Sabedoria dos Santos

HOMILIA DE S. BEDA, O VENERÁVEL (Luc. 11, 21-26)

HOMILIA DE S. BEDA, O VENERÁVEL (Luc. 11, 21-26)

São Beda (obra de Bartolomé Roman – Museu do Prado).

Quando o forte guarda a própria casa, acha-se seguro o que possui[1]. Chama de forte o diabo, e de casa dele o mundo que foi posto na maldade e que até a vinda do Salvador possuía com domínio absoluto e funesto, porque repousava, sem oposição alguma, nos corações dos infiéis.

Mas se outro mais forte do que ele sobrevier e o vencer, lhe tirará as armas em que confiava e distribuirá seus despojos[2].

De si, certamente, fala Nosso Senhor, pois não livrou o homem, enganando-o em cooperação com o demônio, (como dizem caluniosamente seus inimigos), senão vencendo-o com poder mais forte. As armas em que o forte erradamente confiava são a astúcia e o dolo do espírito do mal. E os despojos dele são os próprios homens por ele enganados. As coisas que Cristo distribui são insígnias do triunfador, porque, levando o cativeiro cativo, prendeu os homens com dons, fazendo de alguns, apóstolos; de outros, evangelistas; destes, profetas; daqueles, pastores e doutores.[3]

Quando o espírito imundo sai do homem, anda por lugares áridos.[4] Embora possa facilmente entender que o Senhor acrescentou isto para a distinção entre as suas obras e as de Satanás, isto é, que ele próprio sempre purifica o que está impuro, ao passo que Satanás se apressa em manchar gravemente o que se achava puro, pode-se, contudo, sem inconveniente, entender isso de qualquer herege ou cismático ou até do mau católico. E, com efeito, quando batizado, o homem e, por ocasião da confissão de fé e pela renúncia do trato mundano, o espírito imundo que dantes nele habitara, se vê rejeitado, vagueia por lugares desertos, isto é, pelos corações de fiéis que haviam sido purificados da moleza de pensamento inconstante. O esperto embusteiro espiona então essas almas para ver se, porventura, poderá introduzir sua maldade.

Diz-se, no entanto, bem: Procurando repouso e não o encontrando,[5] porque, fugindo das almas puras, só pode encontrar grato repouso para si no coração dos maus, declara: E, ao voltar, a encontra limpa da sujeira, [6] isto é, purificada pela graça do batismo, da mancha do pecado, mas não ocupada das boas obras. Por isso, acertadamente, diz Mateus que esta casa foi encontrada sem lixo, e está limpa e adornada. [7] Diz encontrada limpa dos vícios primitivos, pelo batismo; vazia de boas ações, por negligência; adornada de virtudes fingidas, por hipocrisia.

E vai, então, e toma consigo sete outros espíritos piores do que ele; e nele entrando, aí residem. [8] Por sete maus espíritos, designa o Evangelista todos os vícios.

Seja quem for que, depois, do batismo, é arrebatado ou pela heresia o pela ambição humana, breve cairá nos baixos vícios. Donde dizer-se, com acerto, que espírito piores nele entraram, porque não só terá esses sete vícios opostos às sete virtudes espirituais mas, por hipocrisia, fingirá ter todas essas virtudes.

E o último estado desse homem será pior que o primeiro.[9] Melhor lhe fora, com certeza, não ter conhecido o caminho da verdade do que, conhecendo-o, retrogradar. Isso, é que, particularmente, acontecei ao traidor Judas, a Simão mago e a outros da mesma laia.

[1] Luc. 11, 21.

[2] Luc. 11, 22.

[3] Ef. 4, 8 e 11.

[4] Luc. 11, 24.

[5] Luc. 11, 24.

[6] Luc. 11, 24-25.

[7] Mt. 12, 44.

[8] Luc. 11, 26.

[9] Luc. 11, 26.

(Fonte: livro Ofício Marial Lecionário, Editora FTD S/A, 1965, III Domingo da Quaresma [Rito Tradicional], pp. 251-253 – Texto revisto e atualizado)

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