Semana Santa

SEXTA-FEIRA SANTA

Jesus na Cruz!

SEXTA-FEIRA SANTA – JESUS NA CRUZ!

PREPARAÇÃO. O Salvador na cruz é o espetáculo mais próprio para confundir e curar o orgulho humano: 1º pela ignomínia no patíbulo em que Jesus expira; 2º pela companhia aos crucificados entre os quais morre. – Meditando essas verdades, resolver-nos-emos a diminuir o apego a nós mesmos, esforçando-nos por nos desprezar. O orgulho é o princípio de todos os pecados. Initium omμis Initium omnis peccati est superbia (Ecl 10, 15).

1º Ignomínia do patíbulo em que Jesus expira

A cruz era o suplício dos escravos, isto é, daqueles a quem a antiguidade negava a dignidade e os direitos do homem, e que eram nivelados de certo modo aos irracionais. Nunca se ouviu dizer que um homem livre passasse por essa desonra, considerada como um opróbrio pelo mundo inteiro. Entre os judeus, a própria Escritura parecia ter esse mesmo sentimento, lançando a maldição sobre o infeliz levantado na cruz. Maledictus qui pendet in ligno (Dt 21, 23). Na Judéia afastavam-se todos com horror do homem suspenso no madeiro da cruz; pois nele só se pregavam os maiores criminosos, e seres mais vis e degradados. Jesus, santidade incriada e grandeza infinita, por que quereis que assim vos tratem tão indignamente? Ides ainda além dessa humilhação predita pelos profetas e pareceis gloriar-vos disso, oferecendo-vos aos inimigos e deixando-vos pregar e levantar nesse patíbulo infamante, onde vos formais espetáculo de ignomínia para o céu e a terra! A vossa humilhação dá o golpe decisivo no nosso orgulho. Como? Um Deus, o Rei imortal, o Criador do universo é saturado de opróbrios e vilanias, e nós nos queixamos quando ignorados, esquecidos e ofendidos? E queremos ainda ocupar o primeiro lugar na estima e afeição das criaturas?

Ah! deixemos de ser tão pretenciosos e presumidos ao vermos o nosso Redentor descer ao último degrau da abjeção para curar o nosso orgulho. Esse vício, que nasceu ao pé da árvore da ciência do bem e do mal, Jesus o destruiu na árvore da cruz. Ele nos declara, com seu exemplo, que a humildade é a base do seu reino; que ele quer reinar, não sobre os soberbos, partidários de Lúcifer, mas sobre os pequenos e os humildes que obedecem à Igreja e se tornam assim seus verdadeiros discípulos.

Sois do número desses corações dóceis, sempre prontos a submeter-se aos ensinamentos da fé e a crer nas promessas divinas? Obedeceis com exatidão a toda autoridade legítima, como a do próprio Deus, sem queixa nem murmuração?

Jesus, é próprio dos humildes receber em paz as afrontas e os desprezos. Dai-me a graça de suportar com amor tudo que cura o meu orgulho, a minha vaidade e as minhas pretensões. Ponde-me sempre diante dos olhos os opróbrios da vossa crucifixão, afim de que eu aprenda a tornar-me vil e abjeto aos meus próprios olhos e sempre pronto a submeter-me como vós, e a me resignar.

2º Jesus morre entre dois ladrões

Tendo o Redentor tomado sobre si os crimes do gênero humano, tornou-se de certo modo o pecador universal, levando o opróbrio de todos os pecados do mundo. Assumiu, pois, todas as consequências. Não só foi crucificado como o último dos escravos, mas morreu entre dois criminosos e dois criminosos crucificados, isto é, suspensos no patíbulo, entre a maldição do céu e da terra. – Eis o Deus que são Paulo chama inocente, impoluto, segregado do pecado e mais elevado do que os céus (Hb 7, 26), ei-lo entre dois facínoras detestados, como se lhes fora igual e considerando-os como irmãos, dando assim a entender que não viera para os justos, mas para os pecadores (Lc 5, 32).

Ó humildade de um Deus! Ó caridade do Redentor! Para facilitar-nos a confissão dos nossos pecados, ele se fez de certo modo pecador conosco e parece declarar-se de fato o último e o mais criminoso de todos. Bem-aventurados os que, como o bom ladrão, confessam humildemente as suas iniquidades e pedem perdão ao Salvador! Ai, porém, dos orgulhosos que, semelhantes ao ladrão impenitente, recusam confessar as faltas e se irritam contra Deus a quem ofenderam, porque os aflige para curar e salvar.

Já no Calvário começa o julgamento a que Jesus submeterá todos os filhos de Adão. Colocado entre dois sentenciados, parece fazer a separação dos justos e dos pecadores. Dirige-se ao bom ladrão como aos eleitos no fim dos séculos: “Vem, bendito do meu Pai, possui o reino que te está preparado desde o princípio do mundo, pois que hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Ao outro, colocado à sua esquerda, dá a sentença reservada aos réprobos: “Retira-te, maldito, para o fogo eterno”. A humildade arrependida é, pois, o caráter dos eleitos, e o orgulho obstinado é o dos escravos de Satanás. Se queres pertencer ao Salvador e partilhar a sorte do ladrão penitente, humilha-te como ele. Jesus prefere a humildade de um pecador ao orgulho de um inocente.

Meu Redentor crucificado, prostro-me ao pé da vossa cruz, e confesso minha ingratidão na amargura do meu coração. A minha vontade soberba e insubordinada pregou-vos nesse patíbulo ignominioso; contribuí com minha malícia para a morte de um Deus. Ó mal mais deplorável do que a ruína do universo, como te poderei reparar? Mãe dolorosa e cheia de misericórdia, fazei-me morrer de dor de haver sido o carrasco do vosso divino Filho. Obtende-me a coragem de reparar o passado pelo espírito de penitência, abnegação e paciência.

(Fonte: in Meditações Para Todos os Dias do Ano, R. P. Bronchain, C.SS.R, traduzidas da 13ª edição francesa pelo R. P. Oscar Chagas, C. SS.R., Tomo Primeiro, Editora Vozes, 1940, pp. 267-270, obra em formato PDF obtida do blog Alexandria Católica. Texto revisto, atualizado e com destaques acrescidos)

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