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REFLEXOS DE FÁTIMA

... Continuação do post de ontem.

REFLEXOS DE FÁTIMA

SEGUNDA PARTE: “Deus quer estabelecer no mundo a devoção a meu Imaculado Coração…”

Depois dos prodígios tão admiráveis do dia 13 de outubro, quando toda a gente vira o sol bailar, suporíamos que Fátima ganharia o mundo, que o clero haveria de aderir em peso e aprovaria apressado o culto de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Mas, não foi assim: o selo oficial de aprovação do clero a Fátima teria de esperar ainda treze anos.

No ínterim, o governo maçônico fez de tudo para impedir aquilo que chamavam de “reação jesuíta” e denegrir o “fanatismo obscurantista”, que supunham tramado pelos curas para derrubar a República. O clero, por sua vez, não saía de sua prudente indiferença: o pároco de Fátima mesmo não cedia aos que pediam sua aprovação para a construção de uma capelinha no local das aparições, declarando não “querer se meter com estas coisas”; e quando a capelinha foi finalmente construída, por iniciativa exclusiva dos fiéis, nenhum padre quis benzê-la. Em Lisboa, num Congresso Católico, um conferencista referiu-se à Jacinta, que acabara de falecer, como uma vidente, o que suscitou uma gargalhada geral, a que se associou Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom Antônio Mendes Belo. Mesmo a família de Lúcia, que num primeiro momento constatara aliviada o milagre do sol, retornava pouco a pouco à sua descrença e hostilidade inicial. “Ocorreu-me pensar que tudo estava terminado. Senti uma amargura profunda de ver que a Santíssima Virgem não seria jamais venerada lá, como havia pedido. Pensava freqüentemente nisso. Esta idéia não me saía do espírito e me afligia”, escreveria Lúcia.

Aparentemente, era preciso mais do que um baile solar para Fátima conquistar a Igreja.

Morte do Francisco

Nos fins de 1918, um surto de gripe pneumônica chegava a Portugal. Na Serra do Aire, os sinos da igreja repicavam diariamente dando notícia de mais algum vizinho que partia – eram tantos os óbitos que, em algumas aldeias portuguesas, o dobre de finados foi proibido para evitar o pânico.

Francisco adoeceu primeiro, e o seu estado era grave.

– Se Nossa Senhora te curar – dizia-lhe a madrinha – prometo oferecer-Lhe o teu peso em trigo.

– Não vale a pena. Nossa Senhora não lhe fará essa graça – respondeu o Francisco, com um sorriso angélico. E a todos que lhe asseveravam que haveria de melhorar, respondia com ar misterioso: não.

A doença progredia e o pequeno ardia em febre. O desfecho parecia iminente.

– Ô, pai, queria receber o Pai do Céu, antes de morrer.

– Já vou tratar disso – respondeu o bom homem, e partiu a toda pressa a chamar o padre.

O sacerdote ouviu-lhe a confissão. Quis saber se era verdade que tinha visto Nossa Senhora, e o pequeno respondeu que sim. No dia seguinte, Francisco fez sua primeira e última comunhão.

– Olhe, mãe, que luz tão linda ali, junto da porta! – Foram estas as suas últimas palavras. Francisco sorriu, dum sorriso angélico. “O Céu aproximava-se”, e o menino voou “nos braços da Mãe celeste”17.

Morte da Jacinta

A morte da Jacinta, cercada de tantos pormenores tocantes, aponta para a mão da Virgem Maria a guiar os últimos dias do seu anjinho na terra. Ela contou à Lúcia que a Bela Senhora lhe tornara a aparecer para comunicar novas cruzes, disse que iria para dois hospitais e depois morreria sozinha:

– Ô, minha Mãezinha do Céu, então eu hei de morrer sozinha? – lamentava-se Jacinta.

– Que te importa morrer sozinha, se Nossa Senhora te vem buscar? – animava-a Lúcia.

– É verdade, não me importa nada. Mas não sei como é: às vezes não me lembro que Ela me vai a buscar, só me lembro que morro sem tu estares ao pé de mim.

– Coragem, então, Jacinta. A ti já te falta pouco para ires para o Céu, mas a mim!

– Coitadinha! Não chores… Lá hei-de pedir muito e muito por ti… Tu ficas… mas é Nossa Senhora que quer assim.

Abriu-se um abcesso no lado esquerdo, o pus escorria, o peito alagava-se e ela não conseguia dormir. Os tratamentos que Jacinta recebera ao longo de dois meses no hospital de Vila Nova de Ourém revelaram-se inúteis, e a morte era iminente. Os pais não cogitavam enviar a menina para a capital, não só porque lá os custos do tratamento seriam elevados demais, mas por acreditarem que era tudo inútil. Mas não foi isso o que a Providência estabelecera.

Por aquele tempo, apareceu em Aljustrel um senhor acompanhado da esposa; tratava-se de um médico de Lisboa. O casal vinha de adquirir um carro, e decidira que a primeira viagem com o veículo seria para a Cova da Iria. De passagem por Santarém, cumprimentaram o Rev. Dr. Formigão, que se dispôs a acompanhá-los, e foi assim que chegaram à casa da família Marto. Ao ver o triste estado em que a Jacinta se encontrava, o médico não sossegou até convencer a família a levá-la para a capital, onde seria tratada pelos melhores pediatras portugueses.

O pai foi comunicar sua decisão à filha, que respondeu:

— Ó, meu pai ! (…) Se eu for para Lisboa, o pai pode dizer-me adeus.

Ela não tardou a partir. Suas últimas palavras de despedida para Lúcia são comoventes:

— Nunca mais nos tornaremos a ver!… Reza muito por mim até que eu vá para o Céu; depois lá eu peço muito por ti. Não digas nunca o segredo a ninguém, ainda que te matem. Ama muito a Jesus e ao Imaculado Coração de Maria e faz muitos sacrifícios pelos pecadores.

Chegando a Lisboa, a pequena hospedou-se provisoriamente no Orfanato Nossa Senhora dos Milagres, situado na Rua da Estrela, enquanto aguardava o internamento no Hospital D. Estefânia. Sua mãe não pôde ficar com ela, pois seus outros filhos seguiam doentes, e Jacinta ficou sozinha.

Contudo, longe de ser um lugar lúgubre e triste, o Orfanato lhe dava grandes alegrias, pois a Santa Missa era celebrada diariamente numa capela contígua, o que permitia à serranita, levada ao colo pela Madre Superiora, comungar diariamente. Passava todo o tempo que lhe permitiam rezando e meditando na capelinha — rezava sentada, pois já não conseguia ajoelhar-se.

No orfanato moravam vinte e cinco crianças, mantidas à custa de esmolas. Jacinta dava-se bem com todas, mas preferia uma em especial, que regulava em idade com ela. Costumava-lhe fazer breves pregações. A madre superiora, sempre atenta a tudo o que se passava, ouvia às ocultas a conversa da pastorinha:

— Não deves mentir, nem faltar nunca à verdade — dizia-lhe. — Não deves ser preguiçosa; deves ser muito obediente e suportar tudo por amor de Nosso Senhor com paciência, se queres ir para o Céu.

Madre Maria da Purificação Godinho era o nome da superiora — uma religiosa franciscana que se vestia com trajes seculares, pois as leis da República proibiam o hábito religioso. Todas as crianças, porém, costumavam chamá-la de madrinha, costume que Jacinta logo adotou. A sua nova madrinha narra admirada a sabedoria precoce da criança, como prova de que algo verdadeiramente sobrenatural tocava a pequenita. Eis algumas sentenças que a superiora compilou da boca da menina, e que denotam uma espiritualidade profunda:

Se os homens soubessem o que é a eternidade, faziam tudo para mudar de vida.

Os homens perdem-se, porque não pensam na morte de Nosso Senhor e não fazem penitência.

A confissão é um Sacramento de misericórdia. Por isso é preciso aproximarem-se do confessionário com confiança e alegria. Sem confissão não há salvação.

Os médicos não têm luz para curar os doentes, porque não têm amor a Deus.

Quem foi que te ensinou estas coisas? Perguntou-lhe a Madre Godinho.

— Foi Nossa Senhora: mas algumas penso-as eu. Gosto muito de pensar.

A serranita parecia possuir ainda o dom da profecia. Certa vez, sua mãe foi visitá-la no orfanato. Madre Godinho perguntou então a ti Olímpia:

— Gostava que tuas filhas Florinda e Teresa seguissem vida religiosa?

— Deus me livre! — respondeu a boa mulher.

Momentos depois a Jacinta, que não tinha ouvido a conversa da mãe com a Superiora, disse muito séria a esta última:

— Nossa Senhora gostava muito que minhas irmãs se fizessem freiras. Minha mãe não quer, mas por isso Nossa Senhora não tardará a levá-las para o Céu.

Assim foi: as duas meninas morreram pouco depois da Jacinta. Florinda tinha sete anos e Teresa, dezesseis.

Quando finalmente ingressou no hospital Dona Estefânia, de Lisboa, ninguém sabia que se tratava de uma das videntes de Fátima. As enfermeiras relataram que, à primeira vista, parecia uma criança igual às outras, mas não tardariam a perceber que havia qualquer coisa de muito especial naquela menina: “Esta menina era muito diferente das outras. Muito paciente… uma santinha! Jamais nós a ouvimos chorar, jamais nós a vimos aborrecer-se”. Jacinta foi operada no dia 10 de fevereiro, e o cirurgião, o Dr. Castro Freire, que também ignorava tratar-se da pastorinha de Fátima, testemunhou a paciência heróica da serranita, que não pôde ser cloroformizada por sua extrema fraqueza. Diz ele: “Para a abertura de uma fístula, a anestesia local está longe de suprimir todas as dores… as únicas palavras que a ouvi pronunciar durante a operação foram ‘Ai! Jesus! Ai! Meu Deus!’”. Na cirurgia, foram-lhe tiradas duas costelas do lado esquerdo, deixando uma abertura do tamanho de um punho.

Passada a operação, a Jacinta melhorava dia após dia. Contudo, no dia 20 de fevereiro, a menina pediu pelo Prior da freguesia, querendo confessar-se e receber os últimos sacramentos, dizendo que havia de morrer em breve. O padre, vendo-a tão bem, não entendeu o pedido e recusou. Jacinta ainda insistiu, mas sem sucesso. Horas mais tarde, morreu sozinha, como Nossa Senhora disse que morreria.

O cadáver da santinha foi levado provisoriamente para a Igreja dos Anjos, em Lisboa. Imediatamente, iniciou-se uma verdadeira romaria de fiéis que levavam terços e imagens para tocar nos vestidos da pastorinha. Passados três dias e meio do falecimento, a face da Jacinta conservava uma cor viva e corada, e o corpo exalava um perfume delicado, semelhante a um ramalhete de flores, coisa que não se poderia explicar naturalmente e que causou grande impressão na agência funerária.

A família recebeu com grande emoção o comboio que chegava com o corpo da serranita. O pai da Jacinta narrou o episódio:

“Quando cheguei à Vila e vi aquele grupo de pessoas em volta do caixãozinho da minha filha… desatei a chorar como uma criança. Fiquei esgotado. Nunca chorei tanto!..

Nada te valeu! Nada te aproveitou!…

Foste aqui dois meses e depois foste para Lisboa…

E lá morreste sozinha!…”

Anos mais tarde, em 1935, o Sr. Bispo de Leiria decidiu trasladar os restos mortais da pequena vidente para um jazigo novo localizado no cemitério de Fátima. Antes da partida, porém, o caixão de chumbo foi aberto e, para surpresa de todos os presentes, o rosto da criança apresentava-se incorrupto.

Irmã Lúcia Jovem e Idosa (Foto: ACI Digital)

Lúcia parte para as Dorotéias

Francisco e Jacinta já haviam morrido quando S.Ex.a Rev.ma D. José Alves Coreia da Silva tomou posse da Diocese de Leiria18. Um dos primeiros cuidados do novo bispo foi tirar Lúcia do local das aparições e mandá-la para um colégio distante — idéia que o Pe. Formigão acalentava desde o término das aparições.

— Tu não dizes nada a ninguém para onde vais.

— Sim, Senhor Bispo — respondeu a pequena.

— No Colégio para onde vais não dizes quem és.

— Sim, Senhor Bispo.

— Nem dizes mais nada sobre as Aparições de Fátima.

— Sim, Senhor Bispo.

Esse procedimento não era sem razão: a menina expunha-se à graves perigos ficando em Fátima, tanto de ordem espiritual como físicos. Por aquele tempo, o clero mantinha certa distância dos acontecimentos, e Lúcia viu-se colocada no centro das atenções, alvo de incessantes interrogatórios e da adulação dos peregrinos. Por outro lado, não se deve diminuir o risco real de vida: a perseguição religiosa era intensa e fazia pouco que Sidónio Pais fora assassinado em Lisboa. A própria Lúcia sofrera ameaça de morte no ano de 192019.

Era preciso partir. Assim, por determinação do bispo, a pequenita deixou sua aldeia natal de madrugada rumo à cidade do Porto, sem se despedir de ninguém, nem informar aonde ia. A instrução era não retornar a Fátima, nem se corresponder com ninguém da aldeia.

Para uma menina que pouco se afastara de casa, a partida era dilacerante:

“Para onde o Sr. Bispo me quer levar, não sei como será, é com a condição de não voltar mais a casa, por isso não voltarei mais a ver a família, nem estes lugares benditos! Cova da Iria, Loca do Cabeço, Valinhos, Poço do Arneiro, a Igreja onde fica o meu Jesus Escondido e onde tantas graças tenho recebido! O sorriso da minha primeira Comunhão! Vila Nova de Ourém, onde fica a Jacinta, o cemitério onde ficam os restos mortais de meu querido pai e Francisco! Nunca mais voltar a pisar esta terra abençoada, para ir, sabe Deus para onde! Sem nem sequer poder escrever diretamente a minha Mãe! Impossível, não vou!”

Mas a menina de quatorze anos obedeceu, e partiu levando sobre os ombros a dura missão de espalhar a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Antes de subir no trem, na estação de Leiria, despediu-se comovida da mãe, que, sempre torturada pela dúvida, disse-lhe: “Vai, filha, que, se é verdade que viste Nossa Senhora, ela te guardará, mas se mentiste, então vais ser uma desgraçada.” 20

Como Fátima conquistou a Igreja

Por todo o período que se sucedeu à série de aparições da Cova da Iria, o governo republicano português protagonizou uma verdadeira ópera bufa buscando impedir a repercussão dos acontecimentos. Não que suas intenções não fossem realmente hostis, mas eram acometidos de uma singular incompetência sempre que se lançavam contra Fátima.

O governo ordenou que a azinheira onde a Virgem aparecera fosse arrancada e arrastada a reboque de um carro pelas ruas da cidade, contando que este ultraje afastaria definitivamente o povo da nova devoção — foram pela noite e arrancaram… a árvore errada! Em seguida, foi a vez de uns livre-pensadores fazerem um comício contra as “fantochadas de Fátima” na saída da Missa paroquial. Chegado o dia, não encontram ninguém por lá — o Pároco havia transferido a Missa daquele dia para a Capela de Nossa Senhora de Urtiga. Para impedir as procissões, o governo lançava mão da Guarda Municipal e fechava nos dias 13 o trânsito para Fátima 21. — Tudo inútil! O povo desvia caminho e chegava ao local das aparições atravessando as fazendas.

Os guardas mesmos irritavam-se com as ordens que recebiam. Um deles declarou:

— Se o senhor soubesse o que me custa estar aqui!… Cumpro ordens e cumpro-as à risca, mas creia que, cá por dentro, tudo isto me revolta. Eu sou religioso, senhor, e não compreendo que utilidade haja em estar a proibir essa pobre gente de ir rezar lá abaixo!… Isto até dá vontade de chorar!… Tenho uma irmã que foi a Senhora de Fátima que lhe salvou a vida 22.

Não é tudo: em 1922, na ânsia de pôr um fim ao culto de Fátima, os maçons puseram bombas na capelinha das aparições bem como na azinheira — novo fiasco! A dinamite posta na azinheira não explodiu, e as demais apenas derrubaram o telhado da minúscula capelinha. O bispo de Leiria proibiu que fosse restaurada, pois raciocinava como Gamaliel: “se esta idéia ou esta obra vem dos homens, ela mesma se desfará; mas, se vem de Deus, não a podereis desfazer” (At 5, 38-39).

Enquanto tudo isso ocorria, de um extremo a outro de Portugal, desde as margens do Douro aos campos férteis do Algarve, almas atribuladas continuavam a vir a Fátima em busca de socorro para as suas angústias, remédio para as suas dores, lenitivo para os seus males. No ano mesmo do malogrado atentado ao santuário, quarenta mil peregrinos estiveram em Fátima. Dois anos depois, em 1924, o número aumentara para duzentos mil peregrinos — três vezes mais do que no milagre do Sol. Parecia que cada vez vinha mais gente, todos movidos pelas numerosas graças e milagres alcançados pela intercessão de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.

Maria da Capelinha narra que, por esse tempo, eram muitos os que vinham apenas para agradecer. Uma vez, viu um homem de Torres Novas chorando diante da azinheira. Havia muitos anos que tinha uma ferida na perna que deitava pus, e parecia não ter cura. Sua esposa veio de Fátima com um punhado de terra e, misturando a terra com água, pediu-lhe que a deixasse lavar a sua perna com aquela lama. O homem, que não tinha crença alguma, retrucou que sua perna precisava de asseio, não de sujeira. A mulher insistiu e terminou por dobrar a resistência do marido. Durante nove dias, lavou sua perna com aquela lama e, a cada dia, parecia-lhe que a ferida ficava menor. No nono dia estava perfeitamente curado. Converteu-se e partiu logo para a Cova da Iria — caminhando com os próprios pés, como fazia questão de dizer. Outra vez foi um tuberculoso de Tomar, também descrente. A mulher lhe fez beber um chá com a terra da Cova da Iria. Contrariado, ele bebeu, e curou-se inexplicavelmente.

O Pe. Formigão, assíduo nas peregrinações populares, foi mais de uma vez testemunha de curas espantosas. Uma senhora de nome Helena Violeta, de Foz do Douro, paralítica das mãos e membros inferiores, foi a Fátima. Carregada então por religiosos servitas até a Imagem de Nossa Senhora, sentiu-se subitamente curada. Soltou-se dos braços dos religiosos e ajoelhou em fervorosa ação de graças à Virgem. Em seguida, tomada de alegria e exultação, pôs-se à correr em direção à capela das missas, para adorar e agradecer a sua cura a Jesus Sacramentado.

“Não foi a Igreja que impôs Fátima à fé popular; foi Fátima que se impôs à Igreja”, declarou o Cardeal Cerejeira, patriarca de Lisboa. O que ocorreu após as aparições da Cova da Iria foi um milagre de Fé! Em face de tantas conversões, e do espetáculo edificante de tantos devotos que acorriam à Fátima, o clero começou a aderir. Já no ano de 1926, o Núncio Apostólico veio visitar o Mosteiro da Batalha e, por curiosidade, quis ir ao local das aparições. A impressão que lhe causou foi tamanha, que três meses depois, em 21 de Janeiro de 1927, Roma concedia a Fátima o privilégio da Missa Votiva. A partir daí, os bispos portugueses começaram, um a um, a visitar a Cova da Iria e, em 1930, finalmente, o bispo de Fátima-Leiria declarou como dignas de crédito as visões dos pastorinhos e permitiu oficialmente o culto de Nossa Senhora de Fátima.

A renovação de Portugal

Os acontecimentos da Cova da Iria ultrapassaram a piedade individual e adquiriram uma repercussão profunda no tecido social do país: “Quem tivesse fechado os olhos há vinte e cinco anos e os abrisse agora já não reconheceria Portugal, tão vasta foi a transformação operada pelo fator modesto e invisível da aparição da Santíssima Virgem em Fátima. De fato, Nossa Senhora quer salvar Portugal”, declararam os bispos portugueses numa Pastoral Coletiva.

O renascimento católico que se seguiu aos acontecimentos de 1917 foi espantoso. As vocações dispararam: quase quadruplicou o número de religiosos num período de dez anos, enquanto os seminários encheram-se. Na diocese de Portalegre, por exemplo, havia 18 seminaristas em 1917; anos depois, em 1933, o número aumentou para 201. Na pequena diocese de Leiria, o seminário estava fechado nos tempos das aparições: dez anos mais tarde fora reaberto e contavam-se 75 seminaristas. No bastião católico do norte, o que ocorreu foi uma explosão de vitalidade: só em Braga o número alcançou 478 seminaristas. Ao lado de tudo isso, a imprensa e o rádio católico desenvolviam-se, bem como os retiros e outras obras de apostolado.

A romaria a Fátima era cada vez mais concorrida: em 1937, o número de peregrinos na primeira grande peregrinação nacional chegou a meio milhão. O escritor William Thomas Walsh narrou o que viu:

“Entre as estrofes, elevavam-se súplicas individuais e esperanças incontidas, às vezes entremeadas de soluços comovedores: ‘Senhor, nós Vos adoramos!’, ‘Senhos, nós Vos amamos!’, ‘Jesus, tende piedade de nós!’, ‘Senhor, se quiseres, podes curar-me!’ Sim, essas vozes pareciam pertencer a outros tempos mais sinceros e mais ardorosos que o nosso. Pareciam vir das planícies de Esdrelon, das muralhas de Jericó e de Constantinopla, dos campos de Túnis, como pulsações da fé e da dignidade humana, irrompendo através da mediocridade e do nivelamento rasteiro da idade da máquina.” 23

Essa renovação espiritual repercutiu politicamente com a subida pacífica ao poder de um grande líder, António de Oliveira Salazar, que conduziu um programa verdadeiramente católico e contra-revolucionário. Adversário encarniçado do socialismo e do liberalismo, Salazar combatia tudo o que militava contra a família, e contribuiu para fazer do seu país, tido como o mais instável e caótico da Europa, no mais estável de todos — note-se que, entre 1910 e 1926, quarenta e cinco governos haviam se alternado, e o país via-se afundado em dívidas com uma inflação descontrolada. Com Salazar, Portugal viveu em paz, e foi preservado tanto do contágio comunista, que levou a vizinha Espanha a uma terrível guerra civil, como dos horrores da Segunda Guerra Mundial 24. Os estrangeiros que chegavam da Itália, Inglaterra ou França no início dos anos 40, não acreditavam no que viam: enquanto o continente vivia o horror, e boa parte da população viril era ceifada, nas cidades portuguesas a rotina seguia tão inalterada como antes. “O que teve lugar em Portugal proclama o milagre”, declarou o Cardeal Cerejeira, “e prefigura o que o Imaculado Coração de Maria preparou para o mundo”.

Vilar, Porto (1921-1925)

Num subúrbio do Porto, ao lado de uma fábrica, ficava o Instituto Arcediago van Zeller, colégio destinado à educação de moças e administrado pelas senhoras dorotéias. A Ordem de Santa Dorotéia fora fundada em 1834 por Santa Paula Frassinetti (1809-1882) e aprovada por Pio IX, em 1863. Contando com doze estabelecimentos em Portugal, a ordem estava solidamente estabelecida quando sobreveio a revolução de 1910. A partir de então, perseguidas e maltratadas pelos republicanos, as irmãs foram impedidas de usar os hábitos religiosos e viram a maior parte dos seus estabelecimentos ser fechada pelo novo governo.

Um dos poucos remanescentes era o Colégio do Vilar, cuja superiora chamava-se Madre Maria das Dores Magalhães. Pouco simpática às aparições de Fátima — que ainda não haviam sido aprovadas por aquele tempo — chegou a pedir a Dom José que a dispensasse da obrigação de receber a vidente, pois temia que contaminasse as outras com os modos rudes da gente do campo. “Sim, é uma simples — respondeu-lhe o bispo — mas não creio que vá achá-la simplória. E desejo que a pequena fique aí por uns tempos.”

A primeira impressão que Lúcia causou não foi exatamente favorável, e a madre superiora julgou que seus temores se mostrariam justificados. O confessor do Instituto, Pe. Manuel Pereira Lopes, mudou o nome da menina e tratou de lhe passar severas recomendações:

— A menina agora muda de nome. A Senhora Diretora tem gosto que fique com o seu, por isso fica a chamar-se Maria das Dores. Se lhe perguntarem de que terra é, diz apenas que é de perto de Lisboa e nada mais. Não fale de Fátima, nem da sua família, nada.

Apesar da tristeza inicial, em que tudo parecia “uma sepultura em vida”, como ela mesma escreveu, a nova vida não iria desagradá-la de todo, sobretudo por ter-se livrado do interrogatório incessante dos curiosos. A rotina era rígida e bem diferente da que levava em Aljustrel: 5:30 despertar; 6:00 meditação; 6:30 missa e comunhão; 7:30 arrumação do dormitório; 7:45 café da manhã; 8:00 aulas e trabalho; 12:00 visita ao Santíssimo Sacramento; 12:15 almoço; 12:45 recreação; 13:30 aulas e trabalho; 16:30 lanche e recreação; 17:00 estudo e trabalho; 19:00 terço; 19:30 jantar; 20:00 recreação; 20:30 oração da noite e dormir. A Lúcia dormia num dormitório coletivo, mas isso não lhe impediria de manter suas práticas de mortificação, como a corda que trazia à cinta desde os tempos de pastorinha.

Pouco a pouco, a menina perdia seus modos rudes, tornava-se uma boa aluna e conquistava a todos. Eis como a madre superiora a descreveu numa carta ao bispo de Leiria:

“Ao que pese minha total falta de crédito às aparições, observei que não era uma moça comum. Muitas vezes, as irmãs vinham dizer-me que Lúcia tinha qualquer coisa de extraordinário com Nossa Senhora, pois, quando falava dela, era sempre diferente das outras e percebia-se que possuía um amor extraordinário pela Santíssima Virgem. Suas companheiras do Asilo costumavam dizer que não havia quem a igualasse nas bonitas histórias que costumava contar durante o recreio”.

Sim, como em Aljustrel, onde Ti Maria Rosa exclamava “Não sei que atrativo possas ter; as crianças correm para junto de ti como se fossem para uma festa!” 25, Lúcia atraía para junto de si as moças do Asilo do Vilar que se encantavam com sua personalidade e suas histórias. Contudo, jamais falava sobre os acontecimentos que vivera em Fátima. Quanto a isso, nem uma palavra. Sua obediência era heróica: apesar de ter visto Deus Nosso Senhor e a Santíssima Virgem com os próprios olhos, e de tudo isto explodir em seu coração, a moça jamais tocou no assunto para as demais moças do Instituto. Mesmo com a mãe, que a visitou duas vezes, nunca falou a respeito.

“Quanto à obediência”, continua a Madre superiora, “ela sempre se distinguia, pois fazia tudo muito bem, sem torcer o nariz, sempre de bom coração. Várias vezes, suas companheiras me disseram que Lúcia costumava escolher para si o trabalho menos agradável, deixando os melhores às demais. E fazia tudo com uma simplicidade encantadora.”

O silêncio a respeito das aparições era tão absoluto, que Madre Magalhães veio a supor que a menina havia se esquecido de todo do ocorrido. Para investigar, perguntou-lhe:

— Lembras do que se passou em Fátima, entre Nossa Senhora e tu?

A menina baixou os olhos e, ruborizada, respondeu simplesmente:

— Se me lembro? Penso nisso a todo tempo.

 

Pontevedra (10/1925-7/1926) – A devoção reparadora dos cinco primeiro sábados

O seu fervor deixava entrever uma vocação. “Suas companheiras dizem amiúde que não há menina mais piedosa e que a capela era onde mais se regozijava, tamanha era sua piedade. Lá, nunca a víamos sentada, mas longe do assento, com as mãos postas sobre o banco. Esta era a sua atitude, que encantava”, escreveu a Madre superiora. E, segundo uma companheira de colégio: “Observá-la na capela, era observar um anjo!“.

Quando a Lúcia procurou-a querendo entrar em religião, a madre pediu que esperasse, e passou-se um ano. Completos dezoito anos, porém, sua superiora interrogou-a se ainda pensava tornar-se religiosa. “Eu desejo, eu quero!”, explodiu a Lúcia. A menina queria entrar no Carmelo de Lisieux, como sua querida Santa Teresinha, mas a madre dissuadiu-a. “Não tens bastante saúde para tais austeridades, filha”. Na sua humildade, Lúcia aceitou esse conselho como se fosse a palavra mesma de Deus e, depois de refletir um pouco, pediu que fosse aceita na própria instituição das Irmãs de Santa Dorotéia, o que alegrou bastante a madre superiora e o bispo de Leiria, Dom José.

Assim, tomou o trem e cruzou a fronteira de Espanha em outubro de 1925, para o Convento de Tuy, antiga cidade da Galícia, onde as dorotéias portuguesas exiladas estabeleceram seu noviciado poucos anos antes. Tão logo chegou, a Madre provincial conduziu-a à Capela e lhe pediu consagrar-se inteiramente a Nosso Senhor: “Meu Jesus! Eu me abandono toda a Vós. Minha Mãe do Céu, cuidai de mim”. O período de postulado, contudo, Lúcia o faria numa outra casa das dorotéias, na cidade de Pontevedra, distante três horas de carro, para onde seguiu dois dias depois.

A velha casa de Pontevedra não era a mais apropriada às exigências da sua vocação, pois, por também servir de internato a barulhentas crianças, não encontrava nela o recolhimento que desejava. Se isso a consternava tremendamente, era ocasião de oferecer novos e dolorosos sacrifícios a Nosso Senhor. Por aquele tempo, escreveu então ao seu confessor, o Pe. Pereira Lopes: “Estou feliz e não quero outra coisa senão tonar-me uma santa para maior honra e glória de Deus, para obter a salvação dos pobres pecadores e em reparação dos meus pecados”.

A correspondência entre a superiora do instituto e o bispo de Leiria, Dom José, mostra que a postulante já tinha fama de santidade:

“Quanto a mim, considero uma graça tê-la aqui por estes cinco meses de preparação, e conto mesmo que, por meio dela, Nossa Senhora concederá bênçãos especiais para esta casa. E para ser bem franca com Vossa Excelência, devo confessar que eu mesma já recebi grandes graças!

“(…) Rogai a Nosso Senhor para que eu aprenda com ela a ser boa, para que ao menos na minha velhice eu seja aquilo que já deveria ser, depois de tanto tempo de vida religiosa. Por vezes, envergonho-me ao lado dela.”26

Foi na noite de 10 de dezembro de 1925 que a Santíssima Virgem dignou-se visitar mais uma vez a sua protegida, imersa então num mar de angústias. O quarto alumiou-se de repente e Lúcia viu-se diante da Virgem. Esta pousou docemente sua mão maternal no seu ombro, como que para encorajá-la, ao passo que mostrava o coração cravejado de espinhos na outra mão. O Menino Jesus, que a acompanhava, disse-lhe:

– Tem pena do Coração de tua SS. Mãe que está coberto de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Lhe cravam sem haver quem faça um acto de reparação para os tirar.

Eis aqui, nas palavras de Nosso Senhor, o fim desta devoção: reparar pelos pecados e consolar Nossa Senhora. A comunhão deve ser feita com o propósito de desagravar o Imaculado Coração de Maria 27. Sem esta intenção, insiste o irmão Marie des Anges, todo o resto perde valor.

A Santíssima Virgem, por sua vez, falou:

– Olha, minha filha, o Meu Coração cercado de espinhos que os homens ingratos a todos os momentos Me cravam, com blasfêmias e ingratidões. Tu, ao menos, vê de Me consolar e diz que todos aqueles que durante 5 meses, ao 1.° sábado, se confessarem, recebendo a Sagrada Comunhão, rezarem um Terço e Me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 mistérios do Rosário, com o fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte, com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas.

Refletindo sobre o que viu, escreveu a Lúcia:

“Depois desta graça, como poderia me subtrair do mais pequeno sacrifício que Deus quisesse me pedir? Para consolar o Coração da minha querida Mãe do Céu, ficava contente em beber até a última gota do cálice mais amargo.

“Quereria sofrer todos os martírios para reparar o Coração Imaculado de Maria, minha querida Mãe, e um por um tirar-lhe todos os espinhos que o dilaceram, mas compreendi que estes espinhos são o símbolo dos numerosos pecados que vão contra o Filho, trespassando o Coração da Mãe. Sim, porque por eles, muitos outros filhos se perdem eternamente.” 28

É espantoso pensar o quanto nos é prometido com a devoção reparadora dos cinco primeiros sábados. A parte que nos cabe, porém, não poderia ser mais modesta – dir-se-ia que em tempos tão ingratos, o Céu reduziu suas exigências ao mínimo. Cinco sábados, poucas horas se somarmos tudo, em troca da promessa sem igual de não sermos reprovados. Uma devoção para tempos de apostasia.

No entanto, é preciso dizer que costumamos considerar a devoção reparadora desde a ótica dos benefícios prometidos, e esquecemos que se trata de um pedido de Nossa Senhora: “virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração e a comunhão reparadora nos primeiros sábados”, foram as suas palavras. Quem sabe não foi pela negligência em se atender a este pedido que a Rússia jamais foi consagrada ao Imaculado Coração? Nesse sentido, o Cardeal Alfredo Schuster comparava essa devoção a uma grande cruzada, e dizia que o que foi Lepanto contra o crescente deveria ser Fátima contra a foice e o martelo.

Apesar de não ter sido expressamente dito nas comunicações de Nossa Senhora, está no espírito de Fátima que esta devoção seja utilizada em prol da salvação dos nossos amigos e familiares – assim compreendia a Irmã Lúcia, que fazia todo mês a comunhão reparadora. Ela escreveu a propósito desta devoção: “Os Santíssimos Corações de Jesus e Maria amam e desejam este culto, porque se servem dele para atrair as almas, e é este todo o seu desejo: Salvar almas, muitas almas, todas as almas.”

Infelizmente, a Devoção reparadora dos primeiros sábados jamais recebeu um ato oficial de aprovação ou incentivo, quer da hierarquia portuguesa 29, quer de Roma. Há pior: a própria vidente viria a ser proibida de falar a respeito durante os pontificados de João XXIII e de Paulo VI 30.

Visão de Tuy.

Tuy – A consagração da Rússia

Em 1926, a Irmã Maria das Dores foi abruptamente transferida para o noviciado de Tuy, após externar mais uma vez o desejo de fazer-se carmelita. Não era sem rigores a vida das irmãs – todas lançavam mão regularmente de uma dura rotina de cilícios e flagelos 31 – mas isso não era suficiente para a vidente de Fátima, que aspirava pelo perfeito recolhimento e obscuridade da vida de clausura. Dom José, bispo de Leiria, e a superiora das dorotéias não concordaram com seus anseios e a religiosa aquiesceu, pensando “Vontade de Deus, tu és o meu Paraíso!”

O Pe. Formigão, que a visitou por esse tempo, escreveu numa carta a seu respeito:

“A pequena continua a mesma, como tu a conheceste. Ela tem uma simplicidade e uma humildade admirável. Que piedade profunda, tão admirável e tão alegre! Que espírito extraordinário de obediência! Que amor do sacrifício e da mortificação!”

Atribuem-se milagres a ela durante esse período. Por exemplo, a cura de uma criança de três anos, de nome Teresinha do Menino Jesus, filha de um cônsul português, que sofria fortemente por conta de dois tumores. A intervenção cirúrgica não lhe servira de nada, e os pais angustiavam-se tremendamente. Lúcia tomou conhecimento da grave doença da criança e procurou os pais para dizer-lhes que não deviam se afligir, pois Teresinha ficaria boa. “Foi neste momento”, escreveu o pai, “que se deu um fenômeno inexplicável para nós. Durante a noite, e contrariamente ao que previa o doutor, tudo desapareceu: a febre, o tumor, o inchaço da perna. Quando nós vimos nossa filha pela manhã, tão desfigurada e tomada de febre poucas horas antes, e agora sem traços do mal que durante três meses a atormentou, ficamos verdadeiramente estupefatos! Teresinha ria e queria ir no chão”. O médico não ficou menos surpreso e declarou que não havia explicação natural para o fato.

No entanto, o grande favor do Céu que obteve em Tuy, e que marcaria definitivamente não apenas a sua própria vida, mas todo o nosso século, foi a Teofania do dia 13 de junho de 1929. Neste dia, dirigiu-se para a capela para fazer sozinha a hora santa. Estava tudo escuro, exceto pela luz de uma lamparina. De repente, contudo, toda a Capela iluminou-se com uma luz sobrenatural, e sobre o Altar apareceu uma Cruz que se erguia até o teto. Irmã Lúcia viu então a Santíssima Trindade, recebendo luzes que, conforme disse, não lhe era permitido revelar. Nosso Senhor pendia na cruz, tendo por cima uma pomba a representar o Espírito Santo e Deus Pai. Sangue pingava das faces do Crucificado e duma ferida do seu peito numa hóstia, e desta para um cálice. No lado direito, Nossa Senhora com seu Imaculado Coração cravejado de espinhos e ardendo num fogo, do outro lado, umas letras grandes que diziam “Graça e Misericórdia”. Nossa Senhora disse-lhe em seguida:

– É chegado o momento em que Deus pede ao Santo Padre que faça, em união com todos os Bispos do Mundo, a Consagração da Rússia ao Meu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio. São tantas as almas que a Justiça de Deus condena por pecados contra Mim cometidos, que venho pedir reparação: sacrifica-te por esta intenção e ora.

Aqui também se trata de um pedido de reparação: este é um dos sentidos profundos da Consagração da Rússia. Como escreveu a irmã ao seu confessor, o Padre Gonçalves; “Se não me engano, o bom Deus promete pôr fim à perseguição na Rússia, se o Santo Padre se dignar fazer, e ordenar aos bispos do mundo católico igualmente de fazerem um ato solene e público de reparação e de consagração aos Santíssimos Corações de Jesus e de Maria (…)”.

Como escreveu um autor, a tomada de um país pelo comunismo é comparável à possessão de um demônio sobre um corpo. A Rússia foi desde o início o instrumento de Satanás para o castigo do triste século XX: Já em 1918, a Igreja foi praticamente declarada ilegal. No mesmo ano, surgiam os primeiros campos de concentração e tinha início a deskulakização. Escreveu Pio XI sobre a Rússia:

“A recrudescência e a publicidade oficial de tantas blasfêmias e impiedades requerem a mais universal e solene das reparações. Durante as últimas festas de Natal, não apenas muitas centenas de igrejas foram fechadas, inúmeros ícones foram queimados, mas os trabalhadores e estudantes foram todos obrigados a trabalhar; os domingos foram suprimidos, e chegou-se a obrigar os trabalhadores das usinas, homens e mulheres, a assinar uma declaração formal de apostasia e de ódio contra Deus, sob pena de serem privados de suas cartas de pão, vestuário e alojamento, sem as quais todo habitante dessa nação infeliz é reduzido a morrer de fome, miséria e frio.” 32

A promessa relacionada à Consagração da Rússia seria meramente a do fim da União Soviética? O Pe. Alonso, maior estudioso de Fátima, explica: “É preciso afirmar que Lúcia sempre julgou que esta conversão não se resume ao retorno do povo russo à religião ortodoxa, com a rejeição do marxismo ateu dos soviéticos. Antes, refere-se pura, simples e totalmente à conversão total da Russia à única verdadeira Igreja de Cristo, que é a Igreja Católica.” 33

Por que a necessidade de uma consagração? Ou, por outra, por que o bom Deus não converte a Rússia sem o concurso dos homens? Eis o que explicou Lúcia:

“(…) intimamente tenho falado a nosso Senhor do assunto e há pouco perguntava-Lhe por que não convertia a Rússia sem que Sua Santidade fizesse essa consagração.

– Porque quero que toda a minha Igreja reconheça essa consagração como um triunfo do Coração Imaculado de Maria, para depois estender o seu culto, e pôr ao lado da devoção do meu Divino Coração, a devoção desse Imaculado Coração.”

Assim como fizera com os cinco sábados, propondo um meio fácil para a salvação das almas, Nosso Senhor depositou nas mãos de seu Vigário o poder de repelir o grande flagelo do nosso tempo, mas, infelizmente!, nenhum papa desde Pio XI valeu-se dele: a Rússia nunca foi consagrada solenemente em união com todos os bispos do mundo 34. Por essa razão, ela não se converteu, nem o Imaculado Coração de Maria foi exaltado.

Irmã Lúcia adoeceu no ano de 1930 e, para repousar, foi enviada por suas superioras a uma pequena cidade marítima nas proximidades, de nome Rianjo. Foi provavelmente numa capela dedicada a Nossa Senhora, que ouviu esta terrível reprimenda do Céu:

“Faça saber aos meus ministros que, dado que seguem o exemplo do rei de França retardando a execução do meu pedido, eles o seguirão no infortúnio. Jamais será tarde demais para recorrer a Jesus e a Maria.” 35

A verdade é que naquele mesmo ano, como nota o Irmão François de Marie des Anges, os castigos começam a ocorrer. Na Espanha, a revolução anti-monárquica levou a maçonaria ao poder, fazendo com que a lepra bolchevique se alastrasse pela Península Ibérica. Não passariam cinco anos até o terrorismo vermelho começar a destruir igrejas e conventos na Espanha, enquanto manifestantes desfraldavam bandeiras vermelhas nas ruas, aos gritos de Viva Rusia!

Foi ainda naquele período que Moscou começou a instruir os partidos comunistas a infiltrarem os seminários católicos, a fim de minar a Igreja desde dentro.

 

O Terceiro Segredo

Nos anos 30, a verdadeira identidade da Irmã Maria das Dores não era segredo para mais ninguém, e o Convento de Tuy começou a ser muito requisitado por devotos e curiosos. Para cúmulo, as superioras muitas vezes aquiesciam aos visitantes e faziam com que Lúcia fosse aqui ou ali apenas para exibi-la. Por essas razões, o desejo de se retirar para trás das grades do carmelo tornou-se dominante, mas ainda não seria dessa vez que a religiosa subiria esta montanha santa, pois, movidos talvez pelo desejo muito humano de ter no seu instituto a vidente de Fátima, suas superioras não acediam às suas aspirações. À Lúcia restava o consolo da sabedoria de Santa Gemma Galgani: “um pouco mais de morte para ti mesma, e teus problemas não serão nada”.

Visão Fatimista do Papa Pio XII.

Escreveu então:

“Ofereci-me, desejando ser aceite, para, enquanto que o Senhor me não abre as portas do Claustro, ir a terras africanas, ao lado dos Missionários, levar às almas o Amor que abrasa, a Esperança que fortifica, a Fé que guia e eleva da terra ao Céu! – Ir com a Divina Pastora, conduzir as ovelhas às pastagens verdejantes, onde correm as águas cristalinas da eterna fonte.”

É admirável como algumas passagens do seu diário remetem-nos as mais belas páginas de Santa Teresinha:

“Mas não me explico, como sinto em mim aspirações tão opostas! Contente voaria pelos sertões da África, em conquista das almas dos meus queridos Irmãos distantes, e chego até a invejar os que têm essa sorte. Feliz me imolaria nos hospitais junto dos membros doloridos de Cristo, para, com os meus serviços, lhes prestar toda a classe de alívios. Mais feliz ainda me enterraria nas leprosarias, colhendo os gemidos da Humanidade em decadência, oferecendo-os a Deus como vítimas expiatórias pelos pecados do mundo.

“Gostaria de adquirir todas as ciências para transmiti-las às almas como reflexo da eterna Sabedoria, fonte donde emana toda a luz da inteligência e ciência adquirida, e poder assim elevá-las do rasto da terra, à luz do sobrenatural! Mas pobrezinha de mim que nada sou e nada tenho! Levanto-me do próprio nada e, na união da minha alma com Cristo, encontro tudo, porque é das profundezas da abjeção que Deus me eleva às alturas do sobrenatural, é pela humildade que se desce ao fundo do Oceano, é aí que se encontra a Luz, a força, a alegria e onde Deus concede a graça de atingir o cume do Amor! Daí o meu ardente desejo de imolar-me a sós com Ele no silêncio dum claustro, onde possa dar-Lhe tudo numa união mais perfeita, num encontro mais íntimo pela Igreja minha Mãe e pelas almas dos meus queridos Irmãos.” 36

No ano de 1943, Lúcia foi acometida de grave pleurisia: escarrava sangue, assim como a santa de Lisieux, e a febre não lhe deixava. O risco de morte era grande:

“Escrevo na cama, onde estou já há 17 dias com febre bastante alta… Talvez que tudo isto seja o princípio do fim, e estou contente”, escreveu então a Dom José, bispo de Leiria. “É bem que, à maneira que a minha missão na terra vai acabando, o bom Deus me vá preparando os caminhos para o Céu.”

O Cônego Galamba, no entanto, desejoso de conhecer e fazer conhecer a mensagem de Fátima, inquietava-se, temendo que a vidente viesse a morrer sem nunca revelar a parte final do Segredo. Por isso, renovou suas instâncias para que o bispo a fizesse escrever, e assim, no dia 15 de setembro de 1943, Dom José sugeriu à vidente que, se quisesse, colocasse por escrito a terceira parte do segredo. A vidente respondeu que, para fazê-lo, precisaria receber do bispo uma ordem formal, pois não tinha recebido ainda “autorização de Nosso Senhor” para revelá-lo.

Como persistisse uma infecção purulenta na sua perna, Irmã Lúcia teve de ser hospitalizada e submetida a uma cirurgia. Temendo que, sob a medicação, fizesse alguma indiscrição a respeito do Segredo, pediu para não receber anestesia geral – mas os médicos não concordaram. A operação transcorreu bem e não demorou para a vidente retornar a Tuy. Escrevia então no seu diário:

“Se o Bom Deus não tiver algo a mais a me pedir ou se não agravar a doença que me enviou, dentro em pouco poderei começar a trabalhar. Mas que Ele faça o que quiser. Não Lhe peço nem a saúde, nem a doença, nem a vida, nem a morte. Que me envie o que mais Lhe agradar!”

Em novembro de 1943, a religiosa finalmente recebeu de Dom José Correia da Silva uma ordem formal para redigir o terceiro segredo. Mas algo estranho se passou. Muito embora não sentisse nenhuma dificuldade para escrever sobre qualquer assunto, por mais que tentasse registrar o Segredo, nada saia do papel. “Ainda não escrevi o que V.Exª.Rev.ma me mandou: já o intentei cinco vezes e não fui capaz”, escreveu então a Dom José; “não sei o que é, no momento de pousar a pena no papel, põe-se-me a mão a tremer e não sou capaz de escrever letra alguma: parece-me que não é nervoso natural, porque no mesmo instante passo a escrever outra coisa diferente e tenho a mão firme”. Concluiu: “Mas, quem sabe, será o demônio que me queira impedir este ato de obediência?”

Passaram-se semanas nessa agonia. Até que uma tarde, estando a sós na capela durante uma visita ao Santíssimo, o rosto mergulhado entre as mãos, sentiu que lhe tocava o ombro a mão amiga da Rainha do Céu:

– Não temas, quis Deus provar a tua obediência, Fé e humildade. Está em paz e escreve o que mandam, não porém o que te é dado entender do seu significado. Depois de escrito, fecha-o e lacra-o e escreve por fora, que só pode ser aberto em 1960, pelo Sr. Cardeal Patriarca de Lisboa ou pelo Sr. Bispo de Leiria.

Continua a Lúcia descrevendo o que sentiu:

“Senti o espírito inundado por um mistério de luz que é Deus e Nele vi e ouvi, – A ponta da lança como chama que se desprende, toca o eixo da terra, – Ela estremece: montanhas, cidades, vilas e aldeias com os seus moradores são sepultados. O mar, os rios e as nuvens saem dos seus limites, transbordam, inundam e arrastam consigo num redemoinho, moradias e gente em número que não se pode contar, é a purificação do mundo pelo pecado em que se mergulha. O ódio, a ambição provocam a guerra destruidora! Depois senti no palpitar acelerado do coração e no meu espírito o eco duma voz suave que dizia: – No tempo, uma só Fé, um só Batismo, uma só Igreja, Santa, Católica, Apostólica. Na eternidade, o Céu! Esta palavra Céu encheu a minha alma de paz e felicidade, de tal forma que quase sem me dar conta, fiquei repetindo por muito tempo: – O Céu! O Céu! Apenas passou a maior força do sobrenatural, fui escrever e fi-lo sem dificuldade, no dia 3 de janeiro de 1944, de joelhos, apoiada sobre a cama que me serviu de mesa.” 37

O escrito foi entregue ao Bispo devidamente envelopado. Este, temeroso com a alta responsabilidade que lhe incumbia, não queria lê-lo, o que levou a irmã fazê-lo prometer que abriria o envelope antes de 1960 ou assim que ela morresse, o que ocorresse primeiro.

Por que o ano de 1960? O Cardeal Silvio Oddi, outrora Prefeito da Congregação para o Clero, tratou da questão:

“Que ocorreu em 1960 que poderíamos relacionar com o Segredo de Fátima? O evento mais importante foi sem dúvida o início da fase preparatória do Segundo Concílio Vaticano. Assim, eu não me surpreenderia se o Segredo guardasse alguma relação com a convocação do Vaticano II… Não me surpreenderia se o Terceiro Segredo fizesse alusão a tempos obscuros para a Igreja, graves confusões e apostasias perturbadoras dentro do próprio Catolicismo… Se considerarmos a grave crise por que temos passado desde o Concílio, os sinais de que esta profecia foi cumprida não parecem faltar…”

Diz ainda o mesmo cardeal que o Segredo não tem nada a ver com Gorbatchev: “a Santíssima Virgem nos alertou sobre a apostasia na Igreja”.

Essa também é a opinião do Cardeal Mario Luigi Ciappi, teólogo da Casa Pontifícia, que escreveu: “No terceiro segredo se prevê, entre outras coisas, que a grande apostasia na Igreja começará do seu ponto mais alto”.

Também parece ser este o pensamento do Cardeal Alfredo Ottaviani, que leu o Segredo e foi a Portugal entrevistar a Irmã Lúcia: “Eu tive a graça e o dom de ler o texto do terceiro segredo. […] Posso lhes dizer apenas isto: que virão tempos muito difíceis para a Igreja e que é preciso muita oração para que a apostasia não seja grande demais”.

O texto então tem relação com o Concílio? O jornalista Antonio Socci relata que João XXIII encontrou-se nos primeiros meses do seu pontificado com o Cardeal Fernando Cento, antigo núncio em Portugal, e tratou-se da leitura do Segredo:

“… João XIII disse: ‘Não, espere’. Primeiro, ele queria anunciar a convocação do Concílio Vaticano II, quase como se quisesse colocar perante o Céu um fait accompli (…)

“João XXIII inquietava-se e quis adiar a leitura do Segredo obstinadamente, para o caso de ele conter algo que desaconselhasse este anúncio. Evidentemente, Roncalli quis tomar esta enorme decisão para a Igreja sem ser ‘influenciado’ pela Mãe do Bom Conselho, sem ser iluminado pela Rainha dos Apóstolos, sem ser assistido pela Mãe de Deus, pela Mãe da Divina Graça, pelo Auxílio dos Cristãos. Assim, depois que o anúncio foi feito, depois que a sua própria vontade foi realizada, João XXIII consentiu: agora que tudo já foi decidido, podemos ver o que a Senhora de Fátima disse.” 38

Era então grande a expectativa do mundo católico, pois aproximava-se a data prevista para a revelação do segredo. Os bispos italianos vinham de consagrar solenemente o seu país ao Imaculado Coração de Maria e a devoção à Nossa Senhora do Rosário de Fátima ganhava o mundo. Acompanhado do seu confessor e de um tradutor de português, o papa leu o Segredo com desgosto: “isto não se refere ao meu pontificado”, resmungou. Pouco depois, por meio de um comunicado do Vaticano, foi anunciado que o Segredo não seria revelado, pois “[a Igreja] não deseja tomar a responsabilidade de garantir a veracidade das palavras que os três pastorinhos disseram ter ouvido da Virgem Maria” 39. Todo esse episódio serviu para lançar o descrédito nas aparições de Fátima. Em Portugal, o Cardeal Cerejeira, autoridade maior da hierarquia católica portuguesa, ficou sabendo de tudo pelos jornais, como se fosse um fiel qualquer.

Anos antes, porém, o Cardeal Eugenio Paccelli havia compreendido a gravidade do que estava em jogo:

“Suponha que o Comunismo foi somente o mais visível dos instrumentos de subversão usados contra as tradições da Revelação Divina. As mensagens da Santíssima Virgem à Lúcia de Fátima preocupam-me. Esta persistência de Maria sobre os perigos que ameaçam a Igreja é um aviso do Céu contra o suicídio de alterar a Fé na Sua liturgia, na Sua teologia e na Sua alma. Ouço à minha volta inovadores que querem desmantelar a Capela-Mor, destruir a chama universal da Igreja, rejeitar os Seus ornamentos e fazê-La ter remorsos do Seu passado histórico. Chegará um dia em que o Mundo civilizado negará o seu Deus, em que a Igreja duvidará como Pedro duvidou. Ela será tentada a acreditar que o homem se tornou Deus. Nas nossas igrejas, os Cristãos procurarão em vão a lamparina vermelha onde Deus os espera. Como Maria Madalena, chorando perante o túmulo vazio, perguntarão: – Para onde O levaram?”

Nossa Senhora de Fátima e o (então) Papa João Paulo II.

O silêncio

Em março de 1948, Irmã Lúcia finalmente foi recebida no Carmelo de Coimbra – percebendo que o recurso aos seus superiores era inútil, teve de escrever uma carta ao próprio papa pedindo autorização para transferir-se, procedimento esse que lhe foi causa de grandes angústias. Ela chegou no mosteiro às cinco da manhã, e entrou “como os israelitas, muito cedinho antes do nascer do sol, para colher o maná no deserto”. A comunidade recebeu-a em absoluto silêncio. Uma a uma, as irmãs abraçaram-na com um amável sorriso, e seguiram para o coro: “Como é doce, sobretudo nestes dias, a solidão, o recolhimento, e o silêncio aos pés do Sacrário! Mistério admirável, diante do qual se esquecem todos os sofrimentos, todas as penas, todas as amarguras, porque nada há que se possa comparar às penas e dores do nosso Deus!”, escreveu a nova flos carmeli.

Acompanhada da prioresa, uma espanhola de nome Madre Maria do Carmo, a Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado (este foi o nome que tomou ao receber o santo hábito) conheceu a sua célula, na qual uma grande cruz vazia dominava a parede branca:

– Sabes por que esta Cruz está aí na parede sem o Cristo?

E sem que a nova carmelita tivesse tempo de responder, completou:

– É para que te crucifiques nela.

Iniciava um longo período de reclusão de que pouca notícia temos. A vidente que se afastara do contato externo pela reclusão do carmelo, foi “desligada” por uma imposição romana em 1959. Não apenas estava proibida de falar do conteúdo do Segredo, como não poderia receber ninguém sem licença de Roma – nem mesmo o Cônego Galamba ou o Padre Aparício, seu antigo confessor, poderão falar com ela – apenas seus familiares estavam excetuados. Enquanto isso, sem que pudesse se defender, uma campanha de difamação era desferida contra as aparições por padres modernistas em periódicos tão importantes quanto o Civiltá Cattòlica.

Até hoje, dezessete anos após a publicação do Terceiro Segredo, seguem proibidas a publicação da entrevista da vidente com o Pe. Joseph Schweigl, bem como a obra monumental do Padre Alonso, maior especialista em Fátima. Seguem inéditas as cartas da vidente aos papas, os quatro volumes dos seus diários bem como um livro redigido por Lúcia no ano de 1955 e remetido à Santa Sé. O que querem nos ocultar?

Um livro posteriormente publicado, chamado Apelos da Mensagem de Fátima 40, foi minuciosamente “revisado” por Roma, e há uma razoável dúvida a respeito da autenticidade de diversos escritos e declarações que lhe foram atribuídas no final de sua vida.

Por essas razões, a sua entrevista com o Pe. Fuentes, de 1957, é considerada por alguns como a última sem restrições da vidente de Fátima, e seu testamento. Os trechos seguintes são dela:

“Senhor Padre, o que falta para 1960? E o que sucederá então? Será uma coisa muito triste para todos, e não uma coisa alegre, se, antes, o mundo não fizer oração e penitência. Não posso detalhar mais, uma vez que é ainda um segredo. Segundo a vontade da Santíssima Virgem, só o Santo Padre e o Bispo de Fátima têm permissão para conhecer o Segredo, mas resolveram não o conhecer para não serem influenciados. Esta é a terceira parte da Mensagem de Nossa Senhora, que ficará em segredo até 1960 (…)

“Senhor Padre, o demônio está travando uma batalha decisiva contra a Santíssima Virgem. E como o demônio sabe o que é que mais ofende a Deus e o que, em menos tempo, lhe fará ganhar um maior número de almas, trata de ganhar para si as almas consagradas a Deus, pois que desta maneira o demônio deixa também as almas dos fiéis desamparadas pelos seus chefes, e mais facilmente se apodera delas.

(…)

“Senhor Padre, eis por que a minha missão não é indicar ao mundo os castigos materiais que certamente virão se antes o mundo não rezar e se sacrificar. Não! A minha missão é indicar a todos o perigo iminente em que estamos de perder as nossas almas para toda a eternidade, se nos obstinarmos no pecado.

(…)

“Senhor Padre, não devemos esperar que venha de Roma, da parte do Santo Padre, um apelo ao mundo para que faça penitência. Nem devemos esperar que esse apelo à penitência venha dos nossos Bispos, nas nossas Dioceses, nem das congregações religiosas. Não! Nosso Senhor já usou muitas vezes destes meios, e o mundo não prestou atenção. Eis por que, agora, é necessário que cada um de nós comece a reformar-se espiritualmente. Cada pessoa deve não só salvar a sua alma como também ajudar a salvar todas as almas que Deus colocou no seu caminho.”

ANEXO

(Terceira Parte do Segredo, tal como publicada em 26 de Junho de 2000)

“Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo em a mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos n’uma luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se vêem as pessoas n’um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fôra de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns trás outros os Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal em a mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus.”

Alexandre Bastos (Revista Permanência 288)

 

 

___________
17. Memórias da Irmã Lúcia, 4a. memória, p. 164.

18. A diocese fora restaurada dois anos antes por um breve de Bento XV. Até então, Fátima estava na dependência do patriarcado de Lisboa. Quanto ao bispo, diga-se que nos tempos da revolução de 1910, foi preso cinco vezes e torturado pelos republicanos – na prisão, viu-se obrigado a passar noite e dia com os pés imersos em água gelada – resultando em dificuldades de locomoção.

19. “Dois militares escoltavam-na em direção a Aljustrel, porém, ao ver um terreno com umas covas abertas, um disse ao outro: – Aqui estão covas abertas. Com uma das nossas espadas cortamos-lhe a cabeça e aqui a deixamos, já enterrada. Assim acabamos com isto duma vez para sempre.” (Memórias da Irmã Lúcia, 2a. Memória, p. 107.)

20. Um caminho sob o olhar de Maria, Carmelo de Coimbra, Edições Carmelo, 2013, p. 124.

21. Um telegrama da época, redigido por José Dantas Baracho, Governador Civil, dava instruções muito claras:“Administrador do Concelho de V. N. de Ourém;“Conforme combinação ontem aqui… se proibirá qualquer manifestação religiosa, que será impedida aí, para o que se reforça posto no local, para onde foi numerosa força armada.”

22. Era uma Senhora mais brilhante que o Sol, Pe. João de Marchi, p. 295.

23. Nossa Senhora de Fátima, William Thomas Walsh, Quadrante, São Paulo, 2015, p. 240.

24. Em 1945, a vidente de Fátima escreveu ao bispo de Leiria: “O bom Deus quer que os senhores bispos, nos poucos dias que antecedem as eleições, falem ao povo, por meio do clero e da imprensa, para dizer que Salazar é a pessoa escolhida para continuar a governar a nossa pátria, que é a ele que serão concedidas luz e graça para conduzir nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade”. E, em 1958, escreveu: “Não podeis imaginar como sofri por nosso tão digno Salazar da ingratidão de tanta gente que não quer ver tudo o que lhe devemos!”. Citado em Soeur Lucie, Confidente du Coeur Immaculé de Marie, Ir. François Marie des Anges, CRC, pp. 360-361.

25. Memórias da Irmã Lúcia, 2a memória, p. 117.

26. Soeur Lucie, Confidente du Coeur Immaculé de Marie, Ir. François Marie des Anges, CRC, p. 175.

27. Numa aparição posterior, narrada pela vidente, a necessidade desta intenção particular fica clara. Grifos meus: “ [A Lúcia] Apresentou a Jesus a dificuldade que tinham algumas almas em se confessar ao sábado e pediu para ser válida a confissão de 8 dias. Jesus respondeu:– Sim, pode ser de muitos mais ainda, contanto que, quando Me receberem, estejam em graça e que tenham a intenção de desagravar o Imaculado Coração de Maria. Ela perguntou:– Meu Jesus, as que se esquecerem de formar essa intenção?Jesus respondeu: – Podem formá-la na outra confissão seguinte, aproveitando a primeira ocasião que tiverem de se confessar” (Memórias, p. 194)

28. Um caminho sob o olhar de Maria, Carmelo de Coimbra, Edições Carmelo, 2013, pp. 170-171.

29. O bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva, muito embora se mostrasse favorável à devoção, a recomendasse em sermões e aprovasse a sua propagação em Portugal, não chegou a recomendá-la oficialmente.

30. Por aquele tempo, relata o Irmão François Marie des Anges, uma religiosa, estranhando que Lúcia não mencionasse mais na sua correspondência a prática dos cinco primeiros sábados, escreveu-lhe perguntando a razão deste procedimento. Recebeu do Carmelo de Coimbra uma carta protocolar datilografada com os seguintes dizeres: “A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado recebeu sua carta e reza nas vossas intenções. Quanto à questão: Por que ela não recomendou precedentemente a devoção dos primeiros sábados? Porque é preciso esperar pela autorização eclesiástica”. Soeur Lucie, Confidente du Coeur Immaculé de Marie, Ir. François Marie des Anges, CRC, p. 374.

31. A esses rigores, Lúcia somava, entre outros, a corda que trazia amarrada à cintura e abstinência de água três dias por semana. Quanto às práticas de piedade, além dos exercícios regulares da comunidade, Lúcia rezava diariamente o rosário e fazia a Via Sacra. Às quintas, fazia a hora santa, das 23h00 às 24h00

32. Fatima, joie intime, événement mondial, Irmão François de Marie des Anges, CRC, p. 211.

33. The Fourth secret of Fatima, Antonio Socci, Loreto Publications, 2006, p. 118.

34. Remetemos o leitor interessado numa análise detalhada sobre este ponto ao artigo Os papas e a consagração da Rússia, Dominicus, Revista Permanência 264. [Também publicado no nosso site: http://permanencia.org.br/drupal/node/5224]

35. Estas palavras de Nosso Senhor são misteriosas. Como é sabido, Santa Margarida Maria escreveu em 17 de junho de 1689 ao rei de França pedindo a consagração da França ao Sagrado Coração de Jesus. Luís XIV desprezou o pedido do Céu e, exatos 100 anos depois, ocorreu a sangrenta Revolução Francesa e o rei foi decapitado. Assim, as palavras de Nosso Senhor em Rianjo parecem indicar que o não cumprimento dos seus pedidos resultará numa terrível efusão de sangue. O Céu pediu reparação e propôs um meio fácil, mas a rejeição dos meios propostos terá de ser compensada de modo cruento. Esta é apenas uma interpretação, mas podemos corroborá-la com outros escritos da Irmã Lúcia, como a carta que escreveu em 1943 para Dom Garcia y Garcia, Arcebispo de Valladolid, a respeito da situação da Espanha: “Eu Lhe pedi instantemente que usasse de misericórdia para remediar os males da Espanha… mas Ele me respondeu que, se sua justiça não fosse apaziguada pelos meios que pedia, ela o seria pelo sangue dos mártires” (grifos meus). Tudo isso remete à visão do Terceiro Segredo, tal como publicada no ano 2000. Outra carta da Irmã Lúcia, escrita durante o início da Segunda Guerra Mundial ao Pe. Gonçalves, também vai neste sentido: “Deus quer que o momento da consagração da Rússia chegue bem rápido… Se este ato pelo qual a paz nos será concedida não se der, a guerra somente terminará quando o sangue derramado pelos mártires for suficiente para aplacar a justiça divina.”

36.Um caminho sob o olhar de Maria, Carmelo de Coimbra, Edições Carmelo, 2013, p. 282.

37. Um caminho sob o olhar de Maria, Carmelo de Coimbra, Edições Carmelo, 2013, p. 267.

38. The forth secret of Fatima, Antonio Socci, p. 195.

39. Note-se que, na visão publicada no ano 2000, não há referência a palavras ditas pela Virgem Maria. Este é apenas um dos pontos que nos fazem suspeitar que o Segredo não foi integralmente revelado por Roma no ano 2000. Há outros argumentos neste mesmo sentido. Por exemplo, sabe-se que, em setembro de 1952, Pio XII enviou o Pe. Joseph Schweigl para entrevistar a irmã Lúcia a propósito do Terceiro Segredo. De regresso, afirmou: “Não posso revelar nada do que aprendi em Fátima acerca do Terceiro Segredo, mas posso dizer que ele possui duas partes. Uma diz respeito ao papa, a outra, logicamente, embora não possa dizer nada, teria de ser a continuação das palavras, ‘em Portugal o dogma da Fé será sempre preservado’”. Ora, a visão publicada no ano 2000 não contém a continuação destas palavras de Nossa Senhora.

40. O título original do livro era “A transmissão da mensagem de Nossa Senhora”. Antes de ser publicado, o texto foi todo revisado e corrigido “sob a autoridade direta de João Paulo II”, como explicou o Pe. Luis Kondor ao Irmão François Marie des Anges. Foram incluídas diversas citações de Encíclicas de Paulo VI e João Paulo II que não constavam dos originais, foram suprimidas diversas passagens, outras foram reescritas, além de alterada a ordem dos capítulos. O livro não faz menção à devoção dos cinco sábados, pois a vidente estava proibida de falar do assunto.

 

 

(Fonte: Capela Santo Agostinho – Alguns destaques acrescidos)

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