O NATAL E A CRUZ
Para alguns, o Natal de 1075 foi um dos mais tristes da História; para outros, um dos mais conturbados. Mas, o que diria o próprio São Gregório VII se pudesse nos narrar o acontecido nesse dia?
Natais de toda a História! Quem poderá ter notícia de tudo o que aconteceu nessas mais de duas mil noites? Quantos milagres, quantas graças recebidas e quantas comunicações do Infante Jesus às almas nesses abençoados dias?
Natais grandiosa ou humildemente celebrados; em templos magníficos ou em pequenas capelas, semelhantes em pobreza à gruta de Belém. Noites Santas comemoradas em meio a uma multidão ou entre os membros de uma pequena família. No entanto, contrariando a nota tônica de alegria de todos os Natais, alguns houve que lembram os sofrimentos que Nosso Senhor Jesus Cristo quis padecer já em sua entrada neste mundo.
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Caía copiosa chuva na cidade de Roma, na noite de 24 de dezembro de 1075. O frio era intenso, a atmosfera, pesada. Enfrentando as intempéries, o Papa Gregório dirigia-se à Basílica de Santa Maria Maior que, já naquela época, albergava as tábuas da manjedoura onde o Menino Jesus foi reclinado, depois de ter sido acolhido pelos braços virginais de sua Santíssima Mãe.
A primeira igreja da Cristandade dedicada à Mãe de Deus estava iluminada por uma quantidade considerável de candelabros, criando um ambiente de solenidade e de sacral mistério.
O monge cluniacense Hildebrando, que dois anos antes fora eleito sucessor de Pedro e adotara o nome de Gregório VII, começou piedosamente a celebração do Santo Sacrifício e, fazendo eco ao cântico dos Anjos, entoou com firmeza o Gloria in excelsis Deo.
Durante a Celebração, cada vez que o olhar do Papa recaía sobre as tábuas sagradas, sentia ele um frêmito de emoção: há mais de dez séculos, o Verbo feito carne ali repousara! E, após a consagração, repousaria também em suas mãos, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, embora oculto sob as Sagradas Espécies.
Foi decerto com sentimentos como estes no coração que São Gregório VII celebrou a Santa Missa. Mas, quando se dirigia aos fiéis para dar-lhes a Comunhão, ouviu-se um ruído estrondoso e uma turba armada penetrou no templo. Muitos fiéis fugiram.
Comandados por um nobre romano chamado Cencia, os invasores avançaram contra o Papa, ferindo-o com punhaladas. Despojaram-no dos paramentos sagrados, manchados com o sangue que lhe fluía do rosto, arrastaram-no para fora e, sob a chuva torrencial, o encerraram numa torre perto do Panteão.
Ao raiar da aurora, o povo de Roma, ao saber do local onde estava preso seu Pastor, reuniu-se impaciente junto ao Campidoglio e correu a libertá-lo.
Vendo-se cercado e temendo o furor da multidão ameaçadora, Cencio jogou-se aos pés de São Gregório, implorando-lhe clemência. Este perdoou o atentado cometido contra sua pessoa.
Em reparação pela ofensa feita à Igreja, contudo, impôs-lhe como penitência uma peregrinação a Jerusalém. Dirigiu-se em seguida à janela de sua prisão e pediu ao povo romano que não fizesse mal algum ao sacrílego agressor, o qual pôde, assim, escapar livremente.
Liberto o Pontífice, o povo o conduziu em triunfo pelas ruas de Roma, em direção ao Palácio de Latrão, na certeza de que, após aqueles acontecimentos, ele desejaria cuidar das feridas, lavar-se, trocar suas vestes e descansar. Este, porém, indicou à multidão outro destino: a Basílica de Santa Maria Maior. Sem entender o motivo de tal decisão, os fiéis obedeceram.
Lá chegando, São Gregório subiu ao altar e finalizou a Liturgia da Noite Santa, interrompida horas antes. Só depois se dirigiu ao Palácio Lateranense.
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Para alguns, o Natal de 1075 foi um dos mais tristes da História; para outros, um dos mais conturbados. Mas se tivéssemos oportunidade de ouvir do próprio monge Hildebrando a narração do acontecido nesse dia, por certo ressaltaria ele o quanto, durante aquele episódio, seus sofrimentos estavam unidos aos de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Conta uma piedosa tradição que o Menino Jesus, após dirigir o primeiro sorriso à sua Mãe virginal, abriu os braços em forma de cruz, prenunciando a Paixão. Se assim foi, quis Ele nos ensinar, com esse gesto, que em meio às alegrias natalinas os homens não devem se esquecer do objetivo de sua vinda ao mundo: operar a Redenção do gênero humano, pelo sacrifício de sua própria vida.
Convidava, assim, todos os homens a se unirem às suas dores, nos séculos vindouros.
Foi o que fez São Gregório VII, ao longo de todo o seu Pontificado, marcado pela terrível perseguição do mais famoso potentado daquele tempo. (Texto extraído da Revista Arautos do Evangelho n. 132. Dezembro 2012. Pe. Felipe Garcia Lopez Ria, EP.)
(Fonte: GaudiumPress)