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24 DE OUTUBRO – FESTA DE SÃO RAFAEL ARCANJO

24 DE OUTUBRO – FESTA DE SÃO RAFAEL ARCANJO

São Rafael é invocado, especialmente, para a saúde do corpo e da alma. Assim nos deixa ver a estrofe composta para o ofício da festa deste Arcanjo:

Noáis adesto, Archangele,

Dei medelam denotans,

Morbos repelle corPorum,

Affer salutem mentibus.

Ou seja:

“Vinde em nossa ajuda, Arcanjo,

Vós, cujo nome é Remédio de Deus,

Expulsai as doenças do corpo,

Alcançai-nos a saúde do espírito”.

São Rafael é o tipo do anjo que procura cuidar dos justos, em assisti-los, consolar e curar. A história de São Rafael, se assim podemos dizer, vem do Antigo Testamento, no Livro de Tobias.

O Livro de Tobias conta a historia de um muito piedoso israelita, de seu filho e de sua nora. Entre várias tribulações, no meio das muitas angústias que sofreram, sempre se mantiveram confiantes em Deus. Por isso, foram cumulados de grandes benefícios.

O piedoso israelita chamava-se Tobias. O filho tinha, igualmente, o nome do pai, e a nora respondia pelo nome de Sara. Tobias, o pai, era da tribo e da cidade de Neftali. Fora levado cativo- nos tempos de Salmanasar, rei dos assírios. Embora no cativeiro, não se desesperou nem deixou de caminhar pelo trilho da verdade, de maneira que, de tudo aquilo que podia dispor, dava-o todos os dias aos, irmãos de raça e de infortúnio, cativos como ele. Era o mais moço de todos os homens da tribo de Neftali, mas nada fazia que fosse pueril, agindo como um ponderado, grave e sensato homem maduro. Assim enquanto todos iam adorar os bezerros de ouro, de Jeroboão, Tobias fugia-lhes da companhia, e ia a Jerusalém, ao templo do Senhor. Ali, adorava a Deus, oferecendo-lhe fielmente todas as suas primícias e os seus dízimos. Tudo o que era reto, ele observava, andando segundo, a Lei de Deus desde menino.

Quando chegou à idade de casar, casou-se com uma mulher chamada Ana. Ana era da sua própria tribo, e dela teve um filho, ao qual chamou Tobias. A Tobias, o filho, ensinou, desde a infância, a temer a Deus, fazendo com que o pequeno sempre e sempre se abstivesse de todo o pecado.

Cativo em Nínive, em meio aos que fugiam do Senhor, Tobias, o pai, conservou a alma pura. Porque sempre se lembrou de Deus, foi-lhe outorgada, do Alto, graça diante do soberano Salmanasar. Assim, tinha liberdade de locomoção, podendo ir para onde bem quisesse, bem como podia fazer o que bem lhe aprouvesse. Aos cativos, todos os dias, procurava consolar, dando-lhes salutares conselhos.

* * *

“Tendo, certo dia, ido a Ragés, cidade dos medos, e levado dez talentos de prata, daquelas dádivas com que tinha sido presenteado pelo rei, ao ver em necessidade, entre a muita gente da sua nação, a Gabelo, que era da sua tribo, deu-lhe a sobredita quantia de prata, mediante um recibo da sua própria mão.

“Muito tempo depois, morto o rei Salmanasar, reinou, em seu lugar, Senaquerib, seu filho, o qual não podia ver os filhos de Israel. Tobias ia visitar diariamente todos os da sua parentela, consolava-os, e distribuía para cada um dos seus bens, segundo as suas posses. Alimentava os famintos, vestia os nus e dava com solicitude sepultura aos, que tinham falecido e aos que tinham sido mortos. Finalmente, quando o rei Senaquerib se retirou, fugindo da Judéia à praga com que Deus o castigara pelas suas blasfêmias e, na sua ira, mandou matar muitos dos filhos de Israel, Tobias, sepultara os seus cadáveres.

“Quando o rei teve conhecimento disto, mandou que o matassem e confiscou todos os seus bens. Tobias, porém, despojado de tudo, fugindo com seu filho e com sua mulher, escondeu-se, porque muitos lhe queriam bem. Passados quarenta e cinco dias, assassinaram o rei os seus próprios filhos. Então, Tobias voltou para casa, e todos os seus bens lhe foram restituídos”.

Grande era o zelo daquele homem em sepultar os mortos. Um dia, dia de festa do Senhor, estando preparado um grande banquete em casa de Tobias, disse ele ao filho:

“ – Vai e traz aqui alguns da nossa tribo, que sejam tementes a Deus, para comerem conosco”

“Tendo ele ido, na volta contou ao pai que um dos filhos de Israel fazia degolado na rua. Imediatamente, Tobias, levantando-se da mesa, sem nada haver comido, foi junto do cadáver, tomou-o e levou-o secretamente para sua casa, a fim de, depois do sol posto, sepultá-lo com precaução. Depois de ter escondido o cadáver, pôs-se a comer com pranto e tremor, recordando-se do que o Senhor havia dito por meio do profeta Amós:

“ – Os vossos dias de festa converter-se-ão em lamentação e pranto”.

“Após o sol posto, saiu e sepultou-o. Todos os seus vizinhos o arguiam, dizendo:

“ – Já por este motivo te mandaram matar; mal escapaste da sentença de morte, logo recomeças a sepultar os mortos?”

“Porém, Tobias, temendo mais a Deus do que ao rei, levava os corpos dos que tinham sido mortos, escondia-os em sua casa e sepultava-os pelo meio da noite.

“Sucedeu, um dia, que, cansado de enterrar mortos, ao chegar a sua casa, deitou-se junto de uma parede e adormeceu. Enquanto dormia, caiu-lhe dum ninho de andorinhas um pouco de esterco quente sobre os olhos, e ficou cego. O Senhor permitiu que lhe acontecesse esta prova, para que a sua paciência servisse assim de exemplo aos vindouros, como a do São Job. Como havia sempre temido a Deus, desde a sua infância, e guardado os seus mandamentos, não se entristeceu contra Deus, por lhe ter acontecido a desgraça da cegueira. Permaneceu firme no temor de Deus, dando-lhe graças todos os dias da sua vida.

São Rafael e Tobias

“Assim como os reis (ou poderosos) insultavam o bem-aventurado Job, assim os parentes e amigos de Tobias, escarneciam da sua conduta, dizendo:

“ – Onde está a tua esperança, pela qual davas esmolas e sepultavas os mortos?”

“Mas Tobias repreendia-os:

“ – Não faleis assim, porque nós somos filhos dos santos (patriarcas) e esperamos aquela vida que Deus há de dar aos que nunca deixam de confiar nele.”

“Ana, sua mulher, ia todos os dias tecer, e do trabalho de suas mãos trazia o que podia ganhar para viver. Assim, aconteceu que, tendo recebido um cabrito, levou-o para casa; o marido, tendo-o ouvido dar balidos, disse:

“ – Vede que não seja furtado; restituiu-o a seus donos, porque a nós não nos é lícito comer nem tocar coisa alguma furtada”.

“A isto, respondeu-lhe a mulher com ira:

“ – Bem claro está que as tuas esperanças são vãs! Agora mostram o que valem as tuas esmolas!”

“Com estas e outras palavras semelhantes, insultava-o.

“Então Tobias deu um suspiro e começou a orar com lágrimas, dizendo:

“ – Tu és justo, Senhor, todos os teus juízos são justos, todos os teus caminhos são misericórdia, verdade e justiça. Agora, pois, Senhor, lembra-te de mim, não tomes vingança dos meus pecados, não te lembres dos meus delitos nem dos de meus pais. Porque não obedecemos aos teus preceitos, por isso fomos entregues ao saque, ao cativeiro e à morte, e tornamo-nos objeto de riso e opróbrio para todas as nações, por entre os quais nos espalhaste. Agora Senhor, os teus castigos são grandes, porque nós não procedemos segundo os teus preceitos, não andamos sinceramente na tua presença. Senhor, trata-me segundo a tua vontade, mas manda que o meu espírito seja recebido em paz, porque é melhor para mim sofrer do que viver”.

“Naquele mesmo dia, aconteceu que Sara, filha de Raguel, que estava em Ecbátana, cidade dos medos, ouviu-se ultrajar por uma das criadas de seu pai, porque tinha sido casada com sete maridos, e um demônio, chamado Asmodeu tinha-os morto, quando eles se aproximavam dela.

“Tendo Sara repreendido a criada por uma falta qualquer, ela lhe respondeu:

“ – Não vejamos nós jamais sobre a terra filha nem filho nascido de ti, ó assassina dos teus: maridos! Porventura queres tu também me matar a mim, como já mataste sete maridos?”

“A estas palavras subiu Sara ao quarto mais alto da casa e durante três dias e três noites não comeu nem bebeu. Perseverando em oração, pedia a Deus, com lágrimas, que a livrasse deste opróbrio.

“Ao terceiro dia, acabou a oração bendizendo o Senhor, assim:

“ – Bendito é o teu nome, ó Deus de nossos pais, que, depois de te irares, usas de misericórdia, e no tempo da aflição perdoas os pecados dos que te invocam. Para ti Senhor, volto a minha face, para ti dirijo os meus olhos. Peço-te, Senhor, que me livres do laço desta ignomínia, ou que, ao menos, tires-me do cimo da terra.

“Tu sabes, Senhor, que eu nunca desejei (ilicitamente) nenhum homem, que conservei a minha alma pura de toda a concupiscência. Nunca acompanhei com gente licenciosa, nem tive comércio com os que se portam levianamente. Consenti em tomar marido por teu temor, e não por paixão. ou eu fui indigna deles, ou porventura eles não foram dignos de mim; talvez me tenhas reservado para outro marido (da minha mesma tribo de Neftali). Não está ao alcance dos homens (perscrutar) os teus desígnios. Todavia, todo o que te rende culto tem por certo que a sua vida, se for provada, será coroada; se for atribulada, será livre; se for castigada, poderá acolher-se à tua misericórdia. Com efeito, tu não te deleitas com a nossa perdição: depois da tormenta, dás a bonança, depois das lágrimas e suspiros, infundes a alegria. Seja o teu nome, ó Deus de Israel, bendito pelos séculos”.

* * *

Ao mesmo tempo, foram por Deus ouvidas as orações de Tobias e de Sara. Ele, julgando que ia morrer, chamou o filho e passou a aconselhá-lo: que fizesse esmolas, jamais virando o rosto a um necessitado, não acontecesse que o senhor também lhe virasse a face; que respeitasse a mãe, que por ele muito havia sofrido; a todo o homem que tivesse feito qualquer trabalho, que logo lhe pagasse o salário, não ficando um só instante com a paga do trabalhador; que se preservasse de toda a fornicação, de toda a impureza, e que, fora da própria esposa, jamais consentisse no crime de se unir a outra mulher. Finalmente, disse que, quando o filho era ainda criança, emprestara dez talentos de prata a Gabelo, em Ragés, cidade dos medos: buscasse, pois, o modo de recebê-los. E acrescentou:

“ – Não temas, meu filho; é verdade que vivemos pobres, mas teremos muitos bens, se temermos a Deus, se nos desviarmos de todo o pecado, se procedermos bem”.

“Então Tobias respondeu ao pai:

“ – Meu pai, farei tudo o que me mandaste. Todavia, não sei de que modo poderei cobrar este dinheiro, porque nem ele me conhece a mim, nem eu conheço a ele; que sinal lhe hei de dar? Nem mesmo sei o caminho, por onde se vai a tal terra.

“Então o pai lhe disse:

“ – Eu tenho em meu poder o recibo de seu próprio punho; quando tu lho mostrares, ele te pagará logo. Portanto, agora, vai e busca algum homem fiel, que te acompanhe, mediante uma retribuição, para que cobres o dinheiro, enquanto eu estou vivo.”

“Mal havia Tobias saído (de casa), logo encontrou um jovem de belo aspecto, que estava cingido e como prestes a caminhar1. Não sabendo que era um anjo de Deus, saudou-o e disse:

“ – De onde és tu, ó bom jovem?

“Ele respondeu:

“– Eu sou dos filhos de Israel”.

“Tobias perguntou-lhe:

“ – Conheces, o caminho que conduz à terra dos medos?”

“O anjo respondeu-lhe:

“ – Conheço; tenho percorrido muitas vezes estes caminhos e tenho estado em casa de Gabelo, nosso irmão, que mora em Ragés, cidade dos medos, que está situada sobre o monte de Ecbátana”.

“Tobias disse-lhe:

“ – Suplico que esperes por mim, até que eu avise meu pai disto mesmo.

“Então Tobias, tendo entrado, referiu ao pai o sucedido. O pai, admirado com isto, rogou-lhe que entrasse em sua casa. Tendo, pois, entrado, saudou a Tobias, e disse:

“ – A alegria seja sempre contigo”.

“Tobias respondeu:

“ – Que alegria poderei eu ter, eu que sempre estou em trevas, que não vejo a luz do céu?”

“O jovem disse-lhe:

“ – Tem ânimo! É fácil a Deus curar-te”.

“Disse-lhe Tobias:

“ – Porventura poderás tu conduzir meu filho à casa de Gabelo, em Ragés, cidade dos medos? Quando voltares, eu te pagarei o teu trabalho”.

“O anjo respondeu:

“ – Eu lá o conduzirei, e to reconduzirei”.

“Tobias então perguntou-lhe:

“ – Peço-te que me digas: de que família e de que tribo és tu?”

“O anjo Rafael respondeu:

“ – Procuras conhecer a família do mercenário, ou o próprio mercenário, que vá com teu filho? Mas, que não te ponhas em cuidado, eu sou Azarias, do grande Ananias”.

“Tobias respondeu-lhe:

“ – Tu és de uma ilustre família. Peço-te que te não ofendas por eu ter desejado conhecer a tua família”.

“O anjo disse-lhe:

“ – Eu conduzirei são o teu filho, e são to reconduzirei.

“Tobias respondeu:

“ – Fazei boa jornada! Deus, seja convosco no vosso caminho, e o seu anjo vos acompanhe”.

Tudo preparado, o jovem Tobias, despedindo-se do pai e da mãe chorosa, partiu, seguido do seu cão. Na primeira pousada, junto do rio Tibre, parou.

“Quando saiu a lavar os pés, avançou da água em enorme peixe para o devorar. À sua vista, Tobias, espavorido, clamou em alta voz, dizendo:

“ – Senhor, ele se lança a mim”.

“O anjo disse-lhe:

“Pega-o pelas guelras e puxa-o para ti”.

“Tendo-o assim feito, puxou-o para terra, e o peixe começou a palpitar a seus pés. Então, disse-lhe o anjo:

“ – Tira as entranhas desse peixe, e guarda o coração, o fel e o fígado, porque estas coisas te servirão para remédios eficazes”.

“Feito isto, Tobias assou parte da sua carne, que levaram consigo para o caminho; salgaram o resto, para que lhes bastasse até chegarem a Ragés, cidade dos medos.

“Então Tobias perguntou ao anjo:

“ – Irmão Azarias, suplico-te que me digas para que remédio servirão estas partes do peixe, que tu me mandaste guardar?”

“O anjo respondeu-lhe:

“ – Se tu puseres um pedacinho do seu coração sobre brasas acesas, o seu fumo afugenta toda a casta de demônios, tanto do homem como da mulher, de sorte que não tornam mais a chegar a eles. Quanto ao fel, é bom untar os olhos que têm algumas névoas, tem a propriedade de os curar”.

“Tobias disse-lhe:

“ – Onde queres que pousemos?”

“O anjo respondeu:

“ – Há aqui um homem, chamado Raguel, teu parente, da tua tribo, que tem uma filha chamada Sara; além dela, não tem mais filho nem filha. Todos os seus bens devem te pertencer, mas é preciso que a recebas por mulher. Pede-a, pois, a seu pai, e ele te dará em casamento”.

“Então Tobias replicou:

“ – Eu sei que ela já foi casada com sete maridos, e que todos morreram; também soube que um demônio os matou. Temo que me suceda também o mesmo e que, como sou filho único de meus pais, faça descer a sua velhice com tristeza ao sepulcro”.

“Então o anjo Rafael disse-lhe:

“ – Ouve-me, que eu te mostrarei quais são aqueles sobre quem o demônio tem poder. São os que se casam com tais disposições que lançam a Deus fora do seu coração e do seu espírito, e se entregam à paixão, como o cavalo e o macho, que não tem entendimento: é sobre estes que o demônio tem poder. Porém tu, quando a tiveres recebido, tendo entrado na câmara, viverás com ela em continência durante três dias, e não cuidarás noutra coisa que em fazer oração com ela. No decurso da primeira noite, queimando o fígado do peixe, será posto em fuga o demônio. Na segunda noite, serás admitido na sociedade dos santos patriarcas. (2) E na terceira noite conseguirás a bênção, para que de vós nasçam filhos robustos. Passada a terceira noite, tomarás a donzela no temor do Senhor, levado mais pelo desejo de ter filhos do que por sensualidade, a fim de conseguires nos teus filhos a bênção reservada à descendência de Abraão”.

* * *

Em casa de Raguel, Tobias, o jovem obteve para sua mulher. Casou-se com ela, ela que tido tantos desgostos.

São Rafael e Tobias

“Depois de terem ceado, introduziram o jovem no aposento da esposa. Tobias, lembrando-se do que lhe tinha dito o anjo, tirou da sua bolsa um pedaço de fígado de peixe e colocou-o sobre uns carvões acesos. Nessa altura, o anjo Rafael pegou o demônio e ligou-o no deserto do alto Egito.

“Então Tobias encorajou a jovem com estas palavras:

“ – Sara, levanta-te e façamos oração a Deus, hoje, amanhã e depois de amanhã. Nestas três noites nos uniremos a Deus depois da terceira noite, viveremos no nosso matrimônio, porque nós somos filhos de santos, e não podemos juntar-nos à maneira dos gentios que não conhecem a Deus”.

“Levantando-se ambos, oravam juntos com fervor para que lhes fosse conservada a vida. Tobias disse:

“ – Senhor Deus de nossos pais, bendigam-te o céu e a terra, o mar, as fontes, os rios e todas as tuas criaturas que neles se encerram. Tu fizeste Adão do limo da terra e lhe deste Eva For companheira. Ora, tu sabes, Senhor, que não é por motivo de paixão que eu tomo esta minha irmã por esposa, mas só pelo desejo de ter filhos, pelos quais o teu nome seja bendito pelos séculos dos séculos”.

“E Sara disse:

“ – Compadece-te de nós, Senhor, compadece-te de nós, e faz com que vivamos juntos até a velhice em perfeita saúde”.

“Ao cantar do galo, Raguel mandou chamar os seus criados, que foram com ele abrir uma sepultura. Pode ser, dizia, que tenha acontecido a este o mesmo que aos outros sete homens que estiveram com ela”.

“Depois que prepararam a cova, voltou Raguel para junto de sua mulher e disse-lhe:

“– Manda uma das tuas criadas ver se ele morreu, para o sepultar antes que amanheça”.

“Ela mandou uma das suas criadas. Esta, tendo entrado na câmara, achou-os são e salvos, dormindo juntamente. Voltando, deu esta boa notícia,então, tanto Raguel como Ana, sua mulher louvaram o Senhor”.

Raguel e Ana, depois de uma ação de graças, alegres, cuidaram de dar um banquete, o banquete nupcial. Tobias. que julgava que Rafael fosse homem e não anjo, chamou-o e disse:

“Irmão Azarias, peço-te que ouças as minhas palavras. Ainda que eu me entregasse a ti como escravo, não poderia corresponder dignamente aos teus cuidados. Suplico-te, não obstante, que tomes contigo cavalgaduras e servos. e vás ter com Gabelo, a Ragés. cidade dos medos. Entrega-lhe o seu recibo, recebe dele o dinheiro e roga-lhe que venha à minha boda. Tu bem sabes que meu pai conta os dias: se eu tardar um dia mais, a sua alma se contristará. Tu vês também como Raguel instou comigo, e que não posso desprezar as suas instâncias tão fortes”.

“Então Rafael, tomando quatro criados de Raguel e dois camelos, foi à cidade de Ragés, na Média. Encontrando Gabelo, entregou-lhe o seu recibo, e recebeu dele todo o dinheiro. Contou-lhe tudo o que tinha sucedido a Tobias, filho de Tobias, e fê-lo ir consigo à boda”.

Gabelo foi. E chorou, louvou a Deus e abençoou o casal. E o banquete foi celebrado no temor de Deus.

* * *

“Enquanto Tobias se demorava, por causa das núpcias, seu pai Tobias estava em cuidados, dizendo:

“ – Quem sabe por que motivo tarda meu filho, por que se tem lá detido? Porventura morreria Gabelo, e não haverá ninguém que lhe restitua o dinheiro?”

“Começou ele, pois, a entristecer-se em extremo, e Ana, sua mulher, com ele; ambos começaram a chorar juntos, porque seu filho não voltava no tempo marcado. Sobretudo a mãe derramava lágrimas inesgotáveis e dizia:

“ – Ai, ai de mim! Meu filho, para que te mandamos nós tão longe, a ti, que eras a luz dos nossos olhos, o bordão da nossa velhice, a consolação da nossa vida e a esperança da nossa posteridade? Nós, que em ti só tnhamos tudo, não devíamos afastar-te da nossa companhia”.

“Tobias dizia-lhe:

“ – Cala-te, não te perturbes, que o nosso filho está são; aquele homem, com quem nós o mandamos, é muito fiel”.

“Ela, porém, não se podia consolar de modo algum, mas, saindo todos os dias fora, andava olhando para todas as partes, e corria por todos os caminhos, por onde esperava que o filho poderia voltar, para o ver vir ao longe, se lhe fosse possível.

“Entretanto, Raguel dizia a seu genro:

“ – Fica-te aqui; eu mandarei a Tobias, teu pai, um mensageiro com novas da tua saúde”.

“Tobias respondeu-lhe:

“ – Eu sei que meu pai e minha mãe estão agora contando os dias e que os seus espíritos estão num continuo tormento”.

Depois de muito instar com o jovem, o sogro acabou condescendendo. E Tobias e Sara, com servos e servas, rebanhos, camelos e vacas, partiram, levando a bênção de Raguel.

“De regresso, chegaram no undécimo dia a Caran, que está no meio do caminho para Nínive. O anjo disse:

“ – Irmão Tobias, tu sabes o estado em que deixaste teu pai. Se assim, pois, te parece bem, vamos nós adiante, e os teus domésticos sigam-nos devagar com tua mulher e os gados”.

“Tendo Tobias achado bom este conselho, disse-lhe Rafael:

“ – Traz contigo o fel do peixe, porque será necessário”.

“Tomou, portanto, Tobias do fel, e partiram.

“Entretanto, Ana, todos os dias, ia sentar-se junto da estrada, no alto de uma colina, donde podia ver ao longe. Enquanto desse lugar espreitava a sua vinda, viu ao longe e logo reconheceu seu filho que vinha; (logo) correu a dar a nova a seu marido, dizendo:

“ – Eis aí vem teu filho”.

“Ao mesmo tempo, Rafael disse a Tobias:

“ – Quando tiveres entrado em tua casa, adora logo ao Senhor teu Deus e dá-lhe graça; depois aproxima-te de teu pai e dá-lhe um beijo. Unta-lhe imediatamente os seus olhos com este fel de peixe, que trazes contigo, porque está certo que logo os seus olhos se abrirão que teu pai verá a luz do céu e se alegrará em te ver”.

“Então o cão, que os tinha seguido pelo caminho, correu adiante, e como que trazendo a nova, mostrava o seu contentamento e fazia festas, abanando a cauda. O pai, levantando-se, começou a correr

cego, tropeçando. Dando, então, a mão a um criado, foi ao encontro do filho. Abraçou-o, beijou-o, fazendo o mesmo sua mulher, e ambos Começaram a chorar de alegria. Depois que adoraram a Deus e lhe deram graças, assentaram-se.

“Então Tobias, tomando do fel do peixe, untou os olhos de seu pai. Esperou quase meia hora, e (então), começou a sair de seus olhos uma belida, como a película de um ovo. Tobias, pegando nela, tirou-a dos olhos do pai, que imediatamente recobrou a vista. E glorificaram a Deus, ele, sua mulher e todos os que o conheciam. Tobias dizia:

“ – Eu te bendigo, Senhor Deus de Israel, por me teres castigado e por me teres curado; eis que vejo o meu filho Tobias!”

* * *

Sete dias depois, Sara e os demais com os rebanhos, chegaram. Tobias contou ao pai todos os benefícios que Deus se dignara fazer-lhe, Por meio do anjo, que o acompanhara, e, alegremente, festejaram, banqueteando-se durante sete dias.

“Então Tobias chamou o filho e disse-lhe:

“ – Que podemos dar a este santo homem que te acompanhou?”

“Ele respondeu:

“ – Meu pai, que galardão lhe daremos nós? Que coisa poderá haver proporcionada aos seus benefícios? Ele me levou e me trouxe são e salvo; recebeu de Gabelo o dinheiro; fez-me ter mulher e afugentou dela o demônio; encheu de alegria os seus pais; livrou-me a mim mesmo de ser tragado pelo peixe; a ti, fez-te ver a luz do céu: por ele nós fomos cheios de todos os bens. Que lhe poderemos dar que iguale tais benefícios? Rogo-te, meu pai, que lhe peças se digne tomar para si metade de tudo o que trouxemos”.

“O pai e o filho chamaram-no, pois, à parte, e começaram a rogar-lhe que se dignasse aceitar metade de tudo o que tinham trazido.

“Então ele lhes falou particularmente:

“ – Bendizei ao Deus do céu, dai-lhe glória diante de todos os viventes, por ter usado convosco da sua misericórdia. É bom conservar escondido o segredo do rei, mas é coisa louvável manifestar e publicar as obras de Deus. É boa a oração acompanhada do jejum, e dar esmola vale mais do que juntar tesouros de ouro, porque a esmola livra da morte (eterna): apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna. Mas os que cometem pecado e iniquidade, são inimigos das suas almas. Eu vou descobrir-vos a verdade, não quero ocultar-vos nada. Quando tu oravas com lágrimas, enterravas os mortos, quando deixavas o teu jantar, para esconder os mortos em tua casa, de dia, e os enterrar de noite, eu apresentei as tuas orações ao Senhor. Porque tu eras aceito a Deus, por isso foi necessário que a tentação te provasse. Agora o Senhor enviou-me para curar-te e livrar do demônio a Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que assistimos diante do Senhor”.

“Ao ouvirem estas palavras, ficaram fora de si, e, tremendo, caíram com o rosto em terra. O anjo disse-lhes:

“ – A paz seja convosco, não temais. Quando eu estava convosco, eu o estava por vontade de Deus; bendizei-o, cantai-lhe louvores. Parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas eu me sustento de um manjar invisível, de uma bebida (que consiste na visão de Deus) a qual não pode ser vista pelos homens. É, pois, tempo que eu volte para aquele que me enviou; vós, porém, bendizei a Deus, e cantai todas as suas maravilhas”.

“Proferidas estas palavras, desapareceu diante deles, e eles não o puderam ver mais. Então, prostrando-se com o rosto por terra durante três horas, bendisseram a Deus; depois, erguendo-se, publicaram todas as suas maravilhas”.

Depois do Cântico de Tobias em ação de graças, em que se vê a profecia sobre a salvação de Jerusalém, seguem-se os últimos dias de Tobias, o pai, as suas últimas palavras, os últimos anos de Tobias, o

filho, encerrando-se o livro com a sua morte, lendo-se que “toda a sua parentela e toda a sua descendência perseveraram numa vida íntegra e foram amados tanto por Deus como pelos homens e por todos os habitantes do país”2.

* * *

A devoção aos anjos espalhou-se pelo Ocidente vinda do Oriente. Segundo o testemunho das litanias dos santos, de origens obscuras, os arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael já eram invocados antes da Santa Virgem. No século XV, a devoção a São Rafael como padroeiro dos viajantes estendeu-se rapidamente por toda a parte.

Aos 2 de março de 1602, uma missa em honra de São Rafael fora concedida ao mosteiro de São Francisco de Paula de Marselha. A Espanha festeja o santo arcanjo aos 24 de outubro. Foi a data que o papa Bento XV adotou para a festa da Igreja universal (decreto de 26 de outubro de 1921, Acta apost. Sedís, t. XIII, 1921, p. 543).

(Fonte: in, Vida dos Santos, Editora das Américas, Vol. XVIII, Padre Rohrbacher, 1959, pp. 454-472 – Texto revisto e atualizado)

1 Era o Arcanjo Rafael.

2 Tob., I-XIV

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