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TODOS OS SANTOS E FINADOS
TODOS OS SANTOS E FINADOS
Que bela festa! É como se Todos os Santos e Finados fossem uma só festa. De um lado, a Igreja militante, sobre a terra, roga à Igreja triunfante do céu, e de outro, roga pela Igreja sofredora e padecente do purgatório. E as três Igrejas são uma única Igreja.
A caridade, mais forte do que a morte, uniu-as do céu à terra, e da terra ao purgatório. E é pelo mesmo sacrifício que nós agradecemos a Deus a glória com a qual cumula os santos do céu, e imploramos a misericórdia para os santos do purgatório, santos ainda não perfeitos.
Tal sacrifício é Jesus mesmo, que santifica uns e outros, de quem esperamos a graça de nos santificar a nós mesmos. Assim, todos se reúnem em vós, ó Jesus! Somos felizes!
Eu vos saúdo, ó bem-aventurados amigos de meu Deus, santos de todos os séculos e de todos os lugares do mundo! Regozijamo-nos, e muito, de tão inumerável multidão de santos. Regozijamo-nos da benevolência de Deus, que vos tem no purgatório, misericordioso, e na glória, os que tem no céu: unimo-nos a vós para louvá-lo e bendizê-lo por todo o sempre. Uni-vos vós a nós também: assim podereis obter-nos da misericórdia de Deus a graça de vos imitar. Sabeis, pela experiência, o que somos nós, os homens: fracos, miseráveis, levados ao mal, cercados de perigos por todos os lados. E qual é nosso maior perigo? Ah, nosso maior perigo somos nós mesmos! Rezai, pois, pedi por nós, bons e santos irmãos, a fim de que, logo, sejamos como sois; a fim de que, como vós sejamos doces e humildes de coração; a fim de que, como vós, nos conheçamos a nós mesmos; rezai, pedi para que saibamos carregar nossa cruz; para gu,e sigamos o divino Mestre, até, que, afinal, todos a vós nos reunamos, para amá-lo e bendizê-lo, de todo o coração e para todo o sempre.
Considerai, ó almas, a grande, imensa procissão de santos que avança através dos séculos, da terra ao céu, que iremos engrossar, se Deus quiser.
O primeiro, aquele que rompe à frente, é o primeiro homem que foi morto sobre a terra – Abel. Abel, que Nosso Senhor mesmo canonizou, dando-lhe o nome de justo, no Evangelho. Foi Abel, a um só tempo, pastor, sacerdote e mártir.
Pastor de ovelhas, oferecê-las, como sacerdote, em sacrifício a Deus. Ele, que imolava, foi imolado como mártir, por Caim, seu irmão. Embora morto, fala ainda pelo sangue. Símbolo de Jesus Cristo, é como o porta- cruz dã grande procissão. E, do mesmo modo como se faz na procissão de domingo de Ramos, entrará na Igreja do céu, quando Jesus Cristo, o sacerdote por excelência, abrir de par em par as portas pela cruz, a sua cruz, e, pelo sangue, o seu sangue. Simbolo de Jesus Cristo, pelo sacrifício e pela morte, ele o é ainda pelo caráter de ressurreição. Porque Eva nos ensina que Deus lhe deu Seth para ser substituto, o vigário de Abel, como sacerdote e pontífice da primeira sociedade.
Depois de Abel, o primeiro justo, vem-lhe no encalço pai e mãe, nossos primeiros pais. Porque, logo que compreenderam a voz de Deus, Adão e Eva deixaram de ter duro o coração. Esperança, desde então, dos Filhos da mulher, que devia esmagar a cabeça da serpente, fizeram penitência das faltas e obtiveram o perdão. O Espírito Santo diz-nos, ele mesmo, na Escritura, que a Sabedoria, que é Jesus Cristo, que atende de uma extremidade à outra com poder e a tudo com doçura dispõe, tira do pecado aquele que foi criado pelo pai do mundo e lhe dá a virtude de dominar todas as coisas.
Tais palavras, tiradas do livro da Sabedoria, são uma como canonização. Ainda hoje, as tradições orientais falam da longa penitência do primeiro homem.
Na ilha de Ceilão há uma alta montanha com o nome de Pico de Adão, onde se pretende que o primeiro homem chorou amargamente a falta através dos séculos. Uma tradição particular dos judeus quer que o velho Adão esteja sepultado em Jerusalém, no lugar mesmo onde o novo Adão reparou o mal das gentes. Afinal, no segundo século da era cristã, um espírito excessivo sustentou que Adão foi condenado, por toda a Igreja pelo erro que cometera.
A santa Escritura mesma, canonizou um dos nossos primeiros ancestrais que vivia ainda: Henoc, pai de Matusalém. O livro do Gênesis diz-nos: “Henoc caminhou com Deus”.
O apóstolo São Judas dizia dos ímpios que blasfemavam contra o Evangelho: “Henoc, o sétimo depois de Adão, dele profetizou, quando disse: Eis que vem o Senhor com os santos para exercer o julgamento, de todos os homens, e tomar dentre eles todos os ímpios, ímpios de todas as impiedades e de todas as palavras duras que tais ímpios pecadores contra Ele proferiram”.
São Paulo, o Doutor dos Gentios, disse, na Epístola aos hebreus: “Pelo mérito da fé, Henoc foi elevado, para que não visse a morte; não mais foi visto, porque Deus o transportou alhures”. presume-se que para o paraíso, para um lugar de delícias, cheio dos frutos da árvore da vida, dos quais se alimenta.
Crê-se, geralmente, que no fim dos séculos, no fim do mundo cristão, Henoc virá como representante do mundo primitivo, com Elias, representante do mundo judaico, prestando testemunho do cristo contra o inimigo capital.
Outro santo, do qual todos descendemos, aparece na procissão, na grande procissão: Noé, profeta e pregador do mundo antigo, pai e pontífice do mundo novo, que nos salvou do dilúvio por meio da arca, símbolo da Igreja católica. Foi canonizado. Vemo-lo no Gênesis, no livro da Sabedoria, no Eclesiástico, em São Pedro nas duas epístolas e em São Paulo na epístola aos hebreus.
São Pedro chama-o, na segunda Epístola, o oitavo pregador da justiça, o que dá a entender que os outros oito ancestrais nossos, antes do dilúvio, pregaram também a justiça e a penitência.
Ao sair da arca, o segundo pai do gênero humano, como sacerdote e pontífice, a Deus ofereceu um sacrifício – e Deus teve-o por agradável, dando a palavra de não mais amaldiçoar a terra e os homens, que deviam multiplicar-se.
Deus abençoou Noé e os três filhos: abençoou-os, e, neles, todo o gênero humano, e, neles nós mesmos. Não só nos abençoou, quando os ancestrais abençoou, senão que fez conosco uma aliança, como, com quem quer que eleve pela graça até Ele. E pelo penhor da aliança e da bênção, dá-nos o arco-íris com as doces nuanças.
Há coisa mais consoladora ainda. Os contemporâneos de Noé perderam a vida do corpo no dilúvio: não encontraram, porém, a vida, a salvação da alma? São Pedro diz: “Com efeito, é melhor sofrer se Deus assim quiser, fazendo bem, que fazendo mal, porque também Cristo, morreu uma vez pelos nossos pecados, Ele, justo, pelos injustos, para nos oferecer a Deus, sendo efetivamente morto segundo a carne, mas vivificado pelo Espírito. No qual Ele também foi pregar aos espíritos que estavam no Cárcere, espíritos que outrora foram incrédulos, quando nos dias de Noé a paciência de Deus estava esperando a sua conversão, enquanto se fabricava a arca”.
Os mais doutos e os mais célebres intérpretes entendem, de comum acordo, que os contemporâneos de Noé não acreditavam nas predições do dilúvio, estribados na paciência de Deus: quando, então, viram a realização das predições, o mar transbordando numa fúria incontida e as chuvas caindo em torrentes, creram e arrependeram-se.
O dilúvio destruiu-lhes os corpos, mas salvou-lhes as almas. Estavam todos detidos nas prisões do purgatório, quando Jesus cristo, morto na carne sobre a cruz, apareceu, no espírito – ou na alma – pregando-lhes, anunciando-lhes a boa-nova: era-lhes o Salvador. Findavam-se-lhes as penas, e, então, com os santos patriarcas, acompanhá-lo-iam na entrada triunfante no céu.
Ah! Quem não louvará a grande, imensa bondade de Deus, todo Ele votado à salvação das almas, para isto se servindo das mais terríveis calamidades, que lhe vêm da justiça? Quem não votará a tão bom Pai a mais irrestrita confiança vendo que os mesmos lhe haviam por tão longo tempo abusado da paciência, não se convertendo senão na última hora, não lhe imploraram em vão a misericórdia?
Atrás de Noé e dos santos do primeiro mundo, vemos, na grande procissão, Abraão, Isaac, Jacó, Melquisedec, Jó, José, e os demais patriarcas; Moisés, Aarão, Josué, Eleazar, Gedeão, Samuel, Davi, Isaías, Daniel, os outros profetas, os Macabeus e todos os anciãos justos dos quais fala São Paulo aos hebreus, “que pela fé, conquistaram reinos, consumaram os deveres da justiça e da virtude, receberam o prometido das promessas, fecharam a fauce dos leões, detiveram a violência do fogo, evitaram o fio das espadas, curaram-se de doenças, encheram-se de coragem e de força nos combates, pondo em fuga exércitos estrangeiros; mulheres houve até que recuperaram ressuscitados, os mortos; uns foram torturados, não querendo o resgate, para alcançarem melhor ressurreição; outros sofreram ludíbrios e açoites, e, além disso, cadeias e prisões; foram tentados, foram passados a fio de espada, andaram errantes, cobertos de peles de ovelhas ,e de cabras, necessitados, angustiados, aflitos; eles, de quem o mundo não era digno, tiveram de andar errando pelos desertos, pelos montes, pelas covas e pelas cavernas da terra.
“E todos esses, louvados por Deus, com o testemunho prestado à sua fé, não receberam imediatamente o objeto da promessa, tendo Deus disposto alguma coisa melhor para nós, a fim de que eles, sem nós, não obtivessem a perfeição da felicidade.
“Por isso nós também, cercados por tão grande nuvem de testemunhas, deixando todo o peso que nos detém e o pecado que nos envolve, corramos com paciência na carreira que nos é proposta, pondo os olhos no autor e consumador da fé, Jesus, o qual, tendo-lhe sido proposto gozo, sofreu na cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus.
“Em verdade não vos aproximastes do monte palpável e do fogo ardente, do turbilhão, da obscuridade, da tempestade, do som da trombeta e daquela voz tão retumbante, que os que ouviram suplicaram não se lhes falasse mais.
“Vós, porém, aproximaste-vos do monte de Sião e da cidade do Deus vivo, da Jerusalém celeste e da multidão de muitos milhares de anjos, da igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céu, e de Deus, juiz de todos, e dos espíritos dos justos perfeitos, e de Jesus, mediador da nova aliança, e da aspersão daquele sangue que fala melhor que o de Abel”.
Nestas palavras do Apóstolo vemos o conjunto da procissão, incluindo os anjos que vêm atrás. A primeira parte espera que Jesus lhes abra a porta do céu, e, além, num angélico cortejo, as criancinhas, as criancinhas que por Ele morreram em Belém e nos arredores. Em seguida, lá está a Santa Mãe. Ei-la, lindíssima, com os apóstolos, os mártires, as virgens, e a inumerável multidão de santos de todos os clãs, línguas, sexos, estados, de todos os séculos, de todos os países.
Não nos esqueçamos de saudar, na imensa procissão, os santos do país, de nosso tempo, de nossa família, porque não há família cristã quer não tenha santos canonizados antecipadamente por Nosso Senhor. Não dissê Ele aos apóstolos: “Deixai vir a mim as criancinhas, porque delas é o reino do céu?” E então? Qual a família que não tem um pequenino morto, morto na graça do batismo? Lá estão todos no céu. Perguntaram os apóstolos a Nosso Senhor: “Mestre, quem será grande no reino dos céus?” Jesus, puxando para si uma criancinha, abraçou-a terna, comovidamente, e respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, que se não vos converterdes nem vos fizerdes como esta criança, não entrareis no reino dos céus. Aquele que se humilhar e se fizer pequeno como uma criança, esse será grande no reino celeste”. Honremos, pois, esses pequenos santos de nossas famílias, esses grandes do eterno reino. Invoquemo-los mesmo, a fim de que nos obtenham a permissão de participar da grande, imensa, procissão. E que, saídos da terra, entremos no céu, na glória de Deus. Assim seja.
(Fonte: in Vida dos Santos, Editora das Américas, Vol. XIX, Padre Rohrbacher, 1959, pp. 111-118 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)