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FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Santíssima Trindade – Catedral de Colonia, Alemanha

FESTA DA SANTÍSSIMA TRINDADE

Remate e consumação de todas as festas é a da SS. Trindade. Como sendo um objeto principal e primário de todo o culto, que a Deus rendemos, a adorável Trindade, um só Deus em três pessoas, é evidente que são todas as festas da religião cristãs verdadeiras festas da SS. Trindade.

Com efeito, tudo nelas honramos, seja dos Santos, seja do próprio Cristo Senhor Nosso, em sua humanidade, só serve de meio para honrar a SS. Trindade, a ela elevando-nos como verdadeiro e único termo de culto.

São realmente distintas as três pessoas no Deus único; tendo, porém, a mesma natureza, dos três é a mesma divindade; cada qual é Deus, e um só este Deus em três pessoas. O Filho não é o Pai. Nem o Pai, nem o Filho, é o Espírito Santo, bem que sejam todos três um mesmo Espírito Santo indivisível e simplicíssimo.

Tão poderoso é o Filho como é o Pai, tão poderoso o Espírito Santo como o Pai e o Filho; os três juntos, porém, não têm mais poder que qualquer dos três, na adorável Trindade; é a mesma duração, o mesmo poder, a mesma imensidade.

A primeira pessoa engendra a segunda, sem por isso ter sobre esta vantagem alguma de precedência ou antiguidade; das duas procede a terceira e lhes é contemporânea. É perfeição do Pai engendrar o Filho, e do Filho concorrer com o Pai na processão do Espírito Santo, que dos dois procede; e nesta terceira pessoa não se acham essas duas perfeições, e, todavia, não é menos perfeita que as duas; tudo aqui é igual: perfeição, poder, dignidade, excelência. Tudo aqui é incompreensível, e, por isso mesmo, tudo indubitável, porquanto, se o Ente Supremo, soberano, o ser incriado e infinito, ser compreendido por espírito criado, limitado qual o nosso, não seria Deus. Ah! poderia este espiritosinho de vistas tão curtas, que ignora as coisa mais vulgares, incapaz de se compreender a si próprio, ou as mínimas obras do Criador, poderia compreender o modo de ser do Ser infinito que, por assim dizer, a si próprio esgota para conhecer-se! Tanto mais crível é este mistério quanto incompreensível. Algo começamos a entender da grandeza de Deus, diz S. Agostinho, quando sentimos a impossibilidade de compreender o que é ele em seu modo de ser.

Manda-me Deus que creia neste incompreensível mistério, diz o mesmo profundo filósofo, sem permitir-me que o aprofunde, e mostra este fato como é necessária a fé na religião.

Um só Deus em três pessoas, eis o sumário da nossa fé, diz o mais célebre dos oradores cristãos; é este o fundamento de nossa religião, o caráter da nossa profissão, dos nossos mistérios o mais augusto.

Encerram estas três palavras: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, o fundo e o tesouro da nossa crença. Delas fez o Salvador parte essencial do primeiro Sacramento, e quis que entrem na substância de quase todos os demais. Na primitiva Igreja eram como um selo e sinal público, universal, que distinguia os fieis, e, na conformidade dos seus sentimentos, com elas iniciamos todos os nossos atos, em testemunho do culto que rendemos à adorada SS. Trindade .

Por isso é esta crença, o tesouro para nós mais precioso da Igreja, diz S. Agostinho, esta fé que justifica os pecadores, santifica os justos, batiza os catecúmenos, coroa os mártires, consagra os sacerdotes, salva o mundo. Um só Deus em três pessoas, sem que as muitas pessoas multipliquem a divina natureza, que é indivisivelmente a mesma nas três, sem causar a distinção desigualdade alguma de perfeições, que são as mesmas nas três pessoas divinas: eis o que cremos, e é este o dogma a base de toda a nossa esperança, dizem os padres, o princípio de toda santidade e, na frase do Concílio Tridentino, o começo, a raiz da nossa justificação; é este o mistério sublime, impenetrável para todo espírito criado, que só aos filhos da nova aliança havia de ser revelado. É este o principal artigo da nossa fé, o maior e mais sublime dos mistérios, objeto especial da solenidade de hoje.

Posto que assaz recente seja a instituição formal desta festa (século XIV), é de todas a mais antiga que foi festa religiosa em todos os séculos. Tanto que houve no mundo criaturas racionais, foi o mundo um templo consagrado ao Ser Supremo, ao criador do céu e da terra, a um só Deus em três pessoas; o tempo todo é sua festa perene. Não deixou a Igreja dia do ano nem hora do dia, sem homenagem ao Deus uno e trino.

Com a doxologia, nos hinos e salmos proclama incessantemente Glória ao Pai, e ao Filho, e ao Espírito Santo.

Suas cerimônias, suas preces, abrem sempre e se encerram com a SS. Trindade. In nomine Patris, etc. Com esta piedosa invocação começa o divino sacrifício, e com ela abençoa o padre o povo e o despede; não há outra de fórmula de benção na Igreja.

Só com referência a Jesus Cristo honramos aos santos, como membros seus; no mesmo Cristo consubstancial com o Pai e com o Espírito Santo, Vos autem Christi, Christus autem Dei.

São inseparáveis as divinas Pessoas em nossas devoções e quaisquer atos de culto. É quanto basta para acabarmos de entender que todas as festas da religião cristã são, direta ou indiretamente, festas da SS. Trindade. Por isso demorou a Igreja a instituição de um dia determinado para a presente solenidade, receosa de parecer limitar ou desconhecer a festa universal, perene, incessante, que a todas as demais encerra.

Por esta mesma consideração João XXII, estabelecendo a festa, para despertar e prender a atenção e a fé dos cristãos com solene e pública profissão de fé neste capital mistério, atribui-lhe só um rito secundário para não prejudicar a festa geral e contínua. Marcou o citado papa o domingo depois de Pentecostes, para celebração desse mistério; e bem inspirado andou, pondera Thomassino (Liv. II, c. XVIII), lembrando-nos que é a S.S. Trindade o fim e a consumação de todas as festas e mistérios de Cristo Nosso Senhor.

Tal é a sublimidade do mistério da SS. Trindade, e tanta a sua elevação acima dos nossos pensamentos, que o capítulo geral de Cister [Ordem Cisterciense], quando ordenou que celebrassem a festa todas as casas da ordem (1230), proibiu que nela se pregasse, pela demasiada dificuldade da matéria.

Embora incompreensível o mistério, não é, todavia, dubitável ou estranho à regra dos costumes. Não podem nossos olhos fitar o sol, que nos deslumbra com sua luz, mas por isso mesmo, está evidente que existe; assim a impenetrável Trindade em toda parte nos oferece provas de sua existência.

Sem nos demorarmos na frequente menção deste mistério nas sagradas Letras, e nas muitas figuras com que Deus a pronunciou aos antigos (Gen. I, 26; III, 22; XI, 7; XIX, 24; Sal. 2, II; Heb. XV), cercam-nos imagens deste mistério; dentro de nós as encontramos.

No sol, por exemplo, tempos a luz, os raios, o calor, três coisas distintas, da mesma substância porém e coexistente com o sol.

Criado com semelhança a Deus, traz também o homem em si a imagem da SS. Trindade; são três faculdades distintas a memória, o entendimento, a vontade; todas três, porém, pertencem à mesma substância e lhe são contemporâneas (Vide o magnífico tratado de S. Agostinho De Trinitate). Nem está sem relação este mistério com a regra de nossa vida; é evidente por estas palavras do Levítico (c. XI). Sede santos, porque eu sou santo, e pelas do Pai Celestial; a todos fazei como ele, que faz nascer o sol sobre os bons e os maus, e vir a chuva sobre os justos e os injustos (Mt. 10).

Modelo da santidade ou dos nossos deveres para com Deus, a SS. Trindade também nos é modelo de caridade, isto é, dos nossos deveres para com o próximo. Devemos amar-nos uns aos outros, como se amam as três Pessoas divinas. Foi este o último voto do Divino Mestre, depois de instituída a Eucaristia. Padre Santo, guarda aqueles que me deste, para que eles sejam um assim também como nós… Para que eles sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um como nós; e creia o mundo que tu me enviaste (João 17, II e 23).

Tal foi a virtude irresistível do mistério da SS. Trindade! Em meio da sociedade pagã, toda saturada de ódio e de egoísmo, ergueram-se os primeiros cristãos com os olhos nas três Augustas Pessoas a formarem um só corpo e alma e exclamaram espantados os pagãos: “Olhem os cristãos, como se amam, prontos a morrer uns pelos outros!” Com a mesma fé, com o mesmo batismo, não se degenerou em nossas veias o sangue dos cristãos nossos pais, unamo-nos pelos doces vínculos da caridade cristã.

A SS. Trindade também nos ensina o que devemos a nós mesmos. Devemos antes de tudo restabelecer em nós a ordem alterada pelo pecado, restituindo ao espírito o poder sobre a carne, sujeitando o espírito a Deus, e é o mesmo que vivificar em nós a harmonia e santidade das três divinas Pessoas. Sou imagem do Deus três vezes santo; que dignidade a minha! Que respeito devo a mim mesmo! Que receio de estragar em mim ou em outros a augusta imagem! Ah! esta simples palavra: sou imagem de Deus, mais virtudes inspirou, mais baixeza impediu, que todas as belas máximas dos filósofos.

– Recomenda-se a leitura do “Símbolo de Santo Atanásio”, já postado aqui.

(Fonte: livro Manual do Christão, Goffiné, tradução da Décima Quarta Edição Francesa por um Padre da Congregação da Missão, 10ª edição brasileira, Colégio da Imaculada Conceição, Botafogo-RJ, 1925, pp. 575-580 – Texto revisto e atualizado)

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