Mariologia

A MÃE CORREDENTORA

Mãe, Corredentora e Medianeira.

A MÃE CORREDENTORA

 

Nossa Senhora das Dores (Ícone Milagroso em Campocavallo, Itália)

A doutrina sobre Maria Corredentora consta de modo expresso e formal no Magistério da Igreja, através dos Romanos Pontífices e do Concílio Vaticano II. Essa é a conclusão a que chega, após apurada análise, um dos mais destacados teólogos do século XX.

No presente capítulo, vamos examinar uma das mais importantes questões da Teologia mariana, e uma das mais profundamente investigadas nestes últimos tempos: a cooperação de Maria na obra da Redenção, realizada por Cristo no Calvário. Por essa cooperação, Ela conquistou o gloriosíssimo título de Corredentora da humanidade.

Cremos que Maria foi real e efetivamente Corredentora da humanidade por duas razões fundamentais:

a) Por ser a Mãe de Cristo Redentor, o que acarreta, como vimos anteriormente, a maternidade espiritual sobre todos os redimidos.

b) Por sua dolorosíssima compaixão ao pé da Cruz, intimamente associada, por livre disposição de Deus, ao tremendo sacrifício de Cristo Redentor.

Estes dois aspectos são necessários e essenciais, mas o que constitui a base e fundamento da Corredenção mariana é, a nosso ver, sua maternidade divina sobre Cristo e sua maternidade espiritual sobre nós. Por isto quisemos com plena e deliberada intenção dar a este capítulo o título de Mãe Corredentora, em vez de Corredenção mariana, como fazem outros autores. Estamos plenamente de acordo com estas palavras do eminente mariólogo Pe. Llamera: “A Corredenção é uma função maternal, ou seja, é adequada a Maria que a exerce em sua condição de Mãe. Ela é Corredentora por ser mãe. É Mãe Corredentora”.[1] […]

Não houve até agora uma definição dogmática da Corredenção por parte do Magistério extraordinário da Igreja; houve, isto sim, declarações expressas do Magistério ordinário, tanto de Sumos Pontífices como de Bispos e da Liturgia oficial da Igreja. Aqui nos limitamos ao testemunho dos Pontífices mais recentes, por seu especial interesse e atualidade.

Encontro de Nossa Senhora com Jesus a caminho do Calvário – Igreja de Nossa Senhora do Bom Socorro, Montreal (Canadá) – Foto: François Boulay

Unida a Cristo no triunfo sobre a serpente

Pio IX: “Ao glosar as palavras com as quais Deus, anunciando no início do mundo os remédios preparados em sua misericórdia para regenerar os mortais, confundiu a audácia da serpente sedutora e levantou maravilhosamente a esperança de nossa linhagem, dizendo: ‘porei inimizades entre ti e a Mulher, entre tua descendência e a dela’ (Gn 3, 15), os Padres da Igreja e outros doutores ensinaram que, por este divino oráculo, foi clara e patentemente anunciado o misericordioso Redentor do gênero humano, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, e foi do mesmo modo designada sua santíssima Mãe, a Virgem Maria, bem como brilhantemente posta em relevo a mesmíssima inimizade de ambos contra o demônio. Por esse motivo, assim como Cristo, mediador entre Deus e os homens, assumiu a natureza humana, anulou o decreto contra nós exarado e o cravou triunfante na Cruz, assim a Santíssima Virgem – unida a Ele por estreito e indissolúvel vínculo, exercendo com Ele e por Ele suas eternas inimizades – triunfou plenissimamente da venenosa serpente, cuja cabeça esmagou com seu pé imaculado”.[2]

A custo se conseguirá exprimir com maior precisão e clareza a doutrina da Corredenção mariana em Jesus Cristo com Ele e por Ele. Observa com razão Roschini: “Triunfar com Cristo, esmagando a cabeça da serpente, não é outra coisa que ser Corredentora com Cristo”.[3]

Associada à obra de salvação do gênero humano

Leão XIII: “A Virgem, isenta da mancha original, escolhida para ser Mãe de Deus e por isso associada à obra da salvação do gênero humano, goza junto a seu Filho de tamanho favor e poder que nunca puderam nem poderão obter igual nem os homens nem os Anjos”.[4]

“De pé junto à Cruz de Jesus, estava Maria, sua Mãe, penetrada do imenso amor a nós que A fazia ser nossa Mãe, oferecendo Ela mesma seu Filho à justiça de Deus e, por sua morte, agonizando em sua alma atravessada por uma espada de dor”.[5]

“Logo que, por inescrutável plano da Divina Providência, fomos elevados à suprema Cátedra de Pedro […] volveu-se espontaneamente nosso pensamento para a grande Mãe de Deus e sua associada na Redenção do gênero humano”.[6]

“Recordamos outros méritos singulares pelos quais Ela participou da Redenção humana com seu Filho Jesus”.[7]

Aquela que fora cooperadora no sacramento da Redenção do homem, seria cooperadora também na dispensação das graças dele derivadas”.[8]

Note-se neste texto a distinção entre a Redenção e sua aplicação atual. Segundo ele, Maria não é só Corredentora, mas também dispensadora de todas as graças provenientes de Cristo, como veremos no próximo capítulo.

Redentora com Cristo e dispensadora de seus tesouros

São Pio X: “A consequência desta comunidade de sentimentos e sofrimentos entre Maria e Jesus é que Maria mereceu ser digníssima reparadora do orbe perdido e, portanto, a dispensadora de todos os tesouros que Jesus nos conquistou com sua Morte e com seu Sangue”.[9]

Nossa Senhora de pé, junto à Cruz – Universidade Nossa Senhora do Lago, San Antonio (EUA) – Foto: Daniela Ayau Valladares

Bento XV: “É ensinamento comum dos doutores da Igreja que a Santíssima Virgem Maria, aparentemente ausente da vida pública de Jesus Cristo, esteve, entretanto, a seu lado quando caminhou para a morte e foi cravado na Cruz, e ali esteve por divina disposição. Com efeito, em comunhão com seu Filho padecente e agonizante, suportou a dor e quase a morte; abdicou dos seus direitos de mãe sobre seu Filho, para conseguir a salvação dos homens; e, tanto quanto d’Ela dependia, imolou seu Filho para aplacar a justiça divina, de modo que se pode com razão afirmar que com Cristo Ela redimiu o gênero humano. Por isto, todas as graças que haurimos do tesouro da Redenção nos vêm, por assim dizer, das mãos da Virgem Dolorosa”.[10]

Como o leitor pode ver, o Papa afirma neste magnífico texto os dois grandes aspectos da mediação universal de Maria: o aquisitivo (Corredenção) e o distributivo (distribuição universal de todas as graças).

O papel da Virgem Dolorosa junto a seu Divino Filho

Pio XI:A Virgem Dolorosa participou da obra da Redenção com Jesus Cristo e, constituída Mãe dos homens, que Lhe foram encomendados pelo testamento da divina caridade, abraçou-os como filhos e os defende com todo o seu amor”.[11]

“A benigníssima Virgem Mãe de Deus […], que nos deu Jesus Redentor, que O alimentou e O ofereceu como Hóstia junto à Cruz, foi também e é piedosamente denominada Reparadora por sua misteriosa união com Cristo e por sua graça absolutamente singular”.[12]

No encerramento do Jubileu da Redenção, Pio XI recitou esta comovente prece:

“Ó Mãe de piedade e de misericórdia, que acompanháveis vosso amável Filho enquanto Ele operava no altar da Cruz a Redenção do gênero humano, como Corredentora nossa associada às suas dores […], nós Vos rogamos: conservai e aumentai em nós todos os dias os preciosos frutos da Redenção e de vossa compaixão”.[13]

Pio XII: “Na realização da Redenção humana, quis Deus que a Santíssima Virgem Maria estivesse inseparavelmente unida a Cristo; deste modo, nossa salvação é fruto da caridade de Jesus Cristo e de seus padecimentos associados intimamente ao amor e às dores de sua Mãe; assim, é de todo razoável que o povo cristão, que recebeu de Jesus a vida divina por meio de Maria, depois de tributar as devidas homenagens ao Sacratíssimo Coração de Jesus, tribute também ao amantíssimo Coração da Mãe Celestial os adequados sentimentos de piedade, amor, ação de graças e reparação”.[14]

Como o leitor pode ver, é impossível falar de modo mais claro e categórico.

Causa de salvação para Si e para todo o gênero humano

Concílio Vaticano II: Tendo embora, por sua constante preocupação ecumênica, evitado a palavra Corredentora – para não ferir os ouvidos dos irmãos separados – o Concílio Vaticano II expôs de modo claro e inequívoco a doutrina da Corredenção tal como a entende a Igreja Católica. Eis alguns textos da Constituição dogmática Lumen gentium especialmente significativos: […]

“Ao aceitar a mensagem divina, Maria, filha de Adão, tornou-Se Mãe de Jesus e, abraçando de todo coração e sem qualquer torpor de pecado a vontade salvífica de Deus, consagrou-Se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, servindo com diligência ao mistério da Redenção com Ele e subordinada a Ele, pela graça de Deus onipotente. Com razão, pois, julgam os Santos Padres que Maria não foi mero instrumento passivo nas mãos de Deus, mas cooperou com livre fé e obediência para a salvação dos homens. Como disse Santo Irineu, ‘obedecendo, tornou-Se causa de salvação para Si mesma e para todo o gênero humano’”.[15] […]

“Concebendo, gerando e alimentando a Cristo, apresentando-O ao Pai no Templo, padecendo com Ele quando morria na Cruz, cooperou de modo inteiramente singular, com a sua Fé, esperança e ardente caridade, na obra do Salvador para restaurar nas almas a vida sobrenatural. Por isso é nossa Mãe na ordem da graça”.[16]

Como o leitor pode ver, o Concílio expõe com toda clareza a doutrina da Corredenção de Maria. […] A doutrina sobre Maria Corredentora consta, pois, de modo expresso e formal no Magistério da Igreja, através dos Romanos Pontífices e do Concílio Vaticano II. (Extraído de: La Virgen María. Teología y espiritualidad marianas. 2.ed. Madrid: BAC, 1997, p.140-149)

 

__________Pe. Antonio Royo Marín, OP

 

 

Notas (da fonte)

[1] LLAMERA, OP, Marceliano. María, Madre corredentora o la maternidad divino-espiritual de María y la Corredención. In: Estudios Marianos. Madrid. N.7 (1948); p.146.

[2] PIO IX. Ineffabilis Deus.

[3] ROSCHINI, OSM, Gabriel Maria. La Madre de Dios según la fe y la Teología. Madrid: Apostolado de la Prensa, 1955, v.I, p.477.

[4] LEÃO XIII. Supremi apostolatus officio, n.3.

[5] LEÃO XIII. Iucunda semper, n.6.

[6] LEÃO XIII. Ubi primum.

[7] LEÃO XIII. Parta humano generi.

[8] LEÃO XIII. Adiutricem populi, n.4.

[9] SÃO PIO X. Ad diem illum.

[10] BENTO XV. Inter sodalicia: AAS 10 (1918), 182.

[11] PIO XI. Explorata res est: AAS 15 (1923), 104-105.

[12] PIO XI. Miserentissimus Redemptor, n.15.

[13] PIO XI. Radiomensagem, 28/4/1935.

[14] PIO XII. Haurietis aquas, n.74.

[15] CONCÍLIO VATICANO II. Lumen gentium, n.56.

[16] Idem, n.61.

 

 

(Fonte: revista Arautos do Evangelho, nº 233, Maio/2021, pp. 14-17 – Alguns destaques acrescidos e o subtítulo é o tema da revista)

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