Semana Santa

OS FUNERAIS DO SALVADOR

OS FUNERAIS DO SALVADOR

É o derradeiro quadro das tristes cenas, que a Semana Santa nos apresenta. É o quadro final, pungente, pela dor de Maria Santíssima, enternecedor pela última despedida da Mãe ao Filho adorado. Sentada ao pé da Cruz Maria conserva sobre os joelhos a cabeça coberta de seu querido Jesus. Os seus olhos não podiam desviar-se deste tesouro, e entretanto, era chegada a hora de fazer este último sacrifício. As trevas da noite iam caindo, rápidas e silenciosas, envolvendo o Calvário e as raras pessoas ali presentes. Era, pois, tempo de encaminhar-se para a sepultura, que generosamente havia cedido José de Arimatéia, para ser nela depositado o corpo adorável da grande Vítima.

Contemplemos este último quadro, destacando nele:

1 – A marcha fúnebre destes funerais.

2 – A primeira Via-sacra depois.

1 – A MARCHA FÚNEBRE

Maria convidou os discípulos, que a cercavam, para formar o cortejo em direção ao túmulo.

Com um heroísmo calmo e sublime, mas sem deixar de sofrer um horrível martírio, a Virgem desolada cedeu o seu tesouro.

Este tesouro lhe pertencia; quem, senão ela, podia tocar neste corpo sagrado?

José e Nicodemos recebem , com veneração e amor, o corpo adorável que lhes é confiado, e seguidos de Maria, de João, de Madalena, das santas mulheres, do Centurião convertido, e, talvez, ainda de alguns Apóstolos, que tinham perdido o primeiro medo, dirigem-se para o sepulcro.

Avançam lentamente e tão silenciosos, como a noite que ia cobrindo a colina do deicídio. Nunca sombra mais profunda de aflição havia envolvido os homens, que as trevas que reinavam no caminho do Calvário e do sepulcro!

O sofrimento de Maria havia atingido o apogeu. Este corpo gélido era para ela mais do que a vida, e ela ia afastá-lo de si, escondê-lo no rochedo e entregá-lo à guarda dos sol dados romanos.

Já ia conservar, apenas, o que lhe era inseparável: o seu Coração esmagado, submerso nas grandes águas da traição. Ei-los chegados ao sepulcro José e Nicodemos entram, primeiro, carregando o tesouro divino. Maria Santíssima quer sustentar a cabeça de seu querido Filho e repousá-la sobre o sustento da pedra fria do túmulo. É o momento do último olhar, do último beijo de despedida. Levantando respeitosamente o véu que encobre esta face divina, que os anjos adoram em êxtase, Maria contempla, uma derradeira vez, este semblante pálido, de aspecto misterioso, ao fraco clarão do archote, que ilumina o sepulcro. Ela fixa estes lábios roxeados, que haviam feito surgir Lázaro do túmulo. Ela vê fechados os olhos que fizeram o encanto de Belém, a alegria de Nazaré e o estupor do Calvário, e inclinando-se, deposita prolongado beijo sobre esta fronte adorável, enquanto lágrimas ardentes e silenciosas parecem querer penetrar este beijo até ao Coração de seu querido Jesus. Todos se prostram por terra e adoram os restos mortais daquele que é a imortalidade Maria Santíssima estende, de novo, a mortalha sobre o corpo do Filho: um último olhar, um último gesto de adeus. José fecha com uma grande pedra, a entrada do sepulcro.

Maria, João e Madalena voltam, lentamente, para o Calvário. Ali encontram a Cruz arrancada e deitada por terra. A Virgem Santa para, absorta em sua tristeza, e inclinando-se, beija efusivamente o madeiro da Redenção.

Quando se levantou, seus lábios estavam tintos do sangue de Jesus. Era o último encontro da dor: o encontro das lágrimas da Mãe e do sangue do Filho.

2 – A PRIMEIRA VIA SACRA

Tudo estava consumado para Jesus. Maria deve continuar a beber o cálice da amargura. Voltando do Calvário, a Virgem dolorosa vê a cidade santa estendida a seus pés.

Cinco dias apenas eram passados, depois que aquele, que acabavam de sepultar, havia, no meio da sua entrada gloriosa, chorado sobre a sorte da cidade escolhida por Deus, mas infiel a sua missão. Qual foi a resposta de Jerusalém a estas lágrimas de ternura? Infeliz Jerusalém, que não soube reconhecer o dia da visita de seu Salvador! Agora estava condenada! Maria Santíssima o sabia, porém, em seu Coração dilacerado havia lugar para a cidade deicida, tão bem como para o seu Filho morto. Maria entrou na cidade pela mesma porta donde havia saído pela manhã. Apenas umas horas separavam estes dois extremos, mas para a Mãe de Jesus, estas horas constituíram um século. Ela volta, agora, qual verdadeiro destroço sobrenatural, da grande tempestade que havia tragado em suas ondas o seu próprio Deus, seu Filho adorado; ela volta com os olhos inflamados pelas vigílias, os pés feridos, o peito ofegante de dor e de fadiga, o corpo atormentado pela fome e pela sede, o espírito consumido pelas lembranças das cenas passadas e as reflexões sobre o futuro. Maria entra na cidade onde a esperam novas dores, tão dilacerantes, como as que acaba de padecer. A Virgem das Dores, recomeça, então, em sentido inverso, o percurso da manhã e faz a primeira Via Sacra, que no decurso dos tempos, tantas almas piedosas hão de fazer após ela.

Atravessa a passos lentos os lugares testemunhos das cenas indescritíveis deste dia. Ouvia, como carregados pelo vento da noite, os fracos, mas dolorosos suspiros de Jesus. O seu semblante tão belo apesar de desfigurado pelo sangue e a poeira, lhe parece sorrir através das trevas. É aqui que ele caiu a terceira vez, geme o seu Coração de Mãe; os pés de Maria tremiam e pareciam arder ao pisarem este lugar. Ela sabia que pisava um solo tinto pelo sangue de seu Filho, embora a escuridão lhe escondesse as manchas vermelhas da terra. Aí Jesus havia pronunciado as doces palavras às filhas de Jerusalém, doces para aquelas que choravam os seus tormentos, mas tremendas para a cidade infiel. Acolá ele havia impresso o seu semblante no véu de Verônica. Mais além era a esquina da rua, onde ela havia encontrado o seu Jesus. Sentia ainda este olhar ensanguentado fixado sobre ela, tal uma faísca de amor, que consumia sua alma. Lá, no fundo da praça, estava a sala dos soldados, onde havia sido coroado de espinhos via a coluna da flagelação e ao pé desta coluna ela viu destacado um corno lago de sangue, cujos sombrios reflexos, pareciam clamar vingança.

Mais no fundo, ela distinguiu os degraus do tribunal de Pilatos, desta sala de juízo donde Jesus havia sido mostrado ao povo em furor, com uma compaixão derisória. Apesar do silêncio da noite, o ar parecia vibrar ainda da voz da populaça, gritando: – Barrabás!

Oh! como o seu Coração sangrou ao percorrer esta Via Sacra da Paixão de seu Jesus! É neste estado de desolação que as ruas de Jerusalém viram passar a Mãe de Deus, nesta noite de crime, dirigindo-se para a casa de João. É a casa que havia recebido em troca da casa de Nazaré! João é agora o seu Filho em substituição de Jesus. A porta fechou-se após a entrada da Mãe desolada: esta se recolheu naquele quarto, verdadeiro santuário, donde havia assistido a todos os pormenores da Paixão de Jesus.

É deste quarto que ela havia saído, com João e Madalena, para poder seguir Jesus perante os tribunais e através das ruas de Jerusalém. Neste quarto ela havia passado uma vigília, como nenhuma outra mãe seria capaz de passar, sem perder, ou a razão ou a vida. E agora ela voltou a ele, como a mais abandonada, a mais desolada das criaturas! Jesus não estava mais com ela!

3 – CONCLUSÃO

Este quadro da sepultura do Salvador é o mais horrível, o mais atroz para o Coração de Maria.

Nós nos sentimos, talvez, mais impressionados pelos tormentos físicos, porém, quem ignora que há angústias morais, mil vezes mais pungentes e mais dilacerantes do que as dores físicas mais atrozes?

A vida inteira de Maria Santíssima foi um Via Sacra contínua, pois ela conhecia as profecias e sabia tudo que havia de sofrer este doce Jesus, que ela apertava ao peito.

Durante a Paixão do Salvador, um gládio de dois gumes trespassava o Coração de Maria, o trespassava de novo, virava e revirava na chaga aberta de seu amor maternal, porém, no meio de todas as dores, ela via o seu Jesus, embora maltratado pelos algozes, e esta vista era, para a Virgem Santa, um bálsamo reconfortador. Sofrer com Jesus é um paraíso, mas sofrer sem Jesus é um inferno. E agora Maria sofria longe de seu Jesus.

Ela o trazia em seu Coração doloroso, porém seus olhos, acostumados a vê-lo de perto, sentiam esta privação, como nós sentimos a ausência de um ser querido. Este isolamento, esta solidão era para Maria um dos maiores tormentos. Ela, porém, sofria com calma e resignação. Ela devia ser a Rainha dos Mártires, e como tal, o modelo perfeito dos que sofrem. No meio da sua dor, por entre as trevas do túmulo, a sua alma via raiar ao longe a aurora da ressurreição. Em nossos sofrimentos, sejam físicos, sejam morais, levantemos o olhar para Maria, e com ela procuremos santificá-los. E quando a morte nos arrancar dos braços aqueles que amamos, olhemos ainda para Maria, e com ela, esperemos a ressurreição, que em breve nos unirá de novo. Vamos terminar a Semana Santa; Oh! se houvesse entre vós alguém que não se tivesse reconciliado com Deus, quanto antes o faça, para que, participando agora dos sofrimentos do Salvador, possa, também, participar da sua gloriosa ressurreição. Choremos os nossos pecados, como Maria chorava o seu Jesus; para que no dia da ressurreição Jesus nos apareça glorioso, na felicidade de seu triunfo, como apareceu a sua Mãe, para uni-la à sua vitória, como havia sido unida à sua Paixão.

(Fonte: in, O Evangelho das Festas Litúrgicas e Dos Santos Mais Populares, Pe. Júlio Maria Lombaerd, Editora O Lutador, 2ª edição/1952 34ª Instrução, pp. 186-190 – Texto revisto e atualizado)

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