Santo do Dia
24 DE JUNHO – FESTA DA NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA
24 DE JUNHO – FESTA DA NATIVIDADE DE SÃO JOÃO BATISTA
João Batista tem muitos nomes: é chamado Profeta, Amigo do Esposo, Luz, Anjo, Voz, Elias, Batista do Salvador, Arauto do Juiz e Precursor do Rei. Profeta devido ao privilégio do conhecimento, Amigo do Esposo ao privilégio do amor, Luz ardente ao privilégio da santidade, Anjo ao privilégio da virgindade, Voz ao privilégio da humildade, Elias ao privilégio do fervor, Batista ao privilégio de maravilhosa honra, Arauto ao privilégio da pregação, Precursor ao privilégio da preparação.
1 . O nascimento de João Batista foi anunciado pelo arcanjo. De acordo com a História Escolástica, desejando expandir o culto a Deus o rei Davi instituiu 24 sumos sacerdotes, um dos quais superior aos outros, chamado Príncipe dos Sacerdotes. Dos instituídos, dezesseis eram da linhagem de Eleazar e oito da de Itamar, e a cada um atribuiu por sorteio uma semana de ministério. A oitava semana coube a Abias, do qual descenderia Zacarias. Já velhos, Zacarias e sua mulher não tinham filhos. Um dia, enquanto uma multidão aguardava na porta para entrar no templo, Zacarias lá dentro oferecia incenso quando lhe apareceu o arcanjo Gabriel. Ao vê-lo, Zacarias teve medo, mas o anjo disse: “Não tema, Zacarias, porque sua prece foi ouvida”(Lucas I, 2). É típico dos anjos bons, diz a GLOSA, consolar bondosamente no mesmo instante aqueles que ficam assustados ao vê-los, ao passo que os anjos maus, mesmo assumindo a aparência de anjos de luz, não conseguem acalmar quem se assusta com sua presença e fica horrorizado diante deles.
Gabriel anuncia então a Zacarias que terá um filho de nome João, que não beberia nem vinho nem cidra e precederia o Senhor em espírito e Elias em virtude. João é chamado Elias devido ao lugar em que ambos moraram, o deserto; devido à parca alimentação que consumiam; devido à grosseira indumentária que ambos usavam; devido ao ministério, pois ambos foram precursores, Elias do Juiz, João do Salvador; devido ao zelo, pois as palavras dos dois queimavam como tocha ardente.
Considerando sua velhice e a esterilidade de sua mulher, Zacarias duvidou do que ouviu, e de acordo com o costume dos judeus pediu uma prova ao anjo, que então o castigou com a mudez por ele não ter acreditado nas suas palavras. Muitas vezes existe uma dúvida desculpável pela grandeza das coisas prometidas, como se vê no caso de Abraão. De fato, quando Deus prometeu que sua raça possuiria a terra de Canaã, Abraão perguntou: “Senhor meu Deus, como posso saber que a possuirei?” Deus respondeu: “Pegue uma vaca de três anos etc.”(Gênesis 15. 8-9)
As vezes a dúvida vem da consideração da própria fragilidade, como ocorreu com Gedeão, que exclama: “Explique-me, meu Senhor, como libertarei Israel? Minha família é a mais humilde em Manassés e eu sou o mais insignificante da casa de meu pai” (Juízes 6,15). Por isso ele pediu um sinal, e recebeu. Às vezes a dúvida é desculpada pela impossibilidade natural do acontecimento, como fica patente com Sara. Quando o Senhor disse: “Voltarei para vê-lo [Abraão] e Sara terá um filho”, ela, que escutara detrás da porta, riu: “Depois que fiquei velha e meu marido também, poderei ter um filho?” (Gênesis 18,10.12).
Por que Zacarias foi o único a ser castigado por ter duvidado, quando também no seu caso havia a grandeza da coisa prometida, a consideração da fragilidade pessoal que o fazia se ver indigno de ter um filho, além da impossibilidade natural disso? Pode-se dizer que foi por várias causas. Primeira, conforme Beda, ele falou como incrédulo, e foi condenado ao mutismo para, ficando calado, aprender a crer. Segunda, ficou mudo para que ao nascer seu filho acontecesse um grande milagre, pois com o nascimento de João seu pai recobrou a fala, foi milagre em cima de milagre. Terceira, era conveniente que ele perdesse a voz quando nascia a Voz que vinha calar a Lei. Quarta, porque tinha pedido um sinal ao Senhor, e este sinal foi ser privado da palavra: quando Zacarias saiu do templo e o povo viu seu estado de mutismo, percebeu por seus gestos que ele tivera uma visão.
Como sua semana de ministério tinha acabado, foi para casa e Isabel concebeu, mas ficou escondida por cinco meses porque, conforme diz Ambrósio, estava envergonhada de uma gravidez na sua idade, o que poderia parecer que se entregava a ações libidinosas. Apesar disso, ela estava feliz por ter se livrado do opróbrio da esterilidade, que atingia as mulheres que não tinham fruto de seu casamento, ato muito celebrado e no qual as relações carnais eram bem aceitas.
Seis meses depois, a bem-aventurada Maria, que já havia concebido o Senhor como virgem fecunda, foi felicitar sua prima pelo fim da esterilidade dela e ajudá-la no que precisasse, porque era velha. Logo que ela saudou Isabel, o bem-aventurado João, pleno do Espírito Santo, sentiu o Filho de Deus vir até ele e estremeceu de alegria no ventre de sua mãe, com esse movimento saudando Aquele a quem não podia saudar com palavras. De fato, ele se mexeu daquela forma como gesto de saudação ao seu Senhor. A bem-aventurada Virgem ficou três meses ajudando sua prima, foi ela que com suas santas mãos recebeu o menino que vinha ao mundo e com empenho cuidou da criança, conforme testemunha a História Escolástica.
O bem-aventurado Precursor do Senhor foi especial e singularmente enobrecido por nove privilégios: ele foi anunciado pelo mesmo anjo que anunciou o Salvador; ele estremeceu no ventre da mãe; foi a mãe do Senhor que o recebeu quando veio ao mundo; ele destravou a língua do pai; foi o primeiro a conferir um batismo; ele apontou Cristo; ele batizou o próprio Cristo; ele foi louvado mais do que todos por Cristo; ele anunciou aos que estão no Limbo a vinda próxima de Cristo.
É por esses nove privilégios que foi chamado pelo Senhor de “profeta e mais que profeta”. Sobre o fato de ser chamado “mais que profeta”, Crisóstomo comenta:
Um profeta é aquele que recebe de Deus o dom de profetizar; mas um profeta recebe o dom de batizar a Deus? Um profeta tem por missão predizer as coisas de Deus, mas algum profeta é profetizado pelo próprio Deus? Todos os profetas tinham profetizado sobre Cristo, enquanto João não apenas profetizou sobre Cristo como também outros profetas profetizaram sobre ele. Todos foram portadores da palavra, mas ele é a própria voz. Tanto quanto a voz se aproxima da palavra sem no entanto ser a palavra, João aproxima-se de Cristo sem porém ser Cristo.
De acordo com Ambrósio, a glória de João decorre de cinco causas, de seus pais, de seus milagres, de seus costumes, dos dons que recebeu, de sua pregação.
Primeira causa, a glória que recebe dos pais manifesta-se, conforme Ambrósio, de cinco formas: “O elogio é perfeito quando compreende um nascimento distinto, uma conduta íntegra, um ministério sacerdotal, a obediência à lei e obras cheias de justiça”
Segunda causa, os milagres. Alguns foram anteriores à sua concepção, como a anunciação do anjo, a designação de seu nome e a perda da fala de seu pai. Outro foi sua concepção sobrenatural, sua santificação ainda no ventre materno e nele o pleno dom da profecia. Outro ainda foi relativo a seu nascimento, o dom da profecia concedido a seus pais, a mãe sabendo seu nome e o pai entoando um cântico com a língua destravada pelo Espírito Santo que o preencheu. Sobre as palavras “Seu pai, Zacarias, ficou cheio do Espírito Santo”(Lucas 1,67). Ambrósio comenta:
Vejam João, cujo nome tem força e restitui a fala a um mudo, a dedicação a um pai, um sacerdote ao povo. Pouco antes aquela língua estava muda, aquele pai estéril, aquele sacerdote sem função, mas assim que João nasce, no mesmo instante recobra o uso da palavra, recebe do Espírito Santo um filho, torna-se um profeta e sacerdote reconhecido pelas suas funções.
Terceira causa, os costumes de sua vida foram de grande santidade, sobre os quais fala Crisóstomo: “O comportamento de João foi tão perfeito, que todas as outras vidas parecem culposas, da mesma forma que quando se vê uma roupa que parece branca, e ao ser colocada ao lado da neve parece suja, mesmo que não esteja, assim também comparado com João qualquer homem parece imundo”. Há três testemunhos de sua santidade.
Primeiro deles, dado por aqueles que estão acima do Céu, isto é, pelas pessoas da Trindade.
O Pai chama-o de anjo, conforme Malaquías, 3: “Eis que envio meu anjo, que preparará meu caminho diante de mim” Ele recebeu o nome de anjo para indicar que exerceu o ministério de todos os anjos1. Exerceu o dos Serafins, porque serafim quer dizer ” ardente”, já que eles nos tornam ardentes e queimam mais que outros de amor a Deus. Por isso está dito no Eclesiástico que “Elias elevou-se como um fogo etc.”, que se aplica a João que veio com o espírito e a virtude de Elias. Exerceu o ministério dos querubins, porque querubim quer dizer “plenitude de ciência”, e João é chamado estrela da manhã porque foi o anoitecer da ignorância e o amanhecer da luz da graça. Exerceu o ministério dos Tronos, que têm a missão de julgar, o que João fez com Herodes ao dizer: “Você não pode tomar a mulher de seu irmão” (Marcos 6,18). Exerceu o ministério das Dominações, que nos ensinam a governar, e João era amado por seus inferiores e temido pelos reis. Exerceu o ministério dos Principados, que nos ensinam a respeitar nossos superiores, e João dizia falando de si próprio: “Quem tem suas origens na terra é da terra, e suas palavras são da terra”, e falando de Cristo acrescentou: “Quem veio do Céu está acima de todos”. Afirmou ainda que: “Não sou digno de desamarrar os cordões do seu calçado”2 Exerceu o ministério das Potências, que são encarregadas de afastar as forças malignas que podem comprometer a santidade, pois ele manteve-as afastadas de nós, estimulando-nos a receber o batismo da penitência. Exerceu o ministério das Virtudes, pelas quais se realizam os milagres, pois o bem-aventurado João realizou muitas maravilhas, como comer mel selvagem e gafanhotos, cobrir-se com pele de camelo e outras semelhantes. Exerceu o ministério dos Arcanjos, revelando mistérios que não se podia alcançar, por exemplo o concernente à nossa redenção, quando disse: “Eis o cordeiro de Deus, aquele que tira os pecados do mundo”(João 1,29). Exerceu o ministério dos Anjos, ao anunciar coisas de importância menor, como as concernentes aos costumes, como: ” Façam penitência” ou “Não pratiquem violência nem fraude com ninguém” (Lucas, 3,14).
O Filho, como se pode ler em Mateus, II, elogia-o muitas vezes e de maneira admirável, dizendo por exemplo que “dentre os filhos dos homens, não há maior que João Batista”. Pedro Damião observa que “essas palavras sobre João foram proferidas por Aquele que lançou os fundamentos da Terra, que faz mover os astros e que criou todos os elementos”.
O Espírito Santo diz pela boca de seu pai, Zacarias: “Menino, você será chamado profeta do Altíssimo” (Lucas 1, 76).
Segundo testemunho, dado pelos anjos e pelos espíritos celestes. No primeiro capítulo de Lucas, o anjo testemunha por ele grande consideração, quando mostra sua dignidade em relação a Deus (“Ele será grande diante do Senhor”), sua santidade (“Não beberá vinho nem licor embriagante, e será cheio do Espírito Santo desde o ventre de sua mãe”), os grandes serviços que prestará ao próximo (“Ele converterá muitos filhos de Israel”).
Terceiro testemunho, dado por aqueles que estão abaixo do Céu, isto é, os homens, seu pai e seus vizinhos, que diziam: “Quem vai ser este menino?”(Lucas 1,66)
Quarta causa, a glória de João provém dos dons que recebeu no ventre de sua mãe, no nascimento, na vida e na morte.
No ventre de sua mãe, foi beneficiado por três admiráveis dons da graça.
Primeiro, com a graça pela qual foi santificado desde aquele momento, pois foi santo antes de ter nascido, conforme Jeremias, I: “Eu conheci você antes que tivesse sido formado nas entranhas de sua mãe”.
Segundo, com a graça de ser profeta, quando por seu estremecimento no ventre de Isabel soube que Deus estava diante dele. É por isso que Crisóstomo quer mostrar que ele foi mais do que profeta, dizendo: “Um profeta profetiza pelos méritos da sua vida e da sua fé, mas como se pode ser profeta antes de ser homem?”. Como era costume ungir os profetas, foi quando a bem-aventurada Virgem saudou Isabel que Cristo ungiu profeta a João, ainda nas entranhas da mãe, segundo estas palavras de Crisóstomo: “Cristo fez Maria saudar Isabel para que sua palavra, saída do ventre de sua mãe, morada do Senhor, fosse recebida pelo ouvido de Isabel e descesse até João, ungindo-o assim como profeta”.
Terceiro, com a graça pela qual mereceu, por meio de sua mãe, receber o espírito de profecia. Querendo mostrar que ele foi mais que profeta, Crisóstomo diz: “Quem é aquele profeta que sendo profeta, pôde fazer um profeta?” Elias ungiu Eliseu como profeta, mas não lhe conferiu a graça de profetizar. João, porém, ainda no ventre materno introduziu sua mãe na ciência divina, abrindo-lhe a boca para reconhecer a dignidade Daquele que não via: “De onde me vem a felicidade de receber a visita da mãe do meu Senhor?” (Lucas l, 41)
No nascimento, recebeu três tipos de graça: ser milagroso, santo e alegre. Milagroso, devido à idade da mãe; santo, devido à ausência de culpa; alegre, devido à isenção de lamentos e dores. De acordo com mestre Guilherme de Auxerre, o nascimento de João merece ser celebrado por três motivos: primeiro, sua santificação no ventre materno; segundo, a dignidade de seu ministério que, como uma estrela da manhã, foi o primeiro a anunciar as alegrias eternas; terceiro, cumprir o que o anjo dissera – “Muitos se regozijarão quando do seu nascimento” (Lucas 1,14), por isso é justo nos rejubilarmos nesse dia.
Na vida ele também recebeu grande número de graças, como prova o fato de ter tido todas as perfeições. Ele foi profeta quando disse: ”Aquele que há de vir depois de mim é maior do que eu” (Mateus 3,11; Marcos 1,7; Lucas 3,16). Foi mais do que profeta quando apontou Cristo. Foi apóstolo por ter sido enviado de Deus, daí se dizer dele: “Houve um homem enviado de Deus que se chamava João” (João l,6). Foi mártir porque morreu pela justiça. Foi confessor porque confessou e não negou. Foi virgem, e por sua virgindade é chamado de anjo em Malaquias, 2: “Eis o anjo que envio”. Na morte recebeu três graças: a palma do martírio, pois foi mártir invicto; a descida ao Limbo onde foi mensageiro precioso que levou aos que lá estavam a notícia da vinda de Cristo e da redenção deles; a veneração dos que estavam no Limbo, o que se tornou objeto de gloriosa e especial solenidade da Igreja.
Quinta causa, a glória de João provém da sua pregação. Quatro foram os motivos desta, pelo que disse o anjo: ele converterá muitos filhos de Israel ao Senhor Deus, caminhará diante Dele em espírito e na virtude de Elias para reunir o coração dos pais ao de seus filhos, chamará os incrédulos à prudência dos justos, preparará um povo perfeito para o Senhor. O que fica patente neste texto é que ele toca assim em quatro pontos: o fruto, a ordem, a virtude e a meta.
A pregação de João foi triplamente recomendável, por ser fervorosa, eficaz e prudente. Fervorosa quando disse: “Raça de víboras, quem os livrará da cólera divina etc.” (Mateus 3,7; Lucas, 3,7) Fervor inflamado pela caridade porque era uma luz ardente, que fala na pessoa de Isaías, 49: “Minha boca é uma espada afiada”. Fervor que vinha da verdade, que expunha como uma lâmpada ardente. A esse respeito está dito em João, 5: “Vocês enviaram João e ele testemunhou a verdade” Fervor dirigido pelo discernimento ou pela ciência, por isso ao falar à multidão, aos publicanos e aos soldados, ensinava a Lei de acordo com a condição de cada um. Fervor firme e constante, cuja pregação levou-o a perder a vida. São estas as quatro qualidades do zelo segundo Bernardo, que diz: “Que o zelo seja inflamado pela caridade, formado pela verdade, regido pela ciência e fortalecido pela constância”.
Eficaz, pois sua pregação converteu a muitos. Pregou com palavras, de forma assídua. Pregou com exemplos porque sua vida foi santa. Pregou e converteu por seus méritos e suas preces fervorosas.
Prudente na pregação em três pontos. Em fazer ameaças para amedrontar os malvados, quando diz: “O machado já está sobre a raiz da árvore” (Mateus 3, 10; Lucas 3, 9). Em fazer promessas para ganhar os bons, quando diz: “Façam penitência, porque o reino dos Céus está próximo” (Mateus 3, 2; Marcos 1, 15) .Em usar de moderação para atrair pouco a pouco os fracos à perfeição. Por isso, inicialmente impunha à multidão e aos soldados obrigações leves, depois outras mais duras. À multidão aconselhava obras de misericórdia, aos publicanos recomendava não desejar os bens alheios, aos soldados não empregar violência contra ninguém, não caluniar e contentar-se com seu soldo.
Observe-se que São João Evangelista morreu na data hoje comemorada, mas a Igreja celebra sua festa três dias depois do nascimento de Cristo, para coincidir com a consagração da primeira igreja àquele apóstolo e para manter a solenidade do nascimento do bem-aventurado João Batista, dia declarado de alegria pelo anjo. Não se deve, contudo, concluir dogmaticamente que o Evangelista tenha cedido lugar ao Batista, como um inferior ao seu superior, porque não convém discutir qual deles é o maior. Um exemplo divino mostra isso. Está escrito em um livro que havia dois doutores em Teologia, um que preferia João Batista, o outro João Evangelista. Marcaram então um dia para um solene debate a respeito. Cada um buscava autoridades e argumentos poderosos em favor do João que preferia, quando em dia próximo da disputa cada um dos santos apareceu para seu defensor dizendo: “Vivemos em concórdia no Céu, não discutam a nosso respeito na terra” Um comunicou ao outro sua visão, levaram-nas ao conhecimento de todo o povo e bendisseram o Senhor.
2. Paulo, historiador dos lombardos, diácono da Igreja de Roma e monge de Monte Cassino, devia certa vez cantar a consagração do círio, mas ficou rouco, e para recuperar sua bela voz compôs em homenagem ao beato João um hino no qual pede que sua voz seja restituída, como fora a Zacarias.
Na data de hoje algumas pessoas recolhem por toda parte ossos de animais mortos para queimar, o que segundo João Beleth acontece por duas razões. A primeira decorre de antiga prática de combater uns animais chamados dragões, que voam, nadam e correm. Quando estão nos ares, eles provocam a luxúria, jogando esperma nos poços e nos rios, após o que ocorre naquele ano uma grande mortandade. Contra isso as pessoas descobriram um remédio, fazer com ossos de animais uma fogueira cuja fumaça afugenta os dragões, costume generalizado que se observa ainda hoje em alguns lugares. A outra razão é recordar que os ossos de São João foram queimados pelos infiéis na cidade de Sebasta.
Nesta data também se usam tochas acesas porque João foi uma tocha acesa e ardente. Ou costuma-se girar uma roda porque nesta época do ano o sol começa a declinar, lembrando o testemunho de João: “Ele tem de crescer e eu, diminuir” (João 3, 30) Este significado aparece, segundo Agostinho, na Natividade e na morte de ambos: por volta da natividade de João, a duração dos dias começa a diminuir, por volta da natividade de Cristo ela começa a aumentar, daí se falar que o solstício ocorre cerca de dez dias antes da natividade de Cristo e dez dias antes da natividade de João. Algo semelhante acontece quando da morte de ambos. O corpo de Cristo foi elevado na cruz e o de João abaixado ao perder a cabeça.
3. Paulo conta na História dos lombardos que Rocarith, rei dos lombardos, foi sepultado com muitos adereços preciosos numa igreja de São João Batista, mas alguém, movido pela cupidez, abriu certa noite o túmulo e levou tudo. O bem-aventurado João apareceu a ele e disse: “Como você teve a ousadia de pegar coisas que me tinham sido confiadas, não poderá mais entrar na minha igreja”. Isso de fato aconteceu, porque cada vez que o ladrão queria entrar naquela igreja, era derrubado por um golpe na garganta que parecia dado por um vigoroso atleta.
(Fonte: livro Legenda Áurea Vidas de Santos, Jacopo de Varazze, Companhia das Letras, 4ª reimpressão/2011 pp. 484-493)
___________
1 Baseada no Pseudo-Dionísio Ariopagita, a Idade Média aceitava a existência d e uma hierarquia angelical (composta, em ordem crescente, de Anjos, Arcanjos, Principados, Virtudes, Potências, Dominações, Tronos, Querubins e Serafins) definida pela menor ou maior proximidade desses seres celestes em relação a Deus.
2 A primeira e a segunda dessas três citações é João 3,31, a terceira de Mateus 3.11; Marcos 1,7; Lucas 3,16; João 1 ,27-10.