bela. Era feita rusticamente de terra cota escura, e tinha no rosto uma expressão singela de bondade. Um manto em volta do corpo, seguro por um cordão, e aos pés, a cabeça de um anjo. As mãos juntas em atitude de prece pareciam orar. Mede 39 cms. de altura.

(Foto: ABIM)

— É a cabeça da estátua, disse Felipe.

— Sim, ajuntou João. Serve perfeitamente.

— Credo! Que coisa estranha, ajuntou Domingos.

— É uma bela Imagem, disse João Alves. Parece uma senhora rezando. Bonita mesmo. Vamos prosseguir a pescaria.

— Eu vou lançar a rede ali em baixo, disse Domingos.

— Eu lançarei aqui mesmo, disse João.

— Eu farei o mesmo acolá, ajuntou Felipe.

As redes foram lançadas. E quando foram puxadas, tinham grande peso.

— Será possível, disse João. Tudo está tão esquisito hoje. O que será que está
acontecendo?

Quando a rede saiu d’água, vinha pesada de peixes que saltitavam furiosamente. O mesmo aconteceu com os outros dois pescadores assombrados. Como que por encanto, a sorte mudara. E toda vez que as redes saiam da água, vinham cheias de peixe que pulavam fazendo brilhar ao sol suas costas prateadas.

— É um milagre, disse Felipe Pedroso. Um milagre da Imagem que tiramos do rio.

Dentro em pouco era tal a quantidade de peixe, que os barcos mal podiam transportá-la. Pareciam querer afundar sob tanto peso. Contentes os pescadores voltaram ara a vila com sua grande carga de peixe. E acreditavam piamente que tinha sido um milagre da Imagem, a quem passaram a chamar de Senhora Aparecida, porque tinha aparecido nas águas do rio.

Aquele pequeno trabalho realizado por mãos invisíveis, envolta num mistério tão profundo que até hoje não foi devassado, até hoje espanta o mundo. Uma pequena Imagem perdida no fundo de um rio, resistindo a erosão das águas.

Que estranha força guiou a rede dos pescadores até aquele local, fazendo com que primeiro o corpo fosse colhido? E em seguida a cabeça? Só podia ter sido a mão de Deus, porque Deus queria mostrar ao nosso Brasil a sua Grandeza, sua Força e seu Imenso Amor, através de uma rude imagem de sua Santíssima Mãe.

E por que logo em seguida as redes voltavam cheias de peixes? Por quê?

Foi o primeiro de uma série infindável de milagres que começou a assombrar os povos. Ela simplesmente apareceu no rio, e por isso foi chamada a Senhora Aparecida.

“Por oculta providência,
de nenhum mortal sabida,
Foi dentro do rio achada
a Senhora Aparecida”.

Essa pequena estrofe fala muito alto dessa estranha e milagrosa história. E as águas abençoadas do rio Paraíba, que ocultavam avaramente, como se fosse o mais precioso tesouro da terra, a pequenina imagem, tornaram-se prósperas e pródigas.

Os três primeiros crentes foram esses humildes e modestos pescadores, assinalados, por um alto destino para realizarem importante missão. Foi esse o início da mais forte devoção jamais realizada em terras americanas.

Naquele mesmo dia, os pescadores envolveram a imagem em panos e a levaram para a terra. Como apóstolos, começaram a contar a todos os prodígios da santa Foram os que conseguiram mais peixe e toda povoação corria para ver o fabuloso produto da pescaria miraculosa.

Felipe Pedroso, carinhosamente levou a imagem para sua casa. Durante seis anos esse bondoso pescador a conservou consigo. E todos os seus amigos e vizinhos a olhavam com veneração. Quando mudou-se para Ponte Alta levou consigo a imagem.

Em sua nova casa ela permaneceu por mais nove anos, depois o pescador a deu para seu filho Atanásio Pedroso, que mandou construir um rústico oratório, no qual colocou a imagem.

No seu pequeno oratório de madeira, a santa conservava-se imóvel, sem dar mostra de nenhum outro milagre, ou qualquer outro sinal de santidade. Mesmo assim, todos os sábados os vizinhos vinham para rezar o terço e cantar.

Formou-se assim um pequeno grupo de devotos.

 

 

(Fonte: opúsculo, em formato PDF, Aparição e Milagres Nossa Senhora Aparecida, Fred Jorge, Setembro de 1954, Capítulos II, III, pp. 3 a 5 – Texto revisto e atualizado, destaques acrescentados e o título é nosso)

Sou Todo Teu Maria: “Foi pela Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por Ela que deve reinar no mundo.” (São Luis Maria de Montfort)