Santo do Dia

31 DE JULHO – DIA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA.

Fundador da Companhia de Jesus (JESUÍTAS).

31 DE JULHO – DIA DE SANTO INÁCIO DE LOYOLA, PRESBÍTERO, FUNDADOR DA COMPANHIA DE JESUS, JESUÍTAS

Havia várias semanas que Inácio de Loyola, oficial espanhol, nascido em Biscaia, no ano 1491, esperava sua perfeita cura da perna, que tinha sido quebrada em 1521, por uma bala de canhão, no cerco de Pamplona. Já fora curada, mas, mal; foi preciso quebrá-la de novo e concertá-la segunda vez. Por fim, ficou curada; mas ele percebeu um osso que avançava demais, abaixo do joelho e lhe causava uma deformidade notável. Como queria a todo custo conservar uma perna bonita, mandou cortar o osso. Teve então que ficar de cama ainda várias semanas, embora gozasse de boa saúde. Com isso, ficou enfadado. Pediu romances para se distrair. Mas não os encontraram. Deram-lhe uma Vida dos Santos. Ele a leu, primeiro, para passar o tempo; mas pouco a pouco, tomou gosto pela leitura e a ela se dedicou inteiramente, de tal sorte, que passava assim dias inteiros. Não se cansava de admirar nos santos o amor da solidão e da cruz. Dizia para si mesmo: Como! E se eu fizesse o que fez São Francisco? E então? Se eu fizesse como um São Domingos? Aspirava sempre a coisas difíceis e grandes e parecia-lhe que tinha força para isso, por este único motivo: São Domingos o fez, então eu o farei também. Depois, a esses pensamentos de Deus, sucediam pensamentos do século.

Mas notou uma grande diferença entre uns e outros os pensamentos do século alegravam apenas por um momento, para depois o deixarem de novo triste e árido; ao passo que quando pensava na peregrinação a Jerusalém, em comer somente ervas, em praticar outras austeridades que tinha lido na Vida dos Santos, não somente tais pensamentos o alegravam no momento, mas o deixavam ainda alegre. A única resolução que tomou então, foi, após sua cura, ir a Jerusalém e praticar toda sorte de austeridades, para fazer penitência.

Pensando no que faria ao seu regresso de Jerusalém, veio-lhe à mente entrar na ordem dos cartuxos de Sevilha, sem se dar a conhecer, para ser menos estimado, e comer apenas ervas; mas lembrando-se das penitências que se propunha fazer, temia não poder, entre os cartuxos, praticar o ódio que tinha concebido contra si mesmo. Um de seus criados, indo a Burgos, recomendou-lhe tomasse informações sobre a vida desses religiosos. A narração causou-lhe prazer, mas ele ficou lá, preocupado com sua próxima partida.

Tendo-se despedido da família, sem dar a conhecer seus projetos, foi sozinho a Monteserrat. É um mosteiro de beneditinos, a um dia de Barcelona, construído sobre uma montanha toda coberta de rochedos e famoso pela devoção dos peregrinos, que, de todos os lugares do mundo, vêm implorar socorro da virgem e honrar-lhe a imagem milagrosa. Inácio aí fez uma confissão geral a um religioso do mosteiro. Foi o primeiro confessor ao qual manifestou seu plano de vida. Com seu conselho, deu a mula ao mosteiro, as vestes preciosas, a um pobre mendigo, vestiu o habito dos peregrinos, pendurou a espada e o punhal a uma pilastra, perto do altar de Nossa Senhora, diante do qual passou em oração a noite que precedeu a Anunciação da Santa Virgem, em 1522. Ao despontar do dia, recebeu a Santa Comunhão e pôs-se a caminho para Manresa, pequena cidade, a três léguas, que só tinha de importante um mosteiro de São Domingos e um hospital para os peregrinos e enfermos.

Inácio foi diretamente ao hospital. Lá teve grande alegria de ser posto no número dos pobres e em estado de fazer penitência sem ser conhecido. Começou a jejuar toda a semana a pão e água, exceto no domingo, quando co,mia um pouco de ervas cozidas ainda misturando-lhes um pouco de cinza. Cingiu a cintura com uma corrente de ferro e tomou um cilício sob as vestes de pano, de que se cobria. Castigava severamente o corpo três vezes por dia, dormia pouco e por terra. Maltratando-se assim, não teve outra vista no começo que imitar os santos penitentes e expiar suas desordens passadas. Concebeu, depois, um desejo ardente de procurar a glória de Deus, em suas ações; e o desejo tornou o motivo de sua penitência mais puro e nobre.

Refletindo, sobre seu proceder, julgou que as macerações da carne o fariam adiantar pouco nas estradas do céu se não procurasse sufocar em si os movimentos do orgulho e do amor próprio. Por isso, mendigava o pão de porta em porta, apresentando um exterior grosseiro e sujo. Também, quando apareceu em Manresa, as crianças o apontavam, atiravam-lhe pedras e o seguiam pelas ruas com forte assuada. Entretanto, corria o boato de que um gentil homem desconhecido tinha dado as vestes a um pobre, que esse pobre tinha sido preso como ladrão, atê que o cavalheiro desconhecido tivesse declarado à polícia que lhe tinha dado aquelas vestes. A essa notícia, os habitantes de Manresa começaram a suspeitar de que o peregrino mendigo, de quem todos zombavam, poderia bem ser um homem ilustre que fazia penitência. Inácio, percebendo que o olhavam com vistas diferentes, retirou-se a uma caverna quase inacessível, nos arredores, e deu-se a penitências extraordinárias; aí foi provado por tentações diversas, como Nosso Senhor no deserto. Algumas pessoas que descobriram seu retiro, à força de o procurar, encontraram-no um dia desmaiado à entrada da caverna e o levaram, contra vontade, ao hospital de Manresa, onde logo se perdeu a esperança de que vivesse. Os religiosos dominicanos que lhe dirigiam a consciência, tiveram piedade dele e o levaram a um mosteiro por caridade. Os sofrimentos do corpo não eram os únicos nem os maiores. O espírito das trevas atormentava-lhe a alma com tentações horríveis de desânimo e de desesperação. Por fim, entretanto, Deus restituiu-lhe a saúde do corpo e a tranquilidade da alma; deixou-lhe mesmo entrever os mistérios do céu.

Até aí, Inácio só tinha pensado em glorificar a Deus por sua própria santificação. Compreendeu, então, que Deus seria muito mais glorificado se trabalhasse para a santificação dos outros. Não é muito, dizia, que eu sirva ao Senhor; é preciso que todos os corações o amem e que todas as línguas o bendigam. Saiu da solidão, moderou as austeridades, tomou um exterior menos repelente e pôs-se a falar aos homens das coisas do céu. Aquelas conversas produziram grande fruto de salvação; muitos pecadores se converteram. Inácio aproveitou a experiência para redigir a continuação e o conjunto dos seus exercícios espirituais, próprios para tirar o homem do pecado e guiá-lo para a perfeição. Como aquela obra de Inácio, lhe granjeasse novos louvores e a admiração do povo, deixou Manresa, do mesmo modo como tinha deixado Monte-Serrat, e fez uma peregrinação a Jerusalém, como peregrino dos mais pobres, passando por Barcelona, Roma e Veneza. Seu desejo não era mais somente honrar os santos lugares mas também trabalhar pela salvação dos cismáticos e dos infiéis. Durante a viagem, teve tempo de fazer muitas reflexões. Pensou que, para trabalhar na conversão das almas, era preciso ter conhecimentos que lhe faltavam, e que jamais poderia fazer algo de sólido, sem o fundamento das letras humanas. Voltou, então, a Barcelona para estudar, a começar pela gramática latina. Tinha trinta e três anos guando se pôs a frequentar todos os dias a classe com os meninos. Como fazia para a maior glória de Deus e pela salvação das almas, nenhuma dificuldade o detinha. Para se manter sempre no espírito de piedade, lia frequentemente a Imitação de Jesus Cristo que considerava, depois do Evangelho, o mais piedoso do Espírito de Deus.

Santo Inácio (imagem: Alexandria Católica)

Depois de dois anos, foi estudar filosofia nas universidades de Alcalá e Salamanca.

Continuava, ao mesmo tempo, a trabalhar pela salvação das almas, catequizando as crianças e exortando os enfermos. Como a heresia de Lutero e de Calvino mandava então por toda parte seus emissários. Inácio também foi suspeito de ser um deles; mas as autoridades eclesiásticas, examinando-o de perto, reconheceram que era fiel filho da Igreja. Tendo vindo de Salamanca para aperfeiçoar-se em Paris nos seus estudos, aí comunicou seu zelo a uma meia dúzia de companheiros com os quais se consagrou a Deus, no dia da Assunção da Santíssima Virgem, em 1534, na capela subterrânea da igreja de Montmartre. Foi essa origem da Companhia de Jesus, que tanto bem fez à Igreja de Deus, para a conversão dos infiéis, dos hereges, dos pecadores e para o progresso dos justos nas vias da perfeição. Entre os primeiros discípulos de Santo Inácio, admiramos sobretudo São Francisco Xavier, apóstolo da Índia. Oh! quem poderia dizer os frutos incontáveis de salvação, que produziu aquela leitura casual da Vida dos Santos?

A resolução de Inácio e dos companheiros era ir a Jerusalém, trabalhar pela salvação das almas, ou então, se a Providência pusesse obstáculo à viagem, ir oferecer-se ao Papa para servir à Igreja, sob suas ordens. Com tal fim determinaram encontrar-se em Veneza. para de lá ir ao Oriente.

Inácio, para regular os negócios, viajou para a Espanha, onde suas instruções operaram um grande bem. Passando da Espanha a Veneza, lá viu companheiros chegar a 8 de janeiro de 1537. Eram onze ao todo e, esperando navegação favorável, entregaram-se a toda sorte de boas obras, como catequizar os ignorantes, e servir aos enfermos nos hospitais.

Santo Inácio de Loyola e o Papa Paulo III

Passando o ano e não havendo nenhuma probabilidade de que a navegação fosse livre, ficou resolvido que Inácio, Lefèbvre e Laynez, iriam a Roma expor ao Santo Padre suas intenções e de todo o grupo; que os outros, entretanto, se distribuiriam pelas universidades mais famosas da Itália, para inspirar a piedade aos jovens que estudavam e recrutar ainda alguns deles. Antes de se separarem, determinaram uma maneira de viver uniforme e comprometeram-se a observar as regras seguintes:

1º. Que se hospedariam nos hospitais e viveriam de esmolas; 2º. Que aqueles que estivessem juntos, seriam superiores por sua vez, cada um uma semana, para que o fervor não os levasse muito longe, se não marcassem limites uns aos outros, para as penitências e o trabalho; 3º. Que pregariam nas praças públicas e em outros lugares onde lhes fosse permitido fazê-lo, que em sua pregação eles falariam da beleza e das recompensas da virtude, da feiura e do castigo do vício; mas que o fariam de uma maneira conforme à simplicidade do Evangelho e sem os vãos ornamentos da eloquência; 4º. Que ensinariam às crianças a doutrina cristã e os princípios dos bons costumes; 5º. Que não receberiam dinheiro por suas funções e que servindo ao próximo, procurariam unicamente a Deus. Inácio disse-lhes ainda que, estando todos reunidos para combater as heresias e os vícios, sua sociedade tinha somente o nome de Companhia de Jesus.

O Papa Paulo III recebeu com alegria o oferecimento de Inácio e de seus companheiros. Para começar a servir-se desses novos operários, desejou que Laynez e Lefebvre ensinassem teologia no colégio da Sapiência; aquele, a escolástica, e este, a Escritura Sagrada. Inácio, empreendeu, sob sua autoridade apostólica, a reforma dos costumes, por meio dos exercícios espirituais e das instruções cristãs. No entanto, os novos apóstolos em Veneza e em Roma, mais de uma vez foram acusados e caluniados, especialmente por um emissário da heresia; mas sua inocência foi sempre constatada e a calúnia, confundida. Finalmente Paulo III confirmou o instituto de Inácio, sob o nome de Companhia de Jesus, por sua bula de 27 de setembro de 1540. Essa bula contém o elogio dos dez primeiros Padres e traz em termos formais, que só há coisas boas e santas nesse novo instituto de que ela apresenta o plano e o conjunto. O Papa permitiu-lhes, pela mesma bula, estabelecer as constituições tais como eles julgassem mais próprias para sua perfeição particular, para a utilidade do próximo e para a glória do Senhor. É verdade, que ele limitou o número dos professos, e os restringiu a sessenta. Mas tirou aquela restrição dois anos depois, por outra bula; e foi o interesse da cristandade que o obrigou a assim fazer, como ele mesmo declarou.

Depois que a Santa Sé aprovou a Companhia de Jesus, Inácio julgou que devia começar por escolher um chefe. Ele mesmo foi o escolhido. Seu confessor, que era um religioso de São Francisco, declarou-lhe claramente que resistia ao Espírito Santo, resistindo à sua escolha e ordenou-lhe, da parte de Deus, aceitar o cargo de superior-geral. Inácio rendeu-se e no dia de Páscoa, 17 de abril de 1541, aceitou o governo da Companhia de Jesus. A primeira função do novo geral foi dar o catecismo às crianças de Roma, durante quarenta e seis dias; então para lá acorreram toda espécie de pessoas, mesmo homens e mulheres de posição, teólogos e canonistas; os frutos foram maravilhosos; a seu exemplo, os superiores da Companhia dão quarenta dias de catecismo, quando assumem o cargo.

Antes disso, já o embaixador do rei de Portugal tinha pedido seis de seus companheiros para evangelizar as Índias orientais. Meu Deus, respondeu Inácio, se dos dez que somos, seis forem para as Índias, que restaria para os outros países do mundo? O embaixador levou somente Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha, o qual, tendo caído enfermo foi substituído por Francisco Xavier: dois homens para conquistar a Índia e o Japão. Ainda, para lá, foi um somente, por que o outro ficou em Portugal.

Inácio continuava suas obras em Roma. Assistindo aos enfermos nos hospitais e alhures, constatou que a maior parte só se confessava nos últimos momentos de vida. Obteve então de Paulo III se renovasse a decretal de Inocêncio III que ordena que o médico só veja os doentes depois deles terem se confessado. O novo Papa trouxe a isso uma modificação: permitiu duas visitas do médico, antes da confissão do doente, e proibiu a terceira sob penas rigorosas. Uma prática tão cristã se observa ainda na Itália. Inácio converteu muitos judeus e procurou vários estabelecimentos e determinações em favor dos neófitos. Trabalhava ao mesmo tempo na conversão das moças e mulheres de má vida e reuniu um grande número delas e as colocou num estado conveniente, onde, sem serem obrigadas a fazer votos religiosos, podiam, a salvo do perigo, levar vida cristã. Diziam-lhe, às vezes, que perdia o tempo e que aquelas infelizes não se converteriam jamais, de coração. Quando lhes impedisse somente ofender a Deus uma noite, respondia ele, julgaria meu trabalho bem empregado.

Fundou um mosteiro para as moças ainda não perdidas, mas expostas a esse perigo; ainda mais, duas casas para órfãos, uma para os meninos e outra para as meninas que ele mesmo dirigiu, e que subsistiram por muito tempo. O processo que mantinha, nessa espécie de boas obras, era nelas incluir o mais possível pessoas ricas e devotas, escolher um cardeal, homem de bem, que lhe fosse o protetor, e estabelecer administradores para o temporal e diretores para o espiritual, que governassem sabiamente as casas segundo os estatutos que ele combinava. Mas, quando a coisa estava bem firme e tudo já caminhava por si mesmo, tinha o costume de se retirar, para não causar inveja a ninguém e para empreender outra coisa útil ao público.

Esse era o espírito de Santo Inácio: preparar o terreno, semear o bom grão, depois deixar-lhe a cultura e a messe a outros; fundar boas obras, fundar novas igrejas e de todas as obras, a mais excelente; depois, o mais depressa possível confiar-lhe a administração a um clero indígena, para correr a novos desbastamentos, a novas construções. O mundo não conhecia aquele espírito. É o espírito de Jesus, que semeia o bom grão, rega-o com seu sangue e deixa a colheita aos apóstolos; é o espírito de São Paulo, que funda por toda parte igrejas, para as confiar a padres e bispos e ir fundar outras igrejas em outros lugares. Bendito seja para sempre o cristão, o missionário, a ordem religiosa que cuidar e conservar esse espírito de São Paulo e de Santo Inácio!

O que ainda o ocupava noite e dia era o plano das constituições de sua ordem. Para lhe sentir bem o espírito e o conjunto, temos que lhe tomar o oposto, do que vemos em Lutero, Calvino e Henrique VIII. No heresiarca de Witembert e companhia, há a Babel, a confusão, confusão das línguas; das ideias e das coisas: é uma imagem do inferno, onde não há ordem alguma, mas um horror e confusão eternas. Não uma verdade inteira, nem pura, tudo está partido, contornado, falso: é uma casa em ruínas, onde não há mais uma pedra em seu lugar. Em Santo Inácio e na companhia, há Jerusalém, a visão da paz, a vista da ordem; é uma imagem fiel do reino de Deus, da Igreja de Deus, no céu e na terra; tudo aí está em seu lugar, como no corpo humano: a razão e a fé, a natureza e a graça, tudo tende para a glória de Deus e a salvação das almas.

As maneiras são como o espírito, o fim e o conjunto. No auge da cólera o monge apóstata forja suas doutrinas ímpias: nas tavernas, entre copos de vinho e de cerveja e entre as mais grosseiras injúrias; abraços impuros de uma religiosa apóstata. Santo Inácio, ao contrário, escreve suas constituições entre toda espécie de obras de caridade cristã. Nisso empregava, no silêncio do retiro, todos os dias, várias horas e passava mesmo uma parte da noite. No plano de sua companhia, vemos tudo, ao contrário de Lutero e de Calvino.

Os dois heresiarcas rompiam a união de Deus com a humanidade, afirmando que essa união, diversamente da Igreja católica, tinha perecido havia mil anos. Os dois heresiarcas rompiam a unidade entre as nações cristãs, negando o centro da unidade, o vigário de Jesus Cristo, Os dois hereges rompiam a união dos séculos e dos indivíduos, quebrando a unidade hereditária da fé comum para deixar a cada qual apenas as variações de seu espírito próprio. Tiram mesmo ao homem, seu caráter de homem, tirando-lhe o livre arbítrio, para lhe imprimir um caráter de animal, de planta e de máquina.

Como chefe da Companhia de Jesus, Santo Inácio tinha o espírito de seu senhor, como o apostolado de Lutero tinha o espírito do seu. Jesus, Deus eterno, fez-se homem, entregou-se à morte por amor à sua Igreja, a fim de a santificar e de a apresentar a si mesmo, como uma esposa sem mancha; afirma estar com ela todos os dias até à consumação dos séculos, manda-lhe o Espírito Santo, para ficar com ela eternamente. Jesus, Deus eterno, diz ao apóstolo que ele chamou de Pedro: Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te dei as chaves do reino dos céus e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado no céu. Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas. E somente um rebanho e um só pastor. – Dizer agora que Jesus, Deus eterno, Jesus a mesma verdade, não manteve sua palavra, que abandonou sua Igreja e que o inferno prevaleceu contra ela… Viva Deus!… é uma mentira dessa velha serpente, que seduziu uma parte dos anjos, que seduziu nossos primeiros pais, que seduziu as nações pagãs nos ídolos: é uma blasfêmia desse rei do orgulho, que não se tendo podido tornar semelhante ao Altíssimo, quer tornar o Altíssimo semelhante a ele, falso e mentiroso. Cristãos, soldados de Cristo, alerta! Eis o inimigo! – Para refutar essa mentira do inferno, para destruir seus perniciosos efeitos deveis trabalhar, a exemplo de Inácio. Deus o suscita com sua companhia, não para fazer tudo, mas para servir de modelo a todo o exército cristão, a fim de que todos, homens, mulheres, crianças, façam o mesmo. O mundo mesmo nos fará compreender um dia, o mundo e o inferno, darão um dia o nome de jesuíta a todo cristão generoso, que puser Deus e sua Igreja acima de sua pessoa, de sua família e de sua nação: para os outros, o mundo e o inferno não se inquietarão, mais que com pessoas neutras ou cúmplices.

Levar a Deus todo o homem e todos os homens pela unidade da fé, da esperança e da caridade, sem distinção de grego, nem de bárbaro, é esse o fim da Igreja católica, esse o fim da Companhia de Jesus, esse o voto de todo cristão fiel. Para esse objetivo tendem as constituições de Santo Inácio, à sua companhia. Como a mesma Igreja, ele abraça a vida contemplativa e a vida ativa, todas as ciências e todas as boas obras.

Como meio de chegar a esse grande fim, Santo Inácio fundou colégio por toda parte; para a educação cristã da juventude, fundou em Roma o colégio Germânico, para a restauração católica da Alemanha, fundou ainda o colégio romano, para a regeneração cristã e científica do inteiro universo.

Havia muito tempo a saúde de Santo Inácio, minada pelo trabalho ininterrupto, ameaçava ruir. Ele via aproximar-se o fim; não deixava, porém, de se ocupar dos cuidados que a companhia reclamava; por fim, o mal foi mais forte que sua coragem. Laynez, mais jovem, mas também tão enfraquecido como o mestre, estava num estado mais ou menos desesperado. Nessa situação, Inácio julgou oportuno ter o auxílio de um padre que envelhecesse por ele. Não quis fazer ele mesmo a escolha; reuniu todos os padres da sociedade residentes em Roma e pediu-lhes que lhe dessem um vice-geral. O Padre Jerônimo Natal foi o indicado.

Inácio depositou sobre ele o cuidado dos assuntos mais importantes: reservou-se para si somente o dos doentes, não julgando poder em consciência descarregá-lo sobre outrem, julgando que um superior era obrigado a prover ele mesmo às necessidades dos outros, que o reconheciam como pai. Assim, toda sua atividade se reduzia a isso e não se pode imaginar quanto sua ternura paterna o tornou sensível aos menores incômodos de seus filhos. Ele dizia que era por uma ordem particular da Providência, tinha pouca saúde, que as diversas indisposições às quais estava sujeito, faziam-no sentir mais os males de outrem e davam-lhe a compaixão por toda sorte de enfermidades. Mas, por maiores cuidados que tivesse em consolar e aliviar aqueles que estavam doentes, jamais estava satisfeito e disse um dia que o cuidado dos enfermos o fazia tremer, quando pensava nas obrigações de um bom superior.

Trânsito de Santo Inácio.

Embora suas enfermidades, que aumentavam todos os dias com a idade, não lhe permitissem agir por fora, queria que lhe dessem conta das boas obras de vulto, que se faziam na Itália e alhures. Soube um dia que jovens de Macerata tinham preparado uma comédia pouco decente, para as alegrias do carnaval; os padres que para lá tinham ido em missão, de Loreto, tinham exposto o Santíssimo Sacramento, numa capela magnificamente adornada, que se tinha feito a oração das quarenta horas, durante três dias, os três dias que precedem à quarta-feira de Cinzas, e que o povo, atraído por uma cerimônia nova, deixa o teatro para ir adorar Jesus Cristo no altar. Essa devoção agradou tanto a Inácio , que quis que ela se praticasse todos os anos, nas casas da Companhia. A ele devemos essas orações solenes, que se fazem hoje por toda parte durante os últimos dias de carnaval, para afastar os fiéis da devassidão e das loucuras da estação.

Sentindo-se um dia mais fraco que de costume e considerando que a obediência era a alma e o caráter de sua ordem, mandou chamar o companheiro de seu secretário, e depois de lhe ter dito que não poderia viver por muito tempo, acrescentou: Escrevei. Desejo que a companhia saiba os meus últimos pensamentos sobre a virtude da obediência e ditou-lhe o que segue:

1º. Desde que eu entrar na religião, meu primeiro cuidado será abandonar-me inteiramente ao governo de meu superior. 2º. Seria de se desejar que eu caísse nas mãos de um superior que determinasse dominar meu juízo e que se desse todo a isso. 3º. Em todas as coisas onde não há pecado, é preciso que eu siga o juízo do meu superior, e não o meu. 4º. Há três maneiras de obedecer. A primeira, quando fazemos o que nos é mandado em virtude da obediência essa maneira é boa; a segunda, que é melhor, quando obedecemos a simples ordens; a terceira, é a mais perfeita de todas, quando não esperamos a ordem do superior, mas a prevenimos e adivinhamos sua vontade. 5º. Devo obedecer indiferentemente a toda espécie de superiores, sem distinguir o primeiro do segundo, nem mesmo do último; mas deve considerar em todos igualmente, a Nosso Senhor, de quem eles ocupam o lugar, e lembrar-me de que a autoridade se comunica ao último por aqueles que estão acima dele. 6º. Se o superior julga que o que manda é bom e eu creio não poder obedecer sem ofender a Deus, a menos que isso, me seja evidente, devo então desobedecer. Se, no entanto, tenho dificuldade, por algum escrúpulo, consultarei duas ou três pessoas de bom senso e ater-me-ei ao que me disserem; e se não me render depois disso, estou muito longe da perfeição que a excelência do estado religioso pede. 7º. Enfim, não devo ser para mim mesmo, mas para meu Criador e para aqueles sob cujo governo me pôs. Devo estar nas mãos de meu superior como a cera mole, que toma a forma que se quer e faz tudo o que agrada: escrever cartas ou não escrever, falar a uma pessoa ou não lhe falar, e outras coisas semelhantes. 8º. Devo considerar-me um corpo morto, que de si mesmo não tem movimento algum e como o bastão de que um velho se serve, que toma ou deixa, segundo sua comodidade, de sorte que a religião se serve de mim, segundo julgar que lhe serei útil. 9º. Não devo rogar ao superior que me ponha neste ou naquele lugar, ou que me dê este ou aquele emprego: posso, entretanto, declarar-lhe meu pensamento e minha inclinação, contanto que eu me entregue a ele de todo, e que o que ele ordena me pareça o melhor. 10º. Isso não impede que não se peçam coisas que não têm consequência, como seria visitar igrejas ou fazer outras devoções para se obter de Deus alguma graça. Todavia, com a condição que, estejamos numa igual situação de espírito, seja que o superior nos conceda ou recuse o que lhe tivéssemos pedido. 10º. Devo depender sobretudo do superior no que se refere à pobreza, não tendo nada de próprio e usado de tudo, como uma estátua, que se pode despojar sem que ela se oponha nem se queixe.

Esse o testamento de Santo Inácio de Loyola, que morreu na sexta-feira, 31 de julho de 1556, às cinco horas da manhã, pronunciando o nome de Jesus. Tinha sessenta e cinco anos. Havia desejado três coisas sobre a terra: ver os soberanos Pontífices confirmar seu instituto, ouvi-los aprovar o livro dos Exercícios espirituais e saber que as constituições da ordem tinham sido promulgadas por toda parte, onde trabalhavam alguns de seus discípulos. Seus três desejos se haviam realizado: Inácio morreu feliz. Foi beatificado em 1609, por Paulo V e canonizado em 1622, por Gregório XV. Enterraram Santo Inácio na pequena igreja dos jesuítas, colocada sob a invocação da Mãe de Deus.

Em 1587, transportou-se seu corpo para a igreja da casa professa, chama da Jesus que o cardeal Alexandre Farnese tinha feito construir; puseram-no em 1637 sob o altar da capela, que tem o nome de Santo Inácio. Está encerrado numa caixa rica e muito preciosa.

(Fonte: in Vida dos Santos, Editora das Américas, Vol. XIII, Padre Rohrbacher, 1959, pp. 461-481 – Texto revisto e atualizado e destaques acrescidos)

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