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O JORNALISMO DESEJADO PELO PAPA PIO IX

O JORNALISMO DESEJADO PELO PAPA PIO IX

Beato Papa Pio IX (13.V.1792-07.II.1878)

O prezado leitor (da revista Catolicismo) procura na imprensa a verdade e a reta interpretação dos fatos? Procura a ilustração mais adequada deles? Não é o que nela encontramos muitas vezes, nem mesmo em páginas católicas!

O que se encontra então? O macrocapitalismo publicitário, com abundantes recursos, combatendo o catolicismo de modo velado ou direto, menosprezando a verdade e atacando a ordem sacral, hierárquica e anti-igualitária da civilização cristã.

Procure-se nas redes sociais uma certeza exposta de modo bem ordenado e bem orientado. Entre algumas verdades e muitíssimas banalidades, encontraremos torrentes de fake news manipuladas por um punhado de cresos da mídia; ou então as Big Techs, que passaram a julgar quem fala e o que pode falar.

Em matéria de jornalismo e informação há um mare magnum de erro e confusão, que devora tudo o que significa verdade, beleza e bem. Em posição diametralmente oposta a esse mare magnum midiático, o leitor encontra na revista Catolicismo uma voz isolada, mas erguendo bem alto o estandarte da verdade sem jaça. São 70 anos de publicação devotada à causa católica na batalha das ideias, sempre de acordo com a sábia orientação de seu inspirador, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.

Publicação inteiramente contra-revolucionária

Essa dramática situação não é nova, mas se tornou hoje muito mais asfixiante. Percebeu-a o bem-aventurado Papa Pio IX durante seu exílio, devido ao assalto armado contra o Papado, e definiu a necessidade de um órgão de publicação católica militante. Em 1850, na periferia de Nápoles, planejou uma revista de alto quilate intelectual para refutar os erros doutrinários e morais que procuravam corromper a nata da civilização. Assim nasceu a revista “La Civiltà Cattolica”. Hoje, infelizmente, ela se encontra bem distante do ideal originário.

Os princípios de pensamento e ação que o Pontífice ditou e controlou pessoalmente em cada artigo explicam o fundo da impostação que o Prof. Plinio imprimiu à revista Catolicismo. Na introdução de seu primeiro número,[1] “La Civiltà Cattolica” ergueu o gládio da palavra contra o jornalismo revolucionário. E no primeiro número de Catolicismo, quase um século depois, o mesmo fez o Prof. Plinio, apontando a finalidade de Catolicismo como “A Cruzada do Século XX”.

Na introdução programática do seu primeiro número, “La Civiltà Cattolica” avançou de lança em riste contra o mau jornalismo: “Por mais delicado e imparcial que se queira ser com o jornalismo, jamais se poderá dissimular o lado impuro e turvo de suas origens […]. O jornalismo é um instrumento de perpétua agitação dos povos, uma potência social tanto mais formidável quanto é independente de todo indivíduo em toda a Europa. Esse poder não provém de outro país que não seja a França, nem de outro tempo que não seja 1789 [Revolução Francesa], e é estritamente uma criação revolucionária”.

A tirania da má imprensa

A linha da revista lançada pelo Bem-aventurado Pio IX denunciava que o jornalismo revolucionário não difunde tanto ideias boas quanto ideias más: “Basta olhar as pessoas que de fato o organizam, e os meios de que dispõem, e nenhum homem equilibrado deixará de concluir que está montado para espalhar o erro antes que difundir a verdade”.

O Papa prosseguia mostrando que esse mau jornalismo não pode ocupar o posto de honra que a civilização moderna lhe concede: “Ele será julgado como aquilo que em verdade é: uma praga da sociedade hodierna, tão perniciosa quanto essa sociedade que não o considera uma praga, mas pior, se apraz e se adorna com ele como se fosse uma beleza ou uma joia”.

Carlos de Laet, então presidente da Academia Brasileira de Letras, verberou essa má imprensa em 8 de maio de 1902: “Tirania da imprensa! Sim, tirania da imprensa… o povo ainda não compreendeu que uma das maiores tiranias que o oprime é a da imprensa; antes a reputa uma salvaguarda dos seus interesses e a vingadora de seus direitos […]. Contai o número imenso de homens que não podem figurar na imprensa, […] contai, por outra parte, o minguado número de jornalistas, e dizei-me se não se trata de uma verdadeira oligarquia, do temeroso predomínio de um grupinho de homens sobre a quase totalidade de seus concidadãos. E que poder exerce esse grupo minúsculo? Enorme. A imprensa pode, efetivamente, influir no governo de um país, constituindo aquilo que já se chamou o quarto poder do Estado”.[2]

Como podem esse macrocapitalismo midiático e/ou as Big Techs submeter as sociedades? A explicação nos é dada pela revista suscitada por Pio IX, que nos seus primórdios tantas esperanças lhe causaram: “Esse fato incontestável tem uma explicação natural e simplicíssima: o pouco vigor intelectual que se encontra entre os homens. Esses, na sua imensa maioria, não pensam por si mesmos, mas pensam e julgam com o cérebro de outro, falam com a língua de outrem, e renunciando à sua própria independência ou autonomia, dependem cegamente e se deixam levar pelo nariz por articulista cujo pensamento se compra no mercado.

“Os gozadores do mundo, por cujos muito graves compromissos com o teatro, as festas e os passeios não discorrem com sua cabeça, deixam que o jornalista aja em seu lugar e aceitam dele as premissas, dizendo: ‘O que vos parece? Eu li hoje em meu jornal!’ Acontece portanto que, nos países onde o jornalismo está na moda, ele se converte na suprema potência social, recebida como dogmática pela opinião pública, sendo a verdadeira dona e rainha do mundo”.

A corajosa revista constatava que, em face da enxurrada de males intelectuais, religiosos, culturais e sociais despejados pela mídia revolucionária, não basta um jornalismo cristão moderado ou mero difusor de doutrinas tradicionais, como alguns praticam não sem mérito.

Aqueles que perceberam esse despotismo através do prisma ideológico e religioso da “La Civiltà Cattolica” originária, e atualmente de Catolicismo, podem ser tentados a renunciar a toda esperança racional e apelar às armas ou às ditaduras, para afastar ideias ou partidos injustos — em geral com deplorável resultado. Foi assim no século XIX, como dizia a introdução que comentamos: “Enquanto enfurece a chama impura e devastadora do socialismo, a França está condenada a tolerar os jornais socialistas que sopram o incêndio com uma pertinácia infernal, não achando outro remédio senão meio milhão de baionetas para enfrentar a incertíssima empresa de impedir que a chama vire feroz incêndio”.

Importância da luta no campo das ideias

Em meados do século XIX, o porvir anunciava-se agitado e nebuloso. Os articulistas escolados por Pio IX percebiam a urgência de restaurar os ideais católicos, estranhamente amolecidos e viciados em suas raízes. Como Plinio Corrêa de Oliveira no século XX, eles viam que não se conserta a sociedade com armas ou reformas econômicas: “Trata-se de iluminar as mentes, de endireitar as ideias, de esclarecer os fatos, de proclamar as verdades que esses tempos turbulentos e tempestuosos tornam inacessíveis e ninguém escuta. É a isto que devemos tender”.

Dr. Plinio Corrêa de Oliveira

E prosseguia louvando as publicações católicas que defendem esse ideal, porém destacando que a publicação querida por Pio IX o fazia em termos mais categóricos. Por isso havia escolhido como título, bandeira de guerra e estandarte de honra “A Civilização Católica”, e fazia dela uma solene profissão de fé.

No mesmo sentido, no artigo inaugural de Catolicismo Dr. Plinio convocava para a mesma luta: “Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém”.[3]

Mantendo alto essa impostação, Catolicismo comemorou seus 70 anos como a publicação que certamente desagradou os “politicamente corretos”, que não têm a “coragem de enfrentar ventos e marés, contra a avalanche de opiniões vulgarmente divulgadas pela maioria da mídia contemporânea“. Ufana de ser a “revista das verdades e virtudes esquecidas“, não é nem pretende ser “um eco repetidor de falsas ideologias, vulgaridades, contestações infundadas“, nem mesmo arredondando-as com palavras “dialogantes”, para não desagradar à macromídia, aos cresos das redes sociais, ou até mesmo aos católicos mornos!

Cruzada pela civilização autenticamente católica

Foi bem esse o discernimento de Dr. Plinio escolhendo o nome Catolicismo — correspondendo à profissão pública e destemida da ordem católica. E para não deixar dúvidas, resumiu depois esse objetivo no ensaio Revolução e Contra-Revolução: “Restaurar e promover a cultura e a civilização católica“, definida por ele como “a estruturação de todas as relações humanas e instituições humanas, e do próprio Estado, segundo a doutrina da Igreja“.[4] Ou seja, “a civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal“.

Nossa Senhora apresentou em Fátima a luta contra um “inimigo terrível“, ao qual Dr. Plinio associou o nome Revolução: “Uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou toda uma cadeia de sistemas ideológicos, de cuja larga aceitação no mundo inteiro decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo“.

Os jesuítas reunidos pelo Papa Pio IX proclamavam que não há outra civilização senão a autenticamente católica e romana. É dessa civilização que o Brasil e as Américas são herdeiros ufanos. Por suprema desventura, nos últimos cinco séculos a Civilização Cristã foi sabotada, minada e posta no limite da extinção pelo gênio satânico da Revolução.

Mas os destemidos polemistas do Beato Papa Pio IX, e a escola que Dr. Plinio formou e lançou à lide, compartem a certeza de que, quaisquer que sejam as dimensões do adversário, seus dias estão contados e a Civilização Cristã resplandecerá no Reino de Maria Virgem, por Ela anunciado como dotado de um fulgor historicamente incomparável.

Cortar o passo às aberrações luteranas, voltairianas, socialistas, sorbonianas e católico-progressistas que precipitam o mundo civil e eclesiástico no caos, é o alvo da Cruzada convocada por Pio IX, afervorada por São Pio X e retomada com ímpeto e visão profética por Plinio Corrêa de Oliveira. Ela nos conduzirá à realização das promessas de Fátima.

Jamais pactuar com os partidários do relativismo

Os fundadores de “La Civiltà Cattolica” falavam de uma realidade apocalíptica: “a corrupção da Fé católica“. Corrupção pelos maus exemplos e maus ensinamentos, que descem da cúpula de maus eclesiásticos e das cúpulas temporais onde se articula a conspiração e a revolta. Mas advertiam que os católicos, quando temem diante desse Leviatã, revelam desconhecer os homens e a História. Pois acima dos choques, catástrofes e conflagrações paira o cetro onipotente com que Deus rege a arquitetonia da História.

Por isso a Introdução da revista abençoada por Pio IX impetrava que jamais suas páginas acolhessem aquela falta de decoro, considerada por alguns como um “maravilhoso achado: o da tolerância moderna, que leva os católicos moles a não polemizar, a não fazer nada […]. Os partidários da moderação ilimitada nos estão levando direto ao precipício“.

Esse princípio do Sumo Pontífice, Plinio Corrêa de Oliveira sempre insistiu em ensiná-lo aos redatores de Catolicismo. Por exemplo, escreveu: “O amortecimento do princípio de contradição gera o gosto, a mania das soluções intermediárias, eu quase diria a servidão às soluções intermediárias […]. Estamos no século da quinta coluna, e esta é uma das formas mais hábeis de solapar os meios católicos“.

Catolicismo pode reafirmar, sem receio de ser contestado, que é “um órgão de combate contra-revolucionário, sem relativismos entreguistas, inteiramente independente, sem vinculação com interesses escusos. Nosso único compromisso ‘é com o Magistério tradicional da única Religião verdadeira — a Santa Igreja Católica Apostólica Romana’“. Fiel também ao que Nosso Senhor ordenou: “Seja vossa linguagem sim, sim; não, não” (Mt 5, 37). Assim agindo, temos a certeza de que, do alto do Céu, o bem-aventurado Papa Pio IX nos vê como continuadores de sua ínclita iniciativa de combate por meio da boa imprensa.

 

Notas:

[1]. “Il giornalismo moderno ed il nostro programma“, La Civiltà Cattolica, anno I, volume I della serie prima, nona edizione, 1862.
[2]. “O frade estrangeiro e outros escritos“, Edição da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1953, pp. 80-81.
[3]. Catolicismo nº 1. Vide: http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0001/P01.html
[4]. Catolicismo nº 100, abril/1959. Vide:  http://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0100/P01.html

 

________Luis Dufaur

 

 

(Fonte: revista Catolicismo, nº 844, Abril de 2021, Ano LXXI, pp. 43-47)

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